Há um tema que se tem tornado evidente na agenda: compliance vs criação de valor. A compliance é tão nociva como um casamento por conveniência. É eficaz nas aparências, mas conduz as empresas a uma destruição do seu valor. Pior que isso, a ficarem muito aquém do valor que podem criar para si e para a sociedade.
POR FILIPA PIRES DE ALMEIDA
Muito se tem discutido sobre o tema da sustentabilidade nos negócios. São variados os perfis dos seus apoiantes e dos seus adversários. Mas o certo é que, hoje em dia, se estivermos um pouco informados, não negamos a verdade evidente de que, para termos negócios operantes e lucrativos, temos de ter em conta os impactos sociais e ambientais das nossas operações. Se assim não fosse, não veríamos empresas, como a Phillip Morris, tão preocupadas com um «futuro sem fumo» ou uma Shell tão empenhada na «transição verde». Para não falar na moda da inclusão e na não discriminação no local de trabalho, bem como na captação do talento pelo «propósito organizacional». Todas são tendências fantásticas que, mais ou menos forçadas, ainda bem que acontecem!
Na verdade, o paradigma mudou e muitos têm sido os motores desta transformação. Após mais de 50 anos de domínio de uma visão limitada pela criação de valor para o accionista, a declaração de Propósito Organizacional pelo Business Roundtable (constituído pelos maiores empresas norte americanas), de «servir os interesses de todos os stakeholders», veio a ser o pontapé de saída para uma nova era de criação de valor no mundo dos negócios. Na Europa, em particular, estas medidas estão actualmente em vigor pela legislação de report de sustentabilidade, que em 2023 obrigará todas as empresas a divulgar, em simultâneo, resultados económicos, mas também sociais e ambientais.
Qual o risco desta mudança?
Fruto do meu trabalho com empresas, investidores e investigadores na matéria, há um tema que se tem tornado evidente na agenda: compliance vs criação de valor. A compliance é tão nociva como um casamento por conveniência. É eficaz nas aparências, mas conduz as empresas a uma destruição do seu valor. Pior que isso, a ficarem muito aquém do valor que podem criar para si e para a sociedade. Na verdade, as exigências legislativas, dos consumidores, do talento e dos investidores obrigam já hoje as empresas a mostrar que a sua actividade é benéfica para a sociedade; ou, pelo menos, que não a prejudica. Se isto for feito apenas por obrigação não irá originar progressos significativos nas operações empresariais.
Além disto, a atitude de compliance e de mitigação de risco, que mais coloquialmente se apelida de reporting ESG (Económico, Social e de Governança), não levará as empresas a mais do que lançar as bases de uma tímida licença para operar no curto prazo. Agravando este ponto, ESG é um conceito lato, sem definição comum, sem métricas acordadas, resultando num report literalmente «ao critério de cada organização».
Quais as oportunidades de mudança?
As oportunidades da mudança estão precisamente associadas a um novo paradigma de criação de valor. Em 1970, Milton Friedman dizia-nos que a única responsabilidade social das empresas era criar valor para os accionistas. Esta foi uma receita fantástica para a criação de valor económico e destruição de valor social e ambiental. Evidência disto são as crescentes desigualdades sociais em todo o mundo (apenas 26 pessoas detêm 50% da riqueza mundial) e uma degradação ambiental que coloca em risco a vida humana sobre o planeta.
Se há boa novidade que gostava de vos apresentar neste artigo, é que sobre a proposta certa mas incompleta de Friedman, nasceu em 2015 uma nova agenda de Governação Mundial (acordada por Estados, Empresas e Sociedade Civil) que congrega e integra objetivos sociais, ambientais e prosperidade económica, com objetivos e indicadores concretos – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Se quisermos comparar a criação de valor ou ambição de prosperidade para uma empresa ou para um Estado com os ODS ou as exigências ESG é o mesmo que dizermos que podemos ir de Lisboa até Paris de porsche ou de trator. É possível que, se formos de trator, tenhamos de, na fronteira, apanhar um comboio para cumprir a missão até ao fim. As empresas que se focarem no curto prazo do ESG, não estão a adquirir vantagem competitiva, estão apenas a manter a licença para operar ou lentamente começar o caminho da sustentabilidade. Mas estes critérios são muito curtos para uma ambição de verdadeira criação de valor.
Com esta comparação pretendo fazer um exercício de reflexão, demasiado curto para a brevidade do artigo, mas que nos leve a pensar em como queremos gerir as nossas empresas. É pela moda do momento e pelas exigências ocas de alguns stakeholders? Ou queremos realmente criar valor para a sociedade que nos envolve e, por isso, temos de tomar responsabilidade numa agenda de prosperidade, positiva para o mundo e para as pessoas?
Incomparavelmente melhor que eu, Jeffrey Sachs, escreveu um pequeno artigo no Journal of International Business Policy, onde nos deixa quatro perguntas de diagnóstico para os nossos negócios, que gostaría de vos sugerir:
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O que produz a empresa? Os seus produtos contribuem para o bem-estar social? Que impactos têm os seus bens e serviços actuais e que planos tem para o futuro?
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Quais são os impactos ambientais e sociais da produção e quais são as implicações de os evitar? Incluem-se limitações estritas aos impactos no ambiente (incluindo poluição da água, emissões de gases com efeito estufa e resíduos) e nas cidades; impõe-se um envolvimento responsável com as comunidades afectadas, especialmente as marginalizadas; e a protecção dos direitos humanos, incluindo direitos à saúde, salários dignos e representação dos trabalhadores.
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Quão sustentável é a cadeia de valor da empresa, considerando tanto as fontes a montante como os utilizadores a jusante? A empresa entende e partilha a co-responsabilidade com outras empresas da sua cadeia de valor, incluindo impactos de fontes de energia, transporte, relações comerciais e produtos de consumo?
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De que modo se envolve a empresa externamente com cidadãos, legisladores e comunidades? Esta reflexão pode incluir a estratégia e as práticas tributárias de uma empresa; envolvimento em litígios com comunidades, consumidores ou governos anfitriões; envolvimento em litígios com comunidades, consumidores ou governos anfitriões; envolvimento em lobbies, directos ou indirectos; e temas semelhados.
Afinal de contas, ser um gestor responsável pelas nossas pessoas e pela nossa «casa comum» é a melhor das ambições para quem tem a felicidade de trabalhar na nossa área. Vale a pena lutarmos pela verdadeira prosperidade «sem deixar ninguém para trás», conforme nos incentiva a Agenda do Desenvolvimento Sustentável. É, afinal isto, que nos pede a missão de sermos gestores responsáveis dentro de uma Associação de Gestores Cristãos, como a ACEGE.
Filipa Pires de Almeida
Deputy Director do CRB (Center for Responsible Business and Leadership) na CATÓLICA-LISBON e investigadora na área da estratégia e negócios internacionais.