“Num mundo imprevisível, precisamos de diversidade”. E essa diversidade passa por promover o mérito e capacitar economicamente as mulheres através do trabalho, defendeu no último almoço-debate da ACEGE a PwC Diversity Leader, Maria Antónia Torres, a propósito do estudo ‘As Mulheres em Portugal’, que coordenou. Na sua opinião, o futuro do mundo empresarial só se desenvolverá de forma sustentável a partir da flexibilização laboral
POR GABRIELA COSTA

“Sempre (co)existirão muitos modos de viver no feminino”

Na última Conferência da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), realizada esta 3ª Feira, em Lisboa, no âmbito do seu ciclo de almoços-debate, este ano dedicado ao tema “Conciliação Família e Trabalho”, Maria Antónia Torres, partner da PricewaterhouseCoopers Portugal e PwC Diversity Leader, defendeu a relevância do papel das mulheres na gestão, apresentando os principais resultados do estudo “Mulheres em Portugal: Onde estamos e para onde queremos ir”, realizado em parceria com a Universidade Católica Portuguesa e publicado em Março de 2015.

O documento, que reúne dados de inúmeros relatórios europeus e internacionais sobre a (des)igualdade de género no mercado de trabalho, traça um quadro da situação das mulheres em Portugal, concluindo aquilo que já é habitual nesta temática: evidencia-se uma “evolução positiva”, embora os progressos sejam “lentos” e estejamos ainda “longe de atingir uma situação de igualdade entre os géneros”.

Portugal tem uma população activa de 5,4 milhões dos quais 48% são mulheres. Dados do Eurostat, em 2013, revelam que a taxa de emprego feminina foi de 62,3%, inferior aos 68,7% registados pelo sexo masculino, mas em linha com a média dos 28, a nível europeu. Já dados recentes do INE revelam que no 3º trimestre de 2014 a população empregue portuguesa se encontrava dividida entre 51,7% de homens e 48,3% de mulheres.

[pull_quote_left]As mulheres com autonomia económica têm muito impacto na sustentabilidade dos países[/pull_quote_left]

Entre outros resultados, é ainda de sublinhar que, de acordo com o Gender Gap Report de 2014 do Fórum Económico Mundial, Portugal melhorou a sua posição e ocupa a 39ª posição num total de 142 países avaliados, tendo ocupado no ano anterior a 51ª posição em 136 países. Concretamente, e segundo um estudo de 2013 sobre a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à ocupação de postos com poder para tomadas de decisão, realizado pela APGICO, conclui-se que a média europeia de mulheres que participam em conselhos de administração executiva é de uma para cada nove homens. Com uma das mais baixas participações (7,4%), Portugal é um dos países que contribuem para baixar esta média.

Já no que toca a perspectivas de promoção, as mulheres continuam menos representadas ao nível da tomada de decisão e auferem salários mais baixos do que os homens: a 4ª edição do estudo da Informa D&B, “Presença feminina nas empresas em Portugal”, referente a Março de 2014, revela que a diferença era nessa altura de 12,6%, em Portugal e 16,4% para a UE (a 27 Estados-Membros). Ainda assim, entre 2011 e 2013, o número de mulheres a desempenhar cargos de gestão e liderança subiu de 31,9% para 32,9% e de 22,9% para 27,8%, respectivamente.

O mesmo relatório indica que 58,3% das empresas têm, pelo menos, uma mulher na sua equipa de gestão e 90% têm, pelo menos, um homem. Em termos de tipos de equipas de gestão, 48,3% das empresas têm equipas de gestão mistas, 41,5% têm equipas de gestão exclusivamente masculinas e apenas 10,2% têm equipas de gestão exclusivamente femininas. A Informa D&B conclui ainda que quanto maior é a dimensão da empresa, menor é o número de mulheres em cargos de gestão.

Quanto ao trabalho a tempo parcial, dados do Eurostat referentes à União Europeia demonstram que o volume de trabalhadores em idade activa, e cujo emprego principal se caracteriza por este regime sofreu um aumento de 16%, em 2003, para 19,6%, em 2013. Em Portugal, a sua adopção é inferior à média europeia, embora as taxas tenham crescido de 8,1%, em 2000 para 11,1%, em 2013. As mulheres são quem mais trabalha a tempo parcial (14% em 2013).

Maria Antónia Torres, Partner da PwC Portugal e PwC Diversity Leader
Maria Antónia Torres, Partner da PwC Portugal e PwC Diversity Leader

Finalmente, é de sublinhar o ‘eterno’ e flagrante gap salarial entre homens e mulheres: Na União Europeia, de acordo com os dados revelados pela Comissão Europeia em 2014, e relativos a 2012, as mulheres recebiam remunerações, em média, 16,4% inferiores aos homens. No caso português, a desigualdade a este nível vem assinalando sucessivos aumentos nos últimos anos. Em 2008, o país registou uma diferença salarial entre homens e mulheres de 9,2%, percentagem que atingiu os 15,7%, em 2012.

[pull_quote_left]Perante dois candidatos excelentes no momento da contratação, as empresas têm a responsabilidade corporativa de contratar a mulher que tem filhos[/pull_quote_left]

A análise da PwC apresenta ainda estudos de caso, a partir de experiências contadas na primeira pessoa, que permitiram constatar que as mulheres menos qualificadas vêem a profissão como “uma fonte de rendimento essencial à subsistência” e assumem, quase na íntegra, as tarefas domésticas, ao passo que as mais qualificadas associam à sua carreira “sentimentos de realização, ambição e entusiasmo”. De sublinhar que a percepção da desigualdade é óbvia para estas últimas, enquanto as profissionais com poucos estudos e empregos pouco qualificados chegam a encarar estas situações como “normais” ou “naturais”.

Diversidade de género melhora resolução de dilemas empresariais

Na opinião da coordenadora do estudo da PwC, a “abertura” com que as próprias mulheres – “e não os homens” – encaram esta temática é o primeiro “factor crítico” ao nível da diversidade de género. Confessando que nunca sentiu constrangimentos na sua carreira por ser mulher, “excepto na passagem ao topo da hierarquia”, ao tornar-se sócia da consultora, Maria Antónia Torres defende que “este é um tema de talento” e “de negócio, quando queremos captar os melhores, e ter ‘cabeças’ diferentes” [na organização].

Isso mesmo comprovam inúmeros estudos internacionais dedicados aos modelos de liderança na gestão, que ditam que num “mundo imprevisível, precisamos de diversidade” – de género, etnia, cultural ou social – na contratação dos colaboradores, pois é esta que produz “soluções diferentes” na resolução dos dilemas empresariais. Dito isto, “se os melhores forem mulheres, queremos as mulheres”, defende a especialista.

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Outro factor crítico para a paridade de géneros é o económico. O “impacto positivo de ter mais mulheres no mercado de trabalho” traduz-se, por exemplo, num crescimento do PIB na ordem dos 30% na África Subsariana, e de 5% nos EUA, sublinha Maria Antónia Torres. Outro ainda diz respeito ao crescimento sustentável. Neste aspecto, a explicação de base é simples, na perspectiva da responsável de Diversidade na PwC: “as mulheres fazem uma alocação dos rendimentos diferente da dos homens. Dirigem-nos sobretudo para o agregado (em termos de nutrição, saúde, educação), enquanto os homens os dirigem para as suas despesas pessoais”.

[pull_quote_left]Tal como os Milennials em geral, a próxima geração de mulheres procura “mobilidade, diversidade, e um sentido de propósito para o trabalho”[/pull_quote_left]

E portanto, num contexto mais amplo e mesmo sem considerar as profissionais que chegaram aos boards, “as mulheres com autonomia económica têm muito impacto na sustentabilidade dos países”, conclui. Impacto esse que, relativamente a pessoas “educadas e com uma mentalidade aberta para o mundo” é “inevitável no futuro”, como reconhece a estratégia Europa 2020, que quer “fomentar o papel das mulheres no mercado de trabalho”, sublinha.

A meta da União Europeia de conter o desemprego entre a população activa (com idades entre os 20 e os 64 anos) a 25% só será, pois, possível “com a entrada das mulheres no mercado de trabalho”. Felizmente “somos muitas”, defende Maria Antónia Torres. E são muitas também as medidas sobre igualdade de género, nos vários domínios, do programa europeu, congratula-se.

Nesta matéria, e segundo o Gender Gap Report de 2014, Portugal ocupa a 39ª posição entre 142 países, abaixo dos mais igualitários – países nórdicos como a Islândia, a Finlândia, a Noruega, a Suécia e Dinamarca -, mas bem acima daqueles onde as diferenças entre homens e mulheres são ainda muito acentuadas – Itália (69º), Brasil (71º) ou Grécia (91º).

Salários das mulheres diminuíram significativamente com crise

Quanto à realidade nacional, a partner da PwC considera que Portugal é ainda “um país a dois ritmos”, no que respeita à participação das mulheres na sociedade e no mundo do trabalho – com mulheres com educação superior, mais qualificações, sem dificuldades económicas e que conseguem conciliar a realização profissional com a atenção aos filhos, porque recebem ajuda exterior ou da família; e mulheres com poucos estudos e menos qualificadas, com trabalhos mal remunerados e que não recebem qualquer apoio -, por razões pouco explícitas e que em muito ultrapassam “a retenção do talento” no mercado laboral.

18022016_Ofuturo3Historicamente somos um dos países europeus onde as mulheres entraram mais cedo no mercado de trabalho (na década de 60, graças à partida de milhares de homens para a guerra colonial), e nas últimas décadas o equilíbrio entre o número de trabalhadores de cada um dos géneros tendeu a melhorar, à excepção destes últimos anos de crise, em que ao aumento generalizado do desemprego em Portugal correspondeu um decréscimo “significativo” no valor dos salários das mulheres, alerta.

Não obstante os muitos anos de emprego ‘no feminino’, actualmente “existe ainda segregação ocupacional” (isto é, concentração de trabalhadores do sexo masculino e feminino em diferentes tipos de funções, ou em diferentes níveis da empresa) no mercado de trabalho nacional. Se a nível europeu, em média, em cada dez executivos com cargos no Conselho de Administração apenas um é mulher, por cá “a presença de presidentes femininas nos boards conta-se pelos dedos”, acusa a especialista.

Por outro lado, “o gap salarial entre géneros tem reduzido na UE, mas em Portugal disparou para mais de 15%”. Aparentemente porque numa “situação de crise extrema”, com os dois elementos do casal desempregados, “é típico ser a mulher a assumir a dianteira, com trabalhos de baixo valor remuneratório, em qualquer função”, explica.

Para Maria Antónia Torres, uma das soluções mais eficazes para contornar os muitos obstáculos que se colocam às mulheres no mundo do trabalho – da dificuldade em assumirem cargos de liderança e decisão, às diferenças salariais ou à segregação por sector de actividade – encontra-se em capacitar com conhecimento e economicamente as mulheres através do trabalho, isto é, “promover o seu mérito” e pô-las “a ganhar melhores salários”.

Esse papel cabe às empresas e, particularmente, aos empresários e gestores católicos que, tendo dois candidatos excelentes no momento da contratação, “têm a responsabilidade corporativa de contratar a mulher que tem filhos em casa”. Na sua opinião, deste modelo de negócio, que requer autoconhecimento dentro de cada organização, resulta “o crescimento sustentável” de um país.

Novas gerações exigem flexibilização

Ora, o futuro do mundo empresarial só se desenvolverá de forma sustentável a partir da flexibilização laboral, defende a especialista, a qual permite encontrar soluções que promovem o equilíbrio entre a vida pessoal e familiar e o trabalho, incluindo para os pais do sexo masculino.

Até porque a alternativa do emprego a tempo parcial surge em Portugal como uma solução “de difícil implementação, para a qual não existem políticas” públicas, e que não é, ainda, e ao contrário do que sucede em muitos países do Norte da Europa, ”muito bem vista”. Mesmo vindo a crescer nos últimos anos, esta opção é facilmente preterida pelas trabalhadoras do sexo feminino (continuando “muito abaixo” da média europeia), por precisarem de um vencimento a tempo inteiro e por temerem colocar a sua carreira em risco. E, perspectiva Maria Antónia Torres, “nas próximas duas décadas não deveremos ter condições económicas para o crescimento do trabalho parcial”.

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Em conclusão, daquilo a que a PwC chama neste estudo “conciliação entre trabalho produtivo e reprodutivo” – entenda-se o segundo como as tarefas domésticas, como cuidar dos filhos, cozinhar ou limpar, para as quais os homens portugueses despendem, em média, cerca de menos de um terço do tempo que as mulheres (96 minutos/dia versus 328 minutos/dia) -, depende uma questão primordial, e muito preocupante: o crescimento dos índices de natalidade em Portugal, que requerem apoios, quer a nível familiar, quer por parte das empresas “que podem tomar uma série de medidas” nesse sentido.

Neste contexto, insiste a partner da consultora, “seria bom que as organizações começassem já a pensar em soluções de maior flexibilidade”, indo ao encontro do que já é prática em muitos outros países desenvolvidos, onde “as pessoas estão no escritório quando têm que estar e não estão quando não é preciso”. Porque “para muitas funções não precisam de lá estar”. No Reino Unido, por exemplo, “já nem os gestores têm um escritório permanente”, adianta.

Para Maria Antónia Torres, “o futuro dos negócios está na flexibilidade”. Por isso, é fundamental discutir estes temas internamente, nas empresas, e definir role models, apela. Pois, como antevê na mensagem final do estudo “Mulheres em Portugal: Onde estamos e para onde queremos ir”, na próxima década espera-se que mais de mil milhões de mulheres iniciem a sua vida profissional. Como explica a responsável de Diversidade na PwC, trata-se de mulheres “mais confiantes e mais decididas a chegar a lugares de topo” que, tal como os chamados Milennials em geral, procuram no seu empregador “mobilidade, diversidade, comportamentos inclusivos e um sentido de propósito para o trabalho do dia a dia”.

Este é, pois, o grande desafio para as organizações porque, “se é de talento que falamos, o impacto pode revelar-se muito grande”: é que, como conclui a especialista, num mundo complexo e em constante evolução, “não conseguir captar aqueles que são os melhores para o desenvolvimento da sua actividade coloca em causa a própria sustentabilidade de uma organização”.


Aspirar ao talento feminino nas organizações

Como destaca o estudo da PwC Portugal, a nova estratégia da União Europeia para o emprego e crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, Europa 2020, deverá ajudar os Estados-Membros e a União Europeia a alcançarem “maiores níveis de competitividade, produtividade, crescimento, coesão social e a muito almejada convergência económica”. Esta estratégia tem como grande objectivo procurar elevar para 75% a taxa de emprego das mulheres e dos homens com idades compreendidas entre os 20 e os 64 anos, o que significa que a sua implementação implica dar “maior prioridade ao combate dos obstáculos à participação das mulheres no mercado de trabalho”.

Reforçando o seu compromisso com a igualdade entre homens e mulheres, a Comissão Europeia adoptou em 2010 a Carta das Mulheres, numa declaração política que destaca cinco domínios essenciais de acção:

  1. A igualdade no mercado de trabalho e igual independência económica para as mulheres e os homens, nomeadamente através da estratégia Europa 2020;
  2. O princípio ‘a trabalho igual, salário igual’, em cooperação com os Estados Membros, para reduzir significativamente as disparidades salariais entre homens e mulheres, nos próximos cinco anos;
  3. A igualdade no processo de tomada de decisão, através de medidas de incentivo da UE;
  4. A dignidade, integridade e o fim da violência baseada no género, através de um quadro de acção específico;
  5. A igualdade entre homens e mulheres para além da UE mediante a abordagem da questão nas relações externas e com organizações internacionais.

No prefácio do estudo, o presidente da PwC Portugal, José Alves, sublinha que o tema da diversidade de género, nomeadamente “ao nível da liderança das organizações e do mundo das decisões empresariais”, tem estado cada vez mais, e felizmente, no centro do debate, na agenda internacional, merecendo o suporte da proposta de Directiva Europeia sobre esta matéria, e originando em muitos países legislação que visa promover essa mesma diversidade.

Perante a proposta da Comissão Europeia, cuja meta, ao nível das grandes empresas, é atingir 40% de presença do sexo feminino nos cargos de administradores não-executivos nas empresas cotadas em Bolsa (contra os actuais 15%) Portugal está longe de alcançar “uma participação das mulheres ao nível dos órgãos de decisão que reflicta essa realidade”, lamenta: apesar de a maioria dos licenciados serem mulheres, em Portugal há apenas cerca de 9,7% de mulheres nos conselhos de administração das principais empresas privadas, e as que ocupam cargos de administração nas empresas do PSI-20 representam só 5% do total.

No âmbito da sua estratégia de promoção da Diversidade, a PwC “entende que deve ter um papel relevante” nesta matéria, que constitui “uma questão de sustentabilidade social e de talento”. Também para o presidente da consultora “num mundo cada vez mais complexo, as decisões precisam de ser abrangentes, criativas, proactivas e para isso precisamos da diversidade de perspectivas e de garantir que temos os melhores em posições de decisão”. Neste contexto a PwC lançou em 2014 o programa “Aspire to Lead” que, já na sua terceira edição, aspira à igualdade de géneros, inspirando a boas práticas de liderança na gestão.


Jornalista