Durante dois anos, quatro países europeus experimentaram em conjunto novos modelos de respostas sociais para a integração e empregabilidade de grupos vulneráveis. Em entrevista, Nathalie Ballan, Partner da Sair da Casca, que apoiou a implementação dos projectos-piloto criados no âmbito do Social Business in Progress, defende que as empresas sociais podem “mudar o rosto da filantropia”, isto é, da dependência do ‘subsídio’
Portugal liderou um projecto europeu inovador na área dos negócios sociais desenvolvido durante dois anos, e em conjunto, por entidades de quatro países da União Europeia: Espanha, Polónia, Portugal e Reino Unido. Concluído no final de Outubro, o Social Business in Progress permitiu às organizações parceiras experimentar novos modelos de respostas sociais que contribuíssem para a integração social e empregabilidade de pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnerabilidade. Desenvolvida no quadro do programa PROGRESS da União Europeia, a iniciativa foi coordenada pela Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC) tendo ainda por parceiros o Institut Valencià D’acció Social (IVAS), a Leonard Cheshire Disability (LCD), a Procesyinwestycyjne e a consultora Sair da Casca, que apoiou no desenho e implementação dos quatro projectos-piloto de experimentação social lançados no âmbito da mesma. Estes projectos foram monitorizados por um avaliador externo, a escola de negócios HEC Paris que, ao longo do processo, discutiu e analisou os principais constrangimentos e possibilidades de crescimento destes negócios sociais. Com o objectivo de testar a eficácia de novos modelos dentro do contexto dos diferentes países envolvidos, o Social Business in Progress apostou na disseminação das temáticas em torno da inovação social e no envolvimento das partes interessadas, com vista à criação “de sinergias essenciais à concretização dos projectos em cada um dos países”. Em entrevista, Nathalie Ballan explica a relevância da iniciativa no actual contexto, considerando que para a inovação social conseguir criar soluções viáveis e duráveis (como é apanágio da Comissão Europeia), é preciso apostar nas empresas sociais, as quais podem “ajudar a reduzir custos e tornar economicamente viáveis serviços virados para a sociedade”. Até porque o que justifica o interesse “manifestado quer pelas entidades públicas quer pelos privados” e “a visibilidade crescente” do empreendedorismo e dos negócios inclusivos, é “o aumento das necessidades sociais e a dificuldade, por parte dos Estados, em responder a estas necessidades”, conclui.
Quais são os objectivos do Social Business in Progress e qual a sua abrangência nos quatro países europeus que se associaram ao projecto, ao nível da integração social e da empregabilidade de pessoas com deficiência e em situação vulnerável? Os quatro parceiros envolvidos trabalharam em conjunto no sentido de analisar e partilhar conhecimento sobre novos modelos empresariais com retorno social, tendo sempre presente as necessidades do público-alvo (pessoas com deficiência, as suas famílias e estudantes universitários com bolsas sociais) que foi envolvido no processo, e procurando utilizar o know-how, os recursos e a rede de contactos dos parceiros no desenho da solução. Durante todo o processo manteve-se em mente o potencial de replicabilidade do projecto dentro e fora de cada país. Que balanço faz do projecto finalizado em Outubro? Que metas foram alcançadas? Este foi um projecto dividido em duas fases, a primeira de investigação, análise do contexto, envolvimento de partes interessadas e desenho da solução a ser testada na segunda fase. Os parceiros tiveram a oportunidade de assimilarem os conceitos em torno da inovação social e de disseminar esses conhecimentos adquiridos dentro e fora das suas organizações. Estabelecendo, para o futuro, as bases para novos projectos, dentro de cada uma das organizações e na rede de parceiros que estabeleceram, em que possam incluir este tipo de abordagem. Durante os dois anos de desenvolvimento do projecto, partilharam uma incubadora onde se apoiaram mutuamente não só na criação dos projectos-piloto, mas também numa aprendizagem conjunta a partir da discussão de ideias, que em muito enriqueceu o processo. Quais foram os principais obstáculos colocados ao desenvolvimento dos projectos-piloto? Como avalia a participação da Sair da Casca, focada no desenho e implementação dos quatro pilotos de experimentação social, e que factores diferenciadores destaca em cada um deles? Podemos dizer que os factores que diferenciam cada um dos projectos dependem do contexto das organizações que lhes deram origem, que têm públicos e serviços distintos e tiveram abordagens distintas no desenvolvimento do seu projecto. Em Portugal a diferenciação deveu-se ao profundo conhecimento e necessidades das famílias de pessoas com paralisia cerebral com quem a Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, que coordenou o Social Business in Progress, trabalha. Na Polónia o projecto baseou-se no core business do parceiro para encontrar um nicho de mercado para jovens estudantes que querem ter uma primeira experiência de trabalho. Em Espanha, onde um grupo de pessoas com uma doença neuromuscular criou um negócio de aplicações digitais para jovens, a mais valia foi a grande proximidade da organização com as entidades a que presta serviços e o conhecimento das suas necessidades. E no Reino Unido o parceiro procurou potenciar e adaptar um serviço de que já dispunha, o qual fornece cuidados permanentes a pessoas com dificuldades de aprendizagem. Que relevância assume, num contexto de crise marcado pelo desemprego e aumento das dificuldades entre as populações mais carenciadas, esta aposta conjunta de quatro países europeus na empregabilidade e na integração de grupos vulneráveis?
O que é novo é o interesse manifestado quer pelas entidades públicas quer pelos privados, e a visibilidade crescente do empreendedorismo social, dos negócios sociais, dos negócios inclusivos, etc. E o que está por trás deste interesse é uma simples constatação: há cada vez mais necessidades sociais e mais dificuldade, por parte dos Estados, em responder a estas necessidades. A empresa social pode ajudar a reduzir custos e tornar economicamente viáveis serviços virados para a sociedade. Pode beneficiar, por exemplo, dos “donativos” das empresas que querem mostrar a sua responsabilidade social. E isso muda o rosto da filantropia, da dependência do “subsídio” em que cada euro investido apenas tem uma vida. No caso do financiamento de negócios sociais, há uma exigência de sustentabilidade financeira, de rentabilidade e o investimento pode ser reembolsado parcialmente ou integralmente. Cada euro investido tem hipótese de ter várias vidas e pode contribuir para diminuir os custos para a colectividade. Os quatro países e as entidades que se juntaram conseguiram rever a sua forma de actuação, aceitar questionar e arriscar. Não é fácil, do lado do Terceiro Sector, pensar em termos de negócio. Também é importante perceber quais as fronteiras e qual a parte da actuação social que deve ficar na (inteira) responsabilidade pública ou que, pelo menos, não pode ter como solução o empreendedorismo social. Ou seja, este não é a solução miraculosa e ainda mais quando estamos a falar de pessoas extremamente vulneráveis. O interessante é descobrir as limitações, num contexto com tantas problemáticas, e onde estão as oportunidades, eliminando as ideias ‘giras’ ou falsas boas ideias cuja implementação não terá impacto. Fazer isso em quatro países permite quer enfrentar a panóplia das barreiras menos óbvias, quer pensar em soluções que naturalmente não teriam surgido num ou noutro contexto nacional, porque existem menos experiências, porque o quadro legal é diferente, etc. Introduz novas variáveis. O que caracteriza um projecto de experimentação social? Que impacto poderão ter estes modelos de negócios sociais na alavancagem do crescimento económico em Portugal, no actual contexto socioeconómico do País? Sobre o impacto, existem grandes expectativas a nível da UE. Hoje em dia a economia social e solidária representa 10% da economia europeia (ao nível do PIB), mais de 11 milhões de colaboradores e 6% do total de empregos. Uma empresa em cada quatro criadas na UE é uma empresa social e o rácio aumenta em países como a Finlândia, França e Bélgica (1 em cada 3). Na perspectiva do Mercado Único Europeu, e segundo a própria Direcção Geral do Mercado interno e dos Serviços, o potencial de crescimento das empresas sociais não foi explorado de forma exaustiva: estas empresas são pouco (re)conhecidas, têm dificuldades no acesso ao investimento e os reguladores não tomam especialmente em conta as suas especificidades. Estas constatações deram origem à iniciativa da União Europeia para o Social Business, lançada em 2011, que quer alavancar estas empresas cuja missão permite gerar impactos sociais ou ambientais relevantes ( a qual se integra na estratégia Europa 2020 através, nomeadamente, da criação de empregos, melhoria de serviços às pessoas e inovação em produtos e serviços ambientalmente mais eficientes). As consequências para Portugal desta nova dinâmica da economia social são difíceis de quantificar e dependem quer da vontade política, quer da acessibilidade a financiamento e ainda da qualidade da gestão destas novas empresas ou das entidades que vão orientar-se para modelos mais focados na rentabilidade económica (sem prejudicar o impacto social, até é ao contrário). Depende também do acesso ao investimento, ainda incipiente em Portugal. Estamos a falar de um investimento para projectos com alta eficiência/impacto social e dimensão. A título de exemplo, em França, entre 2008 e 2009 (últimos dados que encontrámos), a economia social registou um crescimento de 2,9% e criou mais de 60 mil empregos remunerados, numa altura em que quer o sector público quer o privado estavam com resultados negativos, a nível da criação de empregos. Como comenta as principais aprendizagens retiradas conjuntamente pelas entidades parceiras do Social Business in Progress sobre o projecto? Segundo: não é óbvio para estruturas com muito historial e experiência aceitarem estes desafios. O que aconteceu em Espanha com o parceiro do projecto é emblemático. Os membros da associação, pais dos jovens deficientes, tiveram medo de aceitar que os seus filhos fossem integrados numa empresa porque podiam perder a segurança do apoio mensal dado pelo Estado. A empresa social vai nascer, mas fora do contexto associativo, como qualquer start-up, com um líder carismático que será a figura do empresário. Na realidade, criar uma empresa social ou criar uma empresa “tout court” não é muito diferente. O que noto é que, regra geral, nestas experiências de negócio social (e esta constatação não é específica a este projecto), não se dá suficiente importância à figura do empresário, que é quem vai desenvolver e gerir o projecto. Que competências e referenciais deve ter? O processo de recrutamento de um líder deve ser tão exigente quanto na economia tradicional. E o rigor na execução e na eficiência também. Essa é a chave para convencer parceiros de negócio, clientes, investidores etc. Às vezes a convicção do “estarmos a fazer o bem” não ajuda a questionar se estamos a “fazer bem o bem”.
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Jornalista