O actual conflito entre o regresso ao escritório e os modelos de trabalho híbridos continua a moldar o futuro da dinâmica do local de trabalho. E são várias as empresas – com um enfoque recente na gigantesca Amazon – que tentam regressar às normas anteriores à pandemia, incentivando ou obrigando os trabalhadores a regressar ao escritório a tempo inteiro. No entanto, este esforço tem encontrado resistência por parte dos trabalhadores que se habituaram à flexibilidade e às vantagens de produtividade do trabalho a partir de casa ou numa configuração híbrida, que combina dias remotos e dias no escritório. Para muitos, o compromisso tem sido o modelo híbrido, mas o debate está longe de estar resolvido, uma vez que ambas as partes ponderam a evolução das necessidades do trabalho e as exigências de uma força de trabalho moderna
POR HELENA OLIVEIRA

A batalha em curso entre os mandatos de regresso ao escritório (RTO, sigla em inglês para Return To Office) e as preferências de trabalho híbrido continua a ser um tópico importante e amplamente discutido, esperando-se que assim continue. Muitas organizações estão a inclinar-se para acordos híbridos em vez de requisitos de presença a tempo inteiro no escritório, com as empresas da Fortune 100 a constituírem um bom exemplo desta tendência. Na verdade, cerca de 77% destas empresas adoptaram modelos de trabalho híbridos, enquanto apenas 7% exigem a presença a tempo inteiro no escritório.

No entanto, a tendência mais ampla em todos os sectores mostra que cerca de 90% das empresas estão preparadas para aplicar algum nível de RTO até ao final de 2024, com a esmagadora maioria dos trabalhadores a defenderem acerrimamente a flexibilidade. São muitos os inquéritos que revelam que mais de metade dos trabalhadores profissionais consideram a flexibilidade do trabalho uma prioridade máxima quando avaliam as oportunidades de emprego, levando as empresas a adaptarem-se ou a arriscarem-se a perder os melhores talentos se tal desejo não for satisfeito. Entretanto, algumas empresas estão a experimentar mandatos de RTO baseados na performance, associando a presença no escritório a avaliações de desempenho para motivar o trabalho presencial.

Contudo, o debate continua a ser um tema extremamente delicado, com a liderança a realçar frequentemente a colaboração, a criatividade e a inovação como benefícios do trabalho presencial. No entanto e em simultâneo, também têm de dar resposta às preocupações dos trabalhadores relativamente ao equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e às deslocações para os locais de trabalho, benefícios resultantes do tempo da pandemia e anos seguintes e que não estão dispostos a perder. Em suma, o futuro continua incerto, com alguns a preverem uma norma híbrida a longo prazo, enquanto outros prevêem uma resistência contínua aos requisitos rígidos dos escritórios e outros ainda a defender o regresso “total” ao regime presencial. No que respeita aos muitos estudos e inquéritos realizados sobre o tema, os resultados continuam a ser heterogéneos, o que dá mais força ao facto de esta “batalha” se vir manter pelo menos a médio prazo.

Há cerca de dois meses, o debate ganhou nova vitalidade com o anúncio da Amazon, através de um memo do seu CEO, Andy Jessy, no qual anunciava aos seus 2585 funcionários que a  gigantesca empresa iria voltar ao trabalho presencial, cinco dias por semana, a partir de 2 de Janeiro de 2025.

De acordo com um inquérito recente realizado pelo site de avaliação de empregos Blind, cerca de 91% dos 2585 funcionários da Amazon inquiridos afirmaram não estar satisfeitos com a decisão da Amazon de voltar ao trabalho presencial “total”. Além disso, 73% dos empregados estão a considerar procurar outro emprego devido à nova política, enquanto 32% disseram que conheciam alguém que já tinha deixado o seu emprego na Amazon em resposta a este mandato.

De acordo com o CEO, “quando olhamos para trás, para os últimos cinco anos, continuamos a acreditar que as vantagens de estarmos juntos no escritório são significativas. (…) em resumo, observámos que é mais fácil para os nossos colegas de equipa aprenderem, modelarem, praticarem e reforçarem a nossa cultura; a colaboração, o brainstorming e a invenção são mais simples e mais eficazes; o ensino e a aprendizagem mútuos são mais fluidos; e as equipas tendem a estar mais ligadas umas às outras. Os últimos 15 meses em que voltámos ao escritório pelo menos três dias por semana reforçaram a nossa convicção sobre estes mesmos benefícios”.

A Amazon junta-se assim a várias outras empresas, incluindo o Citigroup, a Walmart e a UPS, que reforçaram os requisitos de regresso ao escritório nos últimos meses e a sua decisão está alinhada com a de outras empresas dos sectores da tecnologia e da logística, ou como a Boeing e a Disney, que estão a pressionar os empregados para regressarem às rotinas de trabalho em favor da produtividade no local. E a verdade é que o mais recente mandato de regresso ao escritório da Amazon acrescenta mais um elemento ao debate em curso sobre o trabalho remoto e o impacto na produtividade dos trabalhadores num novo mundo de trabalho híbrido moldado pela pandemia.

Os que desejam voltar ao “antigamente”

Para os defensores dos modelos de RTO, existem vários benefícios chave que motivam as empresas a dar prioridade ao trabalho presencial.

Uma das vantagens mais citadas do regresso ao escritório é o potencial para uma melhor colaboração. As interacções presenciais podem levar a sessões espontâneas de brainstorming e a uma dinâmica de equipa mais forte, que são difíceis de replicar em ambientes virtuais. A comunicação presencial facilita frequentemente a tomada de decisões mais rápidas e a livre troca de ideias, promovendo a inovação.

Por outro lado, os escritórios desempenham um papel vital na manutenção e reforço da cultura de uma empresa. A presença física pode ajudar os empregados a sentirem-se mais ligados aos valores e à missão da sua organização. Este sentido de comunidade pode levar a um maior envolvimento e lealdade, especialmente quando os trabalhadores interagem regularmente com os seus pares e com a administração num espaço partilhado.

Adicionalmente, o modelo RTO simplifica a integração e o acompanhamento dos novos funcionários pelas empresas. Ter colegas experientes por perto ajuda os recém-chegados a aprender os processos e a cultura da empresa de forma mais eficiente. Também facilita o feedback e a formação em tempo real, tornando o desenvolvimento profissional mais acessível e integrado.

Um outro benefício relatado pelos que defendem o regresso ao trabalho presencial – o qual, na verdade, é o mais citado – está relacionado com o aumento da produtividade, na medida em que muitos empregadores não têm confiança no trabalho que é feito remotamente. E existem algumas razões que podem sustentar este argumento: por exemplo, e de acordo com um inquérito realizado pelo SurveyMonkey a teletrabalhadores, 46% confessaram realizar várias outras actividades durante uma chamada de trabalho, como por exemplo tarefas domésticas, 33% admitem ter feito recados fora de casa, 20% dormiram a sesta, 17% trabalharam num local diferente sem avisar ninguém, 17% viram televisão/jogaram videojogos e 4% trabalharam noutro emprego. Todavia, tal não serve de desculpa para obrigar os trabalhadores a trabalhar no escritório cinco dias por semana, como afirma a maioria dos críticos, na medida em que consideram este regresso forçado como desnecessário, desactualizado e desfasado da forma como o trabalho é feito na actualidade, em particular para milhões e milhões de trabalhadores do conhecimento.

Por seu turno, a esmagadora maioria dos estudos realizados sobre a produtividade em regime híbrido defendem que este modelo não só mantém os níveis de produtividade, como até os ultrapassa. A título de exemplo, um dos maiores estudos realizados até agora e sobre o qual o VER escreveu recentemente concluiu que um horário híbrido com dois dias por semana de trabalho a partir de casa não prejudica o desempenho, pelo contrário. “O trabalho híbrido é vantajoso para a produtividade, o desempenho e a retenção dos trabalhadores”, afirmou Nicholas Bloom, professor da Universidade de Stanford, um dos investigadores do estudo.

Entretanto, um outro inquérito realizado pela empresa de consultoria KPMG a CEOs a nível mundial revelou que 34% destes prevêem que os funcionários dos escritórios das empresas regressem ao local de trabalho físico nos próximos três anos, sendo este valor substancialmente inferior ao do inquérito realizado no ano passado, em que 62% dos CEOs afirmaram o mesmo.

E de volta à Amazon, existe também um “pequeno detalhe” que está a ser apontado por muitos observadores: esta nova exigência da Amazon para o regresso ao escritório cinco dias por semana está a suscitar especulações de que se trata de uma forma de a empresa despedir “silenciosamente” os seus empregados, num esforço para evitar despedimentos que podem custar milhões em indemnizações e atrair má publicidade.

O “despedimento silencioso” ocorre quando uma empresa cria um ambiente de trabalho com condições desfavoráveis, tais como excesso de trabalho, atrasos nas promoções, pouco apoio por parte da gestão, etc., para pressionar os trabalhadores a demitirem-se em vez de serem despedidos. E não é assim tão raro quanto isso. Num inquérito realizado pela ResumeTemplates na primeira semana de setembro, um em cada 10 líderes empresariais afirmou que está a aumentar os dias de RTO para levar os empregados a despedirem-se, com metade a confessar que esta é  uma estratégia para evitar despedimentos. Neste mesmo inquérito, mais de um quarto das empresas afirmou ter aumentado os dias de RTO em 2024, 12% planeiam fazê-lo até ao final deste ano e 9% irão aumentá-los em 2025. Das empresas auscultadas, uma em cada três exigirá que os funcionários estejam no escritório cinco dias por semana, o que leva os observadores a afirmar que esta exigência é “centrada na empresa” e “não centrada nos trabalhadores”.

Quando a virtude está no meio e se chama flexibilidade

São cada vez maiores as evidências de que o modelo híbrido é o que melhor se ajusta às necessidades dos empregadores e aos desejos dos trabalhadores da actualidade. E é de notar que os próprios trabalhadores preferem actualmente o trabalho híbrido ao trabalho totalmente remoto.

Daí existirem tantas críticas à “resolução de Ano Novo” da Amazon e das suas congéneres que querem os empregados sentados nas secretárias todos os dias bem à vista dos seus superiores.

Comos se pode ler num interessante artigo da revista Forbes, com críticas duras a esta decisão por parte da Amazon, esta parece estar a esquecer-se também de que a sua força de trabalho é multigeracional e que as necessidades de todos não são as mesmas. “Os trabalhadores mais jovens anseiam por flexibilidade e autonomia, mas continuam a valorizar o tempo presencial para colaboração e orientação. Por outro lado, os trabalhadores mais velhos podem necessitar de acomodações por motivos de saúde ou de prestação de cuidados, mas podem beneficiar dos aspectos sociais de um ambiente de escritório. E a verdade é que um mandato rígido de cinco dias ignora esta diversidade”.

Na verdade, a palavra mágica que parece agradar a todos os tipos de funcionários é “flexibilidade”. Um relatório realizado pela McKinsey revelou que 87% dos trabalhadores de todas as gerações optariam por trabalhar de forma flexível se tivessem essa possibilidade. Ou seja, a flexibilidade não é apenas uma vantagem para os Millennials, mantendo as pessoas produtivas e empenhadas, independentemente da idade. E o que a Amazon está a fazer é apostar na crença desactualizada de que presença é igual a (melhor) desempenho.

Como escreve a Forbes, “quando os funcionários têm a liberdade de trabalhar onde se sentem mais criativos, são mais felizes, menos esgotados e – surpresa, surpresa – mais inovadores”. Ou seja, a criatividade não acontece quando as pessoas estão presas às suas secretárias cinco dias por semana.

De facto, 63% dos funcionários sentem-se mais inovadores quando têm opções de trabalho flexíveis, de acordo com o relatório Workforce Radar 2024 da PwC. E, de acordo com a McKinsey, as empresas com modelos de trabalho flexíveis registaram 63% a mais de inovação. Não se trata de uma coincidência. “Quando as pessoas estão menos stressadas, pensam de forma mais criativa. Quando pensam de forma mais criativa, adivinhem? A empresa ganha dinheiro”.

Uma outra crítica à decisão da Amazon, e que serve para as demais empresas que estão a adoptar a semana presencial de cinco dias está relacionada com a confiança.

Brian Elliott, consultor sobre o futuro do trabalho e autor de How the Future Works: Leading Flexible Teams to Do the Best Work of Their Lives”, falou sobre o fator confiança.  Os mandatos rigorosos de RTO, disse à Fortune, enviam uma mensagem aos empregados de que a administração está à procura de controlo, especialmente se houver falta de dados internos que provem que mais tempo passado no escritório resulta numa maior produtividade. “O que a Amazon fez ao passar de três dias por semana para cinco dias por semana é basicamente um sinal para muitos funcionários: Não confiamos que trabalhem eficazmente quando estão em casa”, afirmou Elliott.

Com o trabalho flexível ou híbrido a continuar a ser preferido pela maioria dos trabalhadores, a Amazon poderá vir a descobrir que a sua nova política torna mais difícil atrair novas contratações, disse também Elliott à Fortune. “Se 80% das pessoas querem alguma forma de flexibilidade, então temos um pequeno desafio em termos do grupo de talentos que temos de recrutar”, afirmou. “Sabemos que estas mudanças provocam a perda de pessoas e que é muito mais difícil atrair pessoas para o trabalho”.


Os benefícios comprovados do trabalho híbrido

No geral, os modelos de trabalho híbridos oferecem várias vantagens significativas, equilibrando a flexibilidade e a necessidade de colaboração presencial. Atentemos aos seguintes.

  • Aumento da satisfação dos funcionários e do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal

Uma das vantagens mais amplamente reconhecidas do trabalho híbrido é a capacidade de melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Os funcionários podem gerir as responsabilidades pessoais e profissionais de forma mais eficaz, reduzindo o stress e aumentando o bem-estar geral. A flexibilidade para escolher onde e quando trabalhar aumenta a satisfação no trabalho, o que pode levar a uma maior retenção e envolvimento dos funcionários.

  • Maior produtividade e concentração

Muitos colaboradores consideram que os dias que passam em trabalho remoto aumentam a sua produtividade, uma vez que podem controlar melhor as distracções e personalizar os seus ambientes de trabalho. Por outro lado, os dias de trabalho no escritório podem ser dedicados a esforços de colaboração, reuniões de equipa ou tarefas que exijam uma presença física, estabelecendo um equilíbrio eficaz entre o trabalho individual concentrado e os projectos de grupo.

  • Poupança de custos para empregados e empregadores

O trabalho híbrido reduz os custos e o tempo de deslocação dos trabalhadores, o que resulta em poupanças financeiras e menos tempo perdido em trânsito. Para os empregadores, manter um espaço de escritório mais pequeno pode reduzir significativamente os vários custos associados a um espaço de trabalho de maior dimensão.

  • Impacto ambiental

A redução das deslocações traduz-se em menos emissões de carbono, tornando o trabalho híbrido uma opção amiga do ambiente. As empresas que adoptam modelos híbridos podem contribuir para os objectivos de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, atrair funcionários com consciência ambiental.

  • Acesso a um conjunto mais vasto de talentos

As modalidades de trabalho híbrido facilitam às empresas o recrutamento de talentos de topo numa área geográfica mais vasta. As organizações não se limitam a contratar dentro dos limites de distância de deslocação, o que lhes permite atrair diversos candidatos que preferem uma mistura de trabalho remoto e presencial.

  • Flexibilidade e adaptabilidade

As modalidades de trabalho híbridas permitem às empresas adaptarem-se rapidamente a circunstâncias variáveis, como crises de saúde ou perturbações tecnológicas. Esta flexibilidade assegura a continuidade da actividade, ao mesmo tempo que proporciona aos trabalhadores a adaptabilidade que estes valorizam.

Estas vantagens fazem do trabalho híbrido uma estratégia apelativa a longo prazo para muitas organizações, uma vez que combina os melhores elementos do trabalho remoto e do trabalho no escritório, satisfazendo as diversas necessidades e preferências dos funcionários e, consequentemente, dos próprios empregadores.

Contudo, espera-se que o debate continue sem haver certezas de qual será o modelo de trabalho dominante no futuro.


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