O Patient Innovation é uma rede social para doentes e cuidadores criada pela Universidade Católica, em parceria com o MIT e a Carnegie Mellon, onde se partilham ideias que ajudam a ultrapassar as adversidades diárias provocadas por determinadas doenças. Em entrevista, Tomás Fidélis, managing director da plataforma lançada este mês, descreve-a como “um lugar virtual com um propósito estratégico e intrinsecamente bom, que possa ligar pessoas e melhorar a sua qualidade de vida”
POR MÁRIA POMBO

E se “de repente” o seu filho, que tem dificuldades motoras, começasse a andar só porque percebeu que o seu fascínio por balões o fazia estar de pé? E se percebesse que tocar piano é, para o seu filho, uma espécie de fisioterapia que atrasa a evolução de uma doença? E se um mero boneco insuflável fosse suficiente para o seu filho passar a ter noites mais tranquilas? Tudo isto aconteceu… com pais que não se contentaram com as soluções apresentadas pelos médicos nem com os resultados dos tratamentos propostos. Que não baixaram os braços e perceberam, ao analisarem os comportamentos dos filhos, que com objectos caseiros conseguiam atrasar a evolução de uma doença ou contornar os seus efeitos.

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Pais que se revelaram autênticos inovadores, proporcionando aos seus filhos uma melhor qualidade de vida. Pais que quiseram partilhar as conquistas dos filhos e as técnicas que utilizaram, para ajudar outros pais, cuidadores ou pacientes a ultrapassar as barreiras de determinadas patologias.

Criada por Pedro Oliveira, investigador na Universidade Católica Portuguesa e no MIT – Massachusetts Institute of Technology, a plataforma Patient Innovation resulta de uma investigação em equipa que concluiu que muitos doentes e cuidadores, insatisfeitos com os resultados dos tratamentos e com a pouca informação existente sobre as doenças de que padecem, procuram estratégias inovadoras para solucionar os problemas do dia-a-dia. Muitas vezes a partir de objectos tão comuns como caricas ou balões.

O problema “é que estas inovações muitas vezes se ‘perdem’, porque não são partilhadas com outros (doentes e cuidadores) que possam beneficiar do seu conhecimento”, explica Tomás Fidélis, acrescentando que a nova rede social surge precisamente para “colmatar esta falha, permitindo e incentivando a difusão destas inovações”.

Lançada no dia 7 de Fevereiro, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, esta plataforma pretende ser um espaço onde se partilham as ideias positivas que beneficiam verdadeiramente doentes, e que constituem potenciais soluções a ter em conta por outros doentes com o mesmo sintoma ou doença. A informação pode ser partilhada através de texto, imagens ou vídeos por doentes e cuidadores. Uma grande aposta da equipa de Pedro Oliveira é tornar a rede multilingue, permitindo que as ideias inovadoras cheguem a mais utilizadores através de traduções automáticas.

O projecto é financiado pela Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT), a Peter Pribilla Foundation (Alemanha) e os programas Carnegie Mellon Portugal e MIT Portugal.

Em entrevista ao VER, Tomás Fidélis explica como surgiu esta plataforma, quais as suas mais-valias e quais poderão ser os próximos passos. O managing director do Patient Innovation revela também o orgulho que sente por fazer parte da equipa, consciente de que “o desafio é enorme e os doentes são, como devem ser, um público muito exigente”.

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Tomás Fidélis, managing director da
plataforma Patient Innovation
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Como surgiu a ideia de aliar a “moda” das redes sociais à área da saúde, e criar uma plataforma neste âmbito?
A ideia resultou de investigação na área da inovação de utilizadores (user innovation) que demonstra que muitos utilizadores têm capacidade e incentivos para inovar, dada a sua melhor percepção das suas reais necessidades do dia-a-dia. Ao procurar estudar se esta propensão para a inovação que acontecia na saúde, o professor Pedro Oliveira, da Universidade Católica Portuguesa, e a sua equipa descobriram que os doentes e cuidadores, de facto, inovam para lidar com as dificuldades dos problemas quotidianos causados pela sua doença. O problema é que estas inovações muitas vezes se “perdem”, porque não são partilhadas com outros que possam beneficiar do seu conhecimento. O projecto Patient Innovation tenta colmatar esta falha, permitindo e incentivando a difusão destas inovações.

As redes sociais são uma ferramenta de excelência para ajudar poucos a chegar a muitos, e foi esse o formato por que optámos: o efeito de rede faz com que quantos mais pacientes ou cuidadores partilharem as suas soluções, mais informação estará disponível para aqueles que procuram respostas para os seus problemas, e maior será o valor potencial de cada solução, por chegar a mais pessoas.

Em que âmbito surgiu a parceria entre a Universidade Católica, o MIT e a Carnegie Mellon? E como se processa essa mesma parceria na prática?
O projecto surgiu no âmbito das chamadas parcerias internacionais com o MIT e a Carnegie Mellon. De facto, a iniciativa resultou directamente do trabalho de investigação realizado com cientistas das duas escolas, nomeadamente com o professor Eric von Hippel (MIT), e com o professor Francisco Veloso (que trabalhava na Carnegie Mellon University no início do projecto e é agora director da Universidade Católica), bem como do empenho de Leid Zejnilovic, candidato de doutoramento do programa Carnegie Mellon Portugal.

Eric von Hippel teve um papel importante no surgimento desta iniciativa. O que nos pode dizer sobre esta personagem e sobre o seu contributo para esta plataforma inovadora?
O professor Eric von Hippel é frequentemente considerado “o pai” da user innovation. A sua influência e apoio foram marcantes desde o início, dada a sua visão e experiência e a sua vontade de discutir e participar tanto na ideia geral como nos detalhes. É também membro do Advisory Board  do Patient Innovation, com o qual reunimos, em Boston, no início de Fevereiro.
Um exemplo do elevado empenho e envolvimento do professor von Hippel no projecto é o facto de ter participado no evento de lançamento, este mês, na Universidade Católica Portuguesa.

“Percebemos que havia potencial para criar uma estrutura que pudesse ter uma influência real na vida de alguns doentes”

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Há ideias que, numa fase inicial, parecem utópicas e pouco sustentáveis aos olhos dos nossos familiares e amigos mais próximos. Foi o caso desta? Quais foram as primeiras reacções ao Patient Innovation?
A ideia do professor Pedro Oliveira teve várias fases e foi sendo construída passo a passo. No início, a intenção era apenas, do ponto de vista de investigação na área de inovação de utilizadores, criar um instrumento para o estudo do fenómeno da inovação por pacientes. Mas a receptividade do projecto foi tal, junto de doentes, académicos e outras personalidades de relevo (como o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina Sir Richard Roberts), que fomos percebendo que havia aqui potencial para criar uma estrutura que pudesse ter uma influência real na vida de alguns doentes.

Ao longo do tempo fomos acumulando emails e palavras de doentes, estudantes de medicina, mães, pais e médicos que nos apoiaram sem reservas.

Quantos países estão já envolvidos e que planos de expansão têm a curto e médio prazo, relativamente a novos destinos e mais parcerias ou protocolos específicos com profissionais da área da saúde, associações, etc.?
Neste momento, temos já 12 protocolos assinados com associações em Portugal, Reino Unido, Austrália, Malásia, Croácia e Sérvia. Estamos também a contactar e a ser contactados por associações nos Estados Unidos, Brasil e vários outros países, com quem esperamos desenvolver acordos de divulgação.

O projecto conta ainda com forte presença na Alemanha, onde se encontra a Innosabi, o nosso parceiro de software, e nos Estados Unidos, sobretudo no MIT. Por fim, temos contactado com o Massachusetts General Hospital, que se mostrou interessado em divulgar a iniciativa junto dos seus utentes e, claro, com o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), através da nossa chief Medical Officer, Helena Canhão.

Que elementos compõem a equipa da Patient Innovation e quais são as mais-valias dessa equipa?
O projecto Patient Innovation é liderado pelo professor Pedro Oliveira, da Católica-Lisbon School of Business and Economics, auxiliado por uma equipa executiva bastante complementar e internacional: a Helena Canhão é médica e professora de Reumatologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e CHLN, o chief Research and Operations Officer, Leid Zejnilovic, está a terminar o seu PhD na Católica-Lisbon e o chief Funding and Fundraising Officer, Pierre Gein, é também director-executivo do Innovation Lab da Católica-Lisbon.

A plataforma Patient Innovation é gerida por mim, com o apoio e empenho de uma fantástica equipa de cinco pessoas de várias áreas: gestão, saúde, engenharia, bioquímica e comunicação.
 
O que considera fundamental para que este projecto continue a evoluir e que caminhos alternativos vislumbra para a sua evolução?
Há dois pilares que serão sempre necessários para a evolução deste projecto: o interesse das comunidades de pacientes à volta do mundo e o financiamento que permita o continuar das operações. Garantidos estes, creio que a plataforma poderá seguir várias direcções, incluindo a co-criação de soluções envolvendo utilizadores com conhecimento complementar; a integração com o movimento quantified self; concursos de ideias; ligação com outras fontes e redes de conhecimento e conectividadee, de uma forma mais geral, uma melhor adequação às necessidades de inovação específicas do público-alvo, os doentes e cuidadores.

O Patient Innovation pretende ser uma plataforma onde os doentes e cuidadores podem partilhar dicas sobre como contornar alguns sintomas e efeitos de doenças. É possível partilhar fotos, vídeos, dicas…

O que é que uma pessoa que chegue, pela primeira vez, ao site, pode encontrar de novo ou diferente, que não encontra noutras plataformas?
A maioria dos sites de partilha de questões de saúde tem um formato corrido, onde as participações são desconexas, e em que é muito difícil e moroso conseguir destrinçar o que é útil e prático do que não é. O Patient Innovation tem como objectivo mostrar apenas as ideias positivas e inovadoras, que representem potenciais benefícios para os outros doentes e cuidadores, bem como gerar discussão e avaliações informais sobre cada uma dessas propostas de solução.

Outro aspecto limitante de muitas outras plataformas é a língua e a geografia. Na sua maioria, ou apenas admitem a língua inglesa, o que restringe o total acesso de uma parte da população dos países de outras línguas, ou são exclusivamente nacionais, o que reduz o número de possíveis utilizadores a partilhar experiências. Para resolver este problema, o Patient Innovation é verdadeiramente internacional e multilingue: os utilizadores podem partilhar soluções em qualquer língua, que são automaticamente traduzidas para as línguas dos outros utilizadores.

Que receptividade tem tido a plataforma, nesta fase inicial?
Nestes poucos dias, desde que lançámos o site, já se inscreveram cerca de 1500 novos utilizadores, com uma média de cerca de quatrocentos visitantes por dia. E contamos já com cerca de cinquenta propostas de solução!

Esquecendo o lado profissional, como olha para o Patient Innovation?
Olho para este projecto como algo de claramente importante e com um potencial palpável. As redes sociais são constantemente apontadas como uma perda de tempo, um factor de redução de privacidade, produtividade e ligações humanas. Creio que esta plataforma pode ser um óptimo exemplo do oposto: um lugar virtual com um propósito estratégico e intrinsecamente bom, que possa ligar pessoas e melhorar a sua qualidade de vida.

O desafio é enorme e os doentes são, como devem ser, um público muito exigente. Caber-nos-á a nós saber corresponder ao desafio de forma serena e responsável, muito empenhada e muito consciente de que o que está sempre no centro é esta realidade de que os doentes e cuidadores têm muitas vezes incentivos reais para criar novas formas de lidarem com os seus problemas, e que estas soluções não podem ficar entre quatro paredes.

Jornalista