POR MÁRIA POMBO
O activismo faz bem às crianças. Apesar de parecer um contra-senso, esta pode ser uma afirmação polémica, mesmo que sejam crescentes as vozes e os estudos que atestam a sua veracidade. Como explica um artigo, publicado recentemente na plataforma Ideas.Ted, “se queremos que as nossas crianças cresçam e se tornem adultos conscientes e comprometidos, devemos ajudá-las a fazer parte da transformação social”. No artigo, a autora – também escritora de alguns best-sellers e participante em diversas TedTalks – explica que “quando era nova, gostaria de ter aprendido conceitos como privilégio e preconceito logo desde tenra idade, ao invés de ter crescido a ser uma jovem adulta ignorante em termos de forças sociais primárias”, referindo ainda que admira significativamente os jovens de Ferguson (nos Estados Unidos) que se manifestaram, em Março deste ano, contra o uso de armas, após o assassinato de 17 estudantes e professores numa escola.
E Caroline Paul não tem dúvidas de que este é um tema controverso, explicando que uma vez recebeu uma mensagem de um utilizador do Twitter a dizer que “os pais precisam de segurar as rédeas do activismo e deixar as crianças serem crianças” e que “ensinar as crianças a serem activistas irá fazer com que estas assumam responsabilidades de adultos e deixem de rir e de ver a vida de um modo despreocupado”. A este respeito, a autora do artigo dá inúmeros exemplos de situações com as quais uma criança se pode deparar – como passar por pessoas sem-abrigo na rua, ver a família a ser evacuada de casa devido a uma catástrofe provocada pelas alterações climáticas ou lidar com situações racismo – referindo que “manter o activismo fora do alcance das crianças, prejudica-as” porque “não as prepara para a vida real”.
A autora do artigo explica ainda que “aquilo a que chamamos de justiça social, para as crianças significa apenas justiça”, sublinhando que estas “têm consciência, por exemplo, de quem recebe mais bolachas e menos elogios” e que os bebés até aos 15 meses desenvolvem a noção de equidade (mesmo que não a consigam explicar). Neste sentido, Caroline Paul acrescenta que “questões como o racismo, o sexismo ou as diferenças entre classes sociais, que são complexas, tornam-se simples para as crianças” e que, “tendo em conta que elas sentem as desigualdades, cabe-nos a nós, adultos, ajudá-las a compreender o seu significado”.
Contrariando a ideia de que se devem proteger as crianças por via da privação de determinadas situações, a autora do artigo concorda que deva existir uma dose de protecção, sim, mas defende e assegura também que os mais novos estão atentos a questões de justiça social, as quais devem ser explicadas e desmistificadas pelos adultos. E, de acordo com Caroline Paul, “incentivar as crianças a responder a determinadas questões, quer seja através de voluntariado, da participação em marchas ou de outras formas, não apenas as fortalece, como estimula o espírito despreocupado” a que se referia o comentador do Twitter.
Adicionalmente e como acrescenta, “existem muitos outros benefícios, na medida em que as crianças que praticam o activismo ganham competências sociais que são fundamentais na vida real (como o trabalho de equipa e a comunicação) ”.
Tal como temos vindo a testemunhar, e apesar de algumas acções e causas poderem ser “defendidas/apoiadas” através dos media sociais, “o activismo significa colocar grupos de seres humanos face a face”, o que implica que “a interacção seja vital”, afirma ainda. Neste sentido, alerta também para o facto de, hoje em dia, e por passarem muito tempo em frente a monitores, as crianças se estarem a transformar em “adolescentes menos sociais, menos empáticos e mais deprimidos”.
Claro que devem existir limites: por exemplo, para explicar às crianças como é que “nasceu” um determinado país, “cabe aos pais a responsabilidade de definir que pormenores devem ser contados aos filhos” e quais são aqueles que, por serem mais sangrentos e traumatizantes, devem ser omitidos. A propósito do 4 de Julho (data em que é celebrado o “nascimento” dos Estados Unidos), a autora sublinha que esta pode ser uma boa oportunidade para “educar os jovens sobre justiça social e envolvimento cívico”, assumindo-se como “uma situação win-win”, a qual beneficiará tanto as crianças como a própria democracia (que passa a ter jovens mais informados e atentos ao que os rodeia).
Activismo: uma experiência social diferente de outras formas de envolvimento cívico
Mas Caroline Paul não é a única pessoa a acreditar e a comprovar que o activismo é benéfico para as crianças. De acordo com um estudo, publicado em Janeiro deste ano no jornal Child Development, “a actividade cívica aumenta a probabilidade de as crianças se tornarem jovens e adultos mais bem-sucedidos, quer em termos académicos, quer em termos financeiros”, fortalecendo a sua relação com o meio onde vivem.
Este estudo contou com a participação de cerca de 10 mil crianças e jovens de diferentes etnias e com variados backgrounds, e conclui que as crianças que são voluntárias em alguns projectos ou que são mais activas nas suas comunidades tendem a ganhar mais interesse pelos estudos e a procurar mudanças – e melhorias – a nível social e político, independentemente do nível de educação dos pais e da situação económica do agregado familiar (que são factores que ainda condicionam largamente o sucesso e o percurso dos mais novos).
Indo ao encontro da teoria defendida por Caroline Paul, Parissa Ballard, uma das autoras deste estudo, explica que “ter oportunidades significativas de voluntariado e envolvimento cívico pode mudar a forma de pensar dos jovens, tanto no que diz respeito a si próprios como à forma como olham para o futuro”.
As manifestações ocorridas após o assassinato dos 17 estudantes e professores, nos Estados Unidos, – e especialmente a famosa “March for our lives” – são exemplo de como uma simples marcha não resolve nada nem devolve (neste caso) a vida às vítimas do tiroteio. Todavia, os autores do estudo sugerem que o envolvimento dos jovens na sociedade pode ser benéfico se os ajudar a procurar estratégias mais eficazes de combater os diversos problemas sociais, fortalecendo laços com outros jovens e acreditando nas suas capacidades. E, de facto, uma marcha não resolve nada, mas pode ajudar os líderes governamentais a tomar medidas, neste caso, no que respeita à intensificação do controlo de armas.
Todavia, e de acordo com Parissa Ballard, “o activismo é uma experiência social diferente de outras formas de envolvimento cívico”, na medida em que “ao mesmo tempo que pode ser fortalecedor e capacitante, também pode levar a experiências difíceis e stressantes”, originando algumas situações de ansiedade e frustração, já que as mudanças podem levar muito tempo a acontecer.
Para Ballard, não existem dúvidas de que a melhor estratégia dos adultos deve ser ajudar as crianças e os jovens a controlar as suas expectativas, permitindo-lhes aspirar a grandes ideias, mas ensinando-os a apreciar as pequenas vitórias. Neste sentido, a autora do estudo sublinha que “a expectativa não deve ser a mudança imediata das políticas, mas o aumento da consciência da população sobre determinado tema”, referindo que os adultos podem ajudar as crianças a sentirem que a sua acção produz efeito ao incentivarem-nas a relacionar-se com outras pessoas, a apoiar uma causa ou a integrar um projecto que já existe.
Em última instância, e de acordo com o estudo, “os adultos devem incentivar as crianças e os jovens a procurar mudanças sociais e políticas”, referindo que o envolvimento cívico os ajuda a crescer, tornando-se cidadãos mais informados, conscientes e capazes de melhorar a vida em sociedade.
Quando os jovens são um exemplo também para os adultos
Se tudo o que foi escrito até agora pode parecer mera teoria, vejamos o exemplo de algumas crianças e jovens que são a prova viva de como os mais novos podem ser cidadãos conscientes e informados, sobre temas tão variados como o uso de armas, a guerra ou as desigualdades a vários níveis.
- Emma Gonzalez é uma sobrevivente do assassinato que, em Fevereiro deste ano, tirou a vida a 17 estudantes e professores numa escola dos Estados Unidos. É também, provavelmente, uma das figuras mais marcantes do agora movimento “Marcha pelas nossas vidas” e porta-voz de um discurso comovente que correu o mundo, no qual foi feita uma homenagem às vítimas da tragédia e um pedido: que exista um maior controlo de utilização de armas.
- Malala Yousafsai é uma das mais jovens activistas conhecidas a nível mundial e a mais nova laureada com um Prémio Nobel [da Paz]. Sendo paquistanesa e tendo vivido sob ameaça e controlo dos talibãs – foi vítima de uma tentativa de assassinato – Malala começou aos 11 anos a escrever, com um pseudónimo, para a BBC, onde expunha o clima de terror no qual vivia. É activista e fundadora do Fundo Malala, uma plataforma que luta para que todas as crianças e jovens tenham direito a uma educação de qualidade.
- Foi através do rap que Sonita Alizadeh começou a denunciar os casamentos forçados entre crianças e adultos no Afeganistão. Estando, aos 16 anos, prestes a casar pela segunda vez, Sonita publicou a música “Brides for Sale” na qual contava a sua experiência de ser vendida, pela família, para casar com um homem, contra a sua vontade. A música tornou-se viral e continua a ser por via do rap que a jovem, actualmente a viver nos Estados Unidos, continua a lutar contra este flagelo.
- Já Kelvin Doe tinha apenas seis anos quando a guerra civil da Serra Leoa (o seu país) terminou. Sem formação específica em engenharia, Kelvin começou a juntar partículas e componentes electrónicas, resultantes da guerra, e começou a criar baterias e outras formas de levar energia às casas da comunidade onde vivia, permitindo que a vida fosse, aos poucos, voltando à normalidade. “Baptizado” de MacGyver da Serra Leoa, trabalha actualmente nos Estados Unidos e presta assistência a vítimas de guerra e pobreza, sendo um exemplo para os jovens do seu país. E vale a pena ver a sua TEDxTeen
Estes são apenas quatro exemplos de jovens activistas que têm tido um papel activo e útil na sociedade. Muitos outros – felizmente – poderiam ser dados.
Jornalista