A solução do problema “pobreza”tem de ser construída unindo esforços de vários parceiros, do setor público, privado e social, identificando sinergias e respeitando o papel e responsabilidade de cada um. Foi precisamente a pensar no impacto de uma solução integrada que é agora lançado o programa SEMÁFORO, um instrumento que permite unificar esforços no combate à pobreza de forma eficaz. Porque uma sociedade desenvolvida reconhece que o problema da pobreza é da responsabilidade de todos
POR PATRÍCIA ROCHA

Segundo o Observatório da Economia Social em Portugal, acomodando as diferentes abordagens e pontos de vista atualmente conviventes na sociedade portuguesa sobre este tema, a economia social é composta por organizações que disponibilizam bens e serviços capazes de satisfazer as necessidades sentidas pelos indivíduos a que se destinam, independentemente da sua rentabilidade económica intrínseca, procurando que essa disponibilização seja efetuada, otimizando a relação qualidade/ preço da mesma.

Como característica comum, estas organizações fomentam e consideram a participação de todas as suas partes interessadas no processo de decisão organizacional, principalmente no que respeita ao acompanhamento da evolução das necessidades sociais vigentes e à sua eficaz satisfação. São organizações que, ainda que com missões, atividades, dimensões ou até modelos de gestão diferentes, convergem na preocupação com o individuo na sua dimensão social e que, por isso mesmo, se debruçam sobre os temas que originam ou resultam de situações de pobreza.

Com um propósito social, operam diretamente no terreno, desenvolvendo, em conjunto com aqueles que servem não só soluções imediatas de melhoria de qualidade de vida, mas principalmente mudanças estruturais com o objetivo de pôr fim ao ciclo de pobreza em que muitos dos agregados familiares apoiados se encontram.

Enquanto realidade, pautada por princípios e valores de atuação na satisfação das necessidades sociais dos seus indivíduos, a economia social remonta ao reinado de D. Dinis. Apesar das alterações e ajustes no conceito decorrentes do correr da história, a economia social sempre foi responsável pela proteção social de indivíduos em situação de vulnerabilidade.

As organizações que a compõem trabalham com e para a população que, por questões estruturais ou conjunturais, se encontram em situações de elevada fragilidade social. É com o seu eficaz trabalho em rede que se tornam numa das principais armas no combate aos problemas sociais, aliadas a um Estado Social que se quer cada vez mais eficaz.

Idosos e crianças em situação de vulnerabilidade, pessoas com deficiência, pessoas em situação de sem abrigo, pessoas com doença mental, pessoas em situação de pobreza, são exemplos de populações alvo que dependem das organizações da economia social para (re)fazer a sua vida. Um dos maiores desafios sociais atuais, agravado pela situação de pandemia em que vivemos, a que estas organizações dão resposta é a pobreza, nas suas várias vertentes.

Falar de pobreza é falar de escassez em várias dimensões. De acordo com (Pereira, 2010a, p. 23), referenciado no estudo Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a pobreza pode ser identificada «como uma situação em que não são satisfeitas determinadas necessidades, ou em que não é realizado um nível de vida mínimo aceitável, por carência de recursos». Se na sua base devem ser considerados problemas ligados ao rendimento dos indivíduos ou agregados familiares, uma análise completa não se deve limitar a esta dimensão.

Efetivamente a insuficiência de recursos económicos, mesmo após as transferências sociais, origina privação material a vários níveis, o que por si só contribui para a perpetuação do ciclo de pobreza no agregado familiar. A privação alimentar ou de condições habitacionais condignas limita a capacidade do individuo ou família de lutar contra a situação de privação em que se encontra, condicionando a situação das gerações futuras. Efetivamente, conjugado com o problema do rendimento insuficiente e das suas consequências diretas e imediatas, poderão estar outros fatores que agravam o primeiro.

Agregados familiares com várias crianças (em 2018 a taxa de risco de pobreza em agregados familiares com crianças era de mais 2,1 p.p. face a agregados sem crianças), problemas de saúde, habitação ou educação, podem transformar problemas de pobreza conjuntural e de curto prazo em problemas a longo prazo de complexa resolução.

Segundo o mesmo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os três D da pobreza catalisadores do agravamento da situação são o Desemprego, o Divórcio e a Doença. São principalmente importantes porque não podendo ser prevenidos exigem uma resposta quase imediata que evite o agravamento da crise. Nestes contextos, a intervenção rápida só é possível com uma rede de referenciação eficaz e dinâmica que envolva todo o ecossistema social na procura de uma solução integrada. Trabalhar a pobreza é trabalhar as suas várias componentes em simultâneo já que a sua interligação permite que a melhoria de uma potencie a recuperação de outra.

Em 2020 a taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais situava-se nos 43,5% (contra 37% em 1994). Apesar de, após todas as transferências sociais, o valor ajustar para 18,4%, o ano de 2020 regista o valor mais alto dos últimos 5 anos. O diferencial entra as taxas ilustra o peso e relevância que o Estado Social tem no combate à pobreza, mas mostra também que isoladamente não conseguirá ganhar a batalha.

A solução do problema tem de ser construída unindo esforços de vários parceiros, do setor público, privado e social, identificando sinergias e respeitando o papel e responsabilidade de cada um. Foi precisamente a pensar no impacto de uma solução integrada que a ACEGE lança o programa SEMÁFORO, um instrumento que permite unificar esforços no combate à pobreza de forma eficaz. Porque uma sociedade desenvolvida reconhece que o problema da pobreza é da responsabilidade de todos. Apesar de serem as organizações sociais as entidades que conhecem o individuo e o seu agregado familiar, que o acompanham e com ele constroem um plano de vida transformador capaz de o fazer sair do estado de pobreza onde se encontra, a resposta à pobreza deve de ser em rede e concertada, mais humana e menos política, mais humilde e menos preconceituosa.

Esforços individuais e desalinhados resultam em desperdícios e ineficiências a que o país não se pode dar ao luxo de ter, se quer resolver ou atenuar este problema.

Patrícia Rocha

É Responsável da Rede de Respostas Sociais do programa SEMÁFORO e directora executiva da Fundação Manuel Violante