O Marketplace é um mercado social que foi importado da Holanda há cerca de um ano com o objectivo de reunir, no mesmo espaço, empresas e instituições, promovendo a realização de parcerias. Num ambiente informal e descontraído, as necessidades de umas são as mais-valias de outras e tudo pode ser transaccionado, excepto dinheiro. A sua quarta edição ocorreu no Museu da Electricidade, em Lisboa, no dia 19 de Novembro, e contabilizou 122 parcerias (ou matches), as quais se traduzem num impacto social de cerca de 185 mil euros
POR
MÁRIA POMBO

“Um dia, pegámos nas tintas e nos pinceis e fomos remodelar um espaço de uma instituição. Nessa noite, através dos sorrisos das pessoas por verem o espaço renovado, pudemos todos dormir mais descansados e tranquilos por sabermos que demos o nosso melhor e ajudámos alguém”. Foi assim que Diogo Borges, representante da empresa de calçado Paez, descreveu o resultado de uma parceria realizada com uma instituição na primeira edição do Marketplace, a qual decorreu em Novembro do ano passado, em Lisboa.

E, naquela que é a quarta edição deste evento (a segunda na capital portuguesa), Diogo Borges decidiu voltar, tendo em conta que “aqui é possível ir ao encontro de organizações com as quais, noutras circunstâncias, seria difícil estabelecer parcerias”. O representante da Paez sublinhou ainda que este “é o evento ideal para apoiar instituições que querem mesmo a ajuda que nós podemos dar”.

Numa outra zona da sala, Iva Henriques, o rosto da estreante Empower to Live, comentava que o evento consiste “num marco para o renascimento desta organização sem fins lucrativos e em processo de restruturação”, a qual oferece serviços ao nível do empreendedorismo, economia, ética, coaching e marketing estratégicos a empreendedores, comunidades ou outras instituições, conduzindo-os ao sucesso. Na prática, a instituição em causa resolveu participar no Marketplace com o objectivo de “ajudar o pequeno empreendedor, orientando-o na constituição de uma associação ou na procura de um investimento mais adequado ao seu negócio”. Em troca, Iva Henriques espera receber divulgação do seu projecto e voluntariado em diversas áreas, como o marketing ou a assessoria.

Estes dois testemunhos foram recolhidos na quarta edição do Marketplace, um mercado social organizado pela FIX Social Engagement e que decorreu recentemente no Museu da Electricidade, em Lisboa, juntando no mesmo espaço 70 empresas e 35 instituições com um único objectivo: trocar tudo menos dinheiro, num ambiente informal e descontraído, em que as necessidades de uns são as mais-valias e as ofertas de outros e networking é uma das palavras de ordem. No total, foram contabilizadas 122 parcerias – ou matches – que se traduzem num impacto social de sensivelmente 185 mil euros.

Na qualidade de directora da FIX Social Engagement, Natasha Von Mühlen sublinhou que “o Marketplace é um bom exemplo da Economia da Partilha” na medida em que se trata de “um movimento actual e de um modelo socioeconómico em torno da partilha de bens humanos, serviços e materiais, promovendo modos de vida e de negócio sustentáveis”. A holandesa que importou este mercado social do seu país de origem reforçou ainda a importância do mesmo em Portugal: “nos tempos que correm, é urgente ajudarmo-nos uns aos outros e este mercado garante uma situação win-win, sendo vantajoso para ambas as partes”.

Através deste modelo, as empresas “têm a possibilidade de activar as suas políticas de responsabilidade social e aumentar a reputação junto dos seus públicos mas, mais importante ainda, é poderem contribuir para o desenvolvimento da comunidade local”, explicou a responsável.

Na sessão de abertura, Margarida Pinto Correia alertou os participantes para a urgência de se “conhecer e reconhecer o mundo à nossa volta” e para a necessidade de não nos concentrarmos apenas em parcerias ambiciosas “daquelas que podem garantir os próximos 10 anos”, como forma de lidar melhor com “todas as expectativas e angústias”. Optimista por natureza, a directora de inovação social da Fundação EDP reforçou que “é fundamental que se quebrem os egos” e que este tipo de eventos informais e inovadores “passe a fazer parte da nossa cultura”.

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Instituições mais preparadas e empresas mais disponíveis

Marketing e comunicação, voluntariado, bens materiais, a par de apoio jurídico, financeiro e administrativo são as grandes áreas em torno das quais se estabelecem os matches. No entanto, são inúmeras e bastante variadas as parcerias que as empresas e instituições podem firmar, dependendo exclusivamente das possibilidades e das necessidades das partes envolvidas. A este respeito, Natasha Von Mühlen referiu que “é muito positivo que as instituições venham mais preparadas de edição para edição” e que as solicitações e ofertas sejam “cada vez mais diversificadas e originais”.

Como pedidos mais frequentes, as instituições elegeram o voluntariado (para a reabilitação de espaços degradados, por exemplo), a aquisição de bens materiais (como material informático, transportes ou mobília) e o apoio na divulgação de projectos, sendo a melhoria da qualidade de vida dos utentes ou públicos visados a principal preocupação e motivação das organizações sem fins lucrativos presentes no evento.

Apesar de terem sido muitas as empresas que optaram pela doação de materiais de escritório e pela cedência de espaços para eventos, o voluntariado foi o “grande vencedor”. Um conjunto significativo das ofertas empresariais passou pela disponibilização do seu tempo para apoiar a remodelação de espaços, mas também para formações em empregabilidade, melhoria de websites ou contributos de outra natureza, manifestando uma grande abertura para satisfazer necessidades mais específicas das organizações sociais e revelando uma grande vontade de concretizar parcerias.

“Na primeira edição doámos quase tudo o que tínhamos [material de escritório] ”, referiu Luciana Macedo, em representação do Banif, o qual contabilizou um grande número de matches na primeira edição, decorrida em Lisboa, em Novembro do ano passado. “E estamos cá hoje novamente com o mesmo objectivo”, garantiu.

No fundo, cada parceria é única e pode ser concretizada de diversas formas. Um outro exemplo é o testemunho de Bernardo Corrêa de Sá, advogado na BCS Legal, e que quis estar presente pela primeira vez no Marketplace para “auxiliar as instituições que necessitam de apoio jurídico”. O próximo passo será agendar reuniões com as organizações para perceber em que moldes será concretizada esta colaboração, sendo necessário “marcar um dia por semana ou por mês à medida das necessidades que vão surgindo”, mencionou.

Adicionalmente, Diogo Borges, da “repetente” Paez, sublinhou que “voltar é o que faz sentido”, realçando que a sua equipa “é constituída por pessoas jovens e com vontade de ajudar”. Ao fim de uma hora, a empresa de calçado tinha já estabelecido três matches: um deles para pintura de um espaço, outro para doação dos seus já famosos sapatos e outro ainda que consistiu na criação de um grupo que pretende apadrinhar uma rota do projecto Refood.

Pela associação Miúdos Optimistas, Miúdos Saudáveis (MOMS), presente pela terceira vez neste mercado, Lídia Veludo revelou o seu agrado com os resultados do evento: “apresento sempre mais ou menos a mesma ideia – o projecto EcoEscovinha, que promove a saúde oral – e em todas as edições tenho conseguido estabelecer parcerias novas com empresas e também com outras associações”. O seu grande objectivo tem sido encontrar organizações que possam apoiar este projecto, com planos de marketing ou do ponto de vista jurídico. No entanto, a ideia passa também por encontrar entidades para as quais o incentivo a uma correcta utilização da escova de dentes seja uma mais-valia.

Adicionalmente, e depois de ter identificado a existência de “uma grande carência de cuidados ao nível da saúde oral” e reconhecendo as vantagens deste mercado, Lídia Veludo optou por trazer, pela primeira vez, a clínica Especial Dente, parceira da sua associação, em representação de ambas as organizações. Desta forma, e dada a complementaridade entre as duas entidades, a presidente da direcção da MOMS conseguiu num só evento realizar matches com instituições que necessitam do apoio da clínica, mas também com empresas que querem apoiar a associação. No total, conseguiu realizar cerca de 10 a 15 matches, cumprindo o grande objectivo de “melhorar a saúde oral das nossas pessoas”.

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Um evento onde “todos podem dar e receber”

Após a quarta edição deste evento, Natasha Von Mühlen não escondeu a sua satisfação: “nestas primeiras quatro edições formalizaram-se 451 matches entre empresas e instituições sem fins lucrativos e alcançou-se um impacto social estimado em mais de 720 mil euros, como resultado das diversas parcerias concretizadas”. A directora da Fix Social Engagement acredita que uma das chaves do sucesso deste evento é o facto de as empresas estarem “activamente empenhadas em contribuir para a comunidade” e de “as instituições sociais precisarem realmente de apoios para conseguir cumprir os seus objectivos”. Complementarmente, reforçou ainda que “cada vez mais as empresas percebem que o Marketplace é um evento bastante informal e que não implica um compromisso muito extenso, mas sim que qualquer ajuda é válida”, ou seja, “todos podem dar e receber”.

Todavia, Natasha Von Mühlen confessou também os receios que teve na primeira edição. “Os portugueses são bastante diferentes dos holandeses e eu não tinha a certeza se a parte do networking – tão importante para o Marketplace – iria funcionar”, afirmou. No entanto, verificar que “as pessoas se ‘misturam’, se apresentam e negoceiam as trocas sem vergonha e até de uma forma muito criativa” deu-lhe a motivação necessária para organizar outras edições, inclusivamente fora da capital portuguesa.

O próximo Marketplace está já agendado para o dia 16 de Dezembro, na Fundação Calouste Gulbenkian e, pela primeira vez, será exclusivo para empresas e instituições sem fins lucrativos localizadas numa só freguesia – Avenidas Novas – numa edição “personalizada” e diferente das já realizadas até então.

Para 2016, estão também confirmadas quatro novas edições deste mercado social que chegou a Portugal há cerca de um ano e que veio para ficar. Todavia, a ambição da sua “mentora” é “conseguir organizar, pelo menos, seis”, contando com a participação de mais empresas e mais instituições mas, acima de tudo, com a concretização de um maior número de matches.

Jornalista