A realidade societal é complexa. Conhecê-la e transformá-la, em prol de uma sociedade mais justa e sustentável, exige uma abordagem iminentemente sistémica (por oposição a uma abordagel linear) e colaborativa. Para isso, é imperativo aceitar, compreender e navegar esta complexidade para podermos desenhar e implementar intervenções mais coletivas e transformadoras
POR MARIANA CABRAL

Imagine que o bater de asas de uma borboleta pode desencadear uma tempestade do outro lado do mundo. Esta é a essência do chamado “efeito borboleta”, um conceito que mostra como pequenas mudanças em sistemas complexos podem gerar resultados inesperados e impactantes ao longo do tempo. Assim como na natureza, a nossa sociedade — composta por indivíduos e instituições, todos eles regidos por normas legais e sociais — funciona em redes interligadas, onde cada intervenção, por menor que pareça, pode desencadear transformações profundas e imprevisíveis, positivas e negativas. É necessário aceitar, compreender e navegar a complexidade do mundo em que vivemos para reconhecer, valorizar e tirar o máximo partido destes “efeitos borboleta”.

A natureza complexa dos problemas sociais

Nas iniciativas de impacto – seja projetos de impacto social, negócios sociais, investimentos sociais e com impacto, doações, entre outras formas de intervenção – emerge um paradoxo frustrante. Apesar de uma acumulação significativa de conhecimento sobre os problemas societais, e de um influxo significativo de capital mobilizado através de instrumentos financeiros cada vez mais inovadores, os problemas societais perpetuam-se, permanecendo profundamente enraizados na nossa sociedade. Este ponto foi, mais uma vez, sublinhado pelo recente Pacto das Nações Unidas para o Futuro, que destacou o progresso desigual em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e evidenciou os desafios persistentes associados. Estes esforços pouco produtivos certamente provocam frustração entre aqueles que continuam a investir os seus recursos sem ver progressos significativos na resolução dos problemas sociais.

Acreditamos que esta tensão, entre intenções e mudanças efetivas, acontece porque os problemas societais estão enquadrados em sistemas complexos, que muitas vezes são difíceis de compreender. A multidimensionalidade destes temas, que abrangem não só fatores sociais, mas também económicos, políticos, ambientais e tecnológicos, transcende as lentes disciplinares tradicionais com que estamos habituados a seccionar a realidade social.  Tomemos como exemplo a pobreza, um desafio que não pode ser só olhado do ponto de vista dos rendimentos, mas que envolve também aspetos ligados à educação, à saúde, à habitação, ao formato do agregado familiar, ao emprego e ao bem-estar.

Estas dimensões estão altamente interligadas de forma não linear e dinâmica ao longo do tempo, pelo que não devem ser analisadas de forma isolada e desconexa. Os desafios numa determinada dimensão podem intensificar desafios noutra, criando cadeias de relações e ciclos viciosos que agravam o problema. Por exemplo, barreiras na educação, evidenciadas em contextos familiares mais desfavorecidos, podem limitar as oportunidades de emprego das gerações mais novas, contribuindo mais tarde para perpetuar as desvantagens económicas que, por sua vez, afetam a saúde e a participação social. Isto dá origem a ciclos de pobreza que se estendem ao longo do tempo e que são necessários quebrar.

A dificuldade em navegar a complexidade e as consequências adversas da linearidade

Desenvolver soluções para problemas societais complexos requer a capacidade de navegar de forma eficaz pela complexidade inerente a estes problemas e aos ciclos viciosos subjacentes. Contudo, as pessoas enfrentam sérias dificuldades em lidar com a complexidade, particularmente no que diz respeito à multidisciplinariedade, à causalidade, ao dinamismo e à imprevisibilidade dos sistemas societais. Estas dificuldades podem ser agrupadas em dois grandes tipos de barreiras: intelectuais e institucionais.

Por um lado, o ser humano é, desde cedo, moldado para um pensamento predominantemente lógico, linear e de ciclo aberto — características que se encontram em claro desfasamento com o funcionamento real e intrincado da sociedade contemporânea. Por outro lado, a aversão ao risco, o foco excessivo no curto prazo e a escassez de recursos contribuem para que tanto indivíduos como organizações não consigam, ou não estejam dispostos a enfrentar a complexidade de forma consciente e deliberada, optando antes por raciocínios e soluções simplistas e superficiais, frequentemente insuficientes para responder à verdadeira natureza dos desafios.

As abordagens lineares e excessivamente simplificadas da complexidade trazem consigo uma série de consequências adversas. Em primeiro lugar, soluções superficiais falham na abordagem estrutural dos problemas, tratando apenas os sintomas em vez de se focar nas áreas do sistema que são realmente as causas responsáveis pela sua continuidade. Em segundo lugar, a utilização de abordagens fragmentadas e em silos aumenta a probabilidade de duplicação de esforços, com várias iniciativas a operar isoladamente e sem coordenação, o que compromete a sua eficácia global. Como resultado, o impacto gerado por essas soluções é limitado e os problemas sociais tendem a persistir, uma vez que as respostas oferecidas não são capazes de lidar com a complexidade subjacente de forma integrada e sistémica.

Navegar a complexidade requer líderes colaborativos e com pensamento sistémico

A transição do pensamento linear para o pensamento sistémico é crucial para enfrentar os desafios complexos da sociedade. Ao contrário do pensamento linear, o pensamento sistémico oferece uma visão mais ampla e holística, reconhecendo que os problemas estão inseridos num sistema interligado e dinâmico. Com este conhecimento do problema, conseguiremos identificar os pontos do sistema capazes de desconstruir os seus ciclos viciosos. Tratam-se de pontos onde pequenas intervenções podem gerar grandes impactos, desde que acionados de forma estratégica e colaborativa.

No caso da pobreza, por exemplo, é crucial determinar que medidas podem transformar estruturalmente o problema: será que a educação é o único fator-chave para quebrar o ciclo da pobreza? Ou faz parte de um conjunto mais amplo de intervenções necessárias? Que partes interessadas – do setor privado, público ou social – é necessário envolver para escalar o impacto de certas intervenções e acelerar a transformação? Só assim podemos desenvolver intervenções mais fundamentadas e ajustadas à realidade do sistema.

A empatia e a humildade são dois pilares fundamentais ao longo deste processo. Os líderes devem reconhecer que existem múltiplos atores envolvidos e que, para se alcançar uma mudança efetiva, é necessária a colaboração e a inclusão de perspetivas diversas. As soluções não podem ser impostas unilateralmente, mas devem ser discutidas e construídas em conjunto, com base num entendimento coletivo dos desafios e no papel de cada parte. Ao adotar este modelo, as organizações estão melhor preparadas para promover mudanças sistémicas, criando intervenções mais eficazes e duradouras, capazes de desencadear vários “efeitos borboleta” de transformação positiva.

Acreditamos que, para capacitar os líderes de hoje e de amanhã a abraçar e navegar a complexidade dos problemas societais, é crucial encontrar um equilíbrio entre a simplicidade e a complexidade. Isso significa tornar a complexidade dos desafios societais mais acessível e compreensível, sem perder a riqueza e as nuances da realidade social, evitando, assim, a sua linearização. Foi com esse objetivo que, na Nova School of Business & Economics, criámos a iniciativa Scaling Systemic Impact. Através da fórmula ‘Think, Map & Practice’, procuramos: (1) fomentar o pensamento sistémico de atuais e futuros líderes; (2) desenvolver e disseminar metodologias que mapeiem os problemas societais mais críticos, identificando os fatores que os influenciam e os principais atores envolvidos na sua resolução; e (3) incentivar a colaboração entre uma ampla variedade de partes interessadas, promovendo parcerias para enfrentar esses desafios complexos. Só através da ação nestas três frentes, acreditamos que podemos cultivar uma nova geração de líderes capazes de pensar e atuar de forma sistémica.

Mariana Cabral co-lidera uma iniciativa de mudança sistémica no Leadership for Impact Knowledge Center da Nova School of Business & Economics, onde desenvolve metodologias de pensamento, mapeamento e práticas sistémica para navegar a complexidade dos problemas societais, e investiga sobre a aprendizagem em sistemas