A Segunda Guerra Mundial é tema frequente na divulgação histórica: filmes, livros e documentários aparecem com regularidade, e uma das películas mais comentadas deste Verão foi Oppenheimer. Muito sabemos em Portugal sobre a terrível guerra e sobre as décadas seguintes em todo o mundo. A situação que levou o Japão ao conflito, ao ataque a Pearl Harbor, é muito menos abordada. Propomo-nos uma revisão da literatura sobre as décadas que antecederam os infames ataques atómicos
POR PEDRO COTRIM

Na perspectiva dos japoneses da década de trinta, o sudeste asiático era uma zona com abundante riqueza natural, mas com lacunas no desenvolvimento; o Japão deveria então dar uma ajuda para o bom uso dos recursos. Nas ruas repetiam-se estas palavras: urgia uma espécie de ‘missão civilizadora’ nos demais países da Ásia.

Os estudantes deixaram-se contaminar pelo militarismo. Este discurso ecoa o que foi proferido pelo primeiro-ministro, Konoe Fuminaro, em Novembro de 1938: «O Japão procura estabelecer uma nova ordem que visa alcançar a coesão económica em todo o Leste Asiático. É esta a forma de contribuir para a estabilização e o progresso de toda a região». Na realidade, esta coesão económica consistiu na formação, em cerca de dez anos, de um império colonial de mais de 8 milhões de km². Fazendo as contas, dá Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália, Polónia, Ucrânia, Áustria, Suíça, Suécia e Reino Unido – todos estes países vezes dois.

Como surgiu este apetite de conquista? No começo do século XX, o país já detinha colónias. Em 1895, a Primeira Guerra Sino-Japonesa permitiu ao Japão anexar a Formosa. Depois da vitória sobre a Rússia, em 1905, conquistou a Coreia em 1910 e exerceu a sua influência na região chinesa da Manchúria, graças à exploração de uma linha férrea que atravessava a província.

A South Manchurian Railway Company, financiada pelo Estado e por capital privado, tornou-se então no principal agente da presença japonesa. E diversificou rapidamente a sua actividade: abertura de minas de carvão e ferro e altos-fornos para a produção de aço, criação de oficinas de fabrico de comboios, construção de novas cidades e diversos outros projectos industriais. Para garantir esta concessão, o Japão enviou soldados para a zona – o exército Kwantung. O país tinha efectivamente uma presença industrial, comercial e militar numa grande parte da Ásia oriental.

O Japão mantinha relações comerciais com o Ocidente desde o final do século XIX. Na década de 1870, no início da era Meiji, o império saiu do seu isolamento e modernizou-se, designadamente por meio da indústria têxtil. O país importava algodão da Ásia e máquinas do Ocidente.

Passou seguidamente a produzir produtos têxteis fabricados localmente. Ao aumentar os rendimentos (quase duplicados entre 1880 e 1914), os produtores locais substituíram os importadores e tornaram-se exportadores: a partir do final do século XIX, o Japão exportou mais têxteis do que importou. Este equilíbrio favorável tornou possível a aplicação do modelo a outros sectores industriais.

Na década de 1930 analisou-se esta transformação. As curvas de importação, exportação e produção variam ao longo do tempo. Contudo, para continuar o seu desenvolvimento, o Japão precisava de matérias-primas e de saídas comerciais.

Com a crise económica da década de 1930, o comércio com o Ocidente entrou em colapso. Desenvolveu-se então a ideia de uma espécie de federação pan-asiática da qual o Japão seria o motor central. A ideia de uma Ásia única era poderosa. Podia sentir-se que os povos do continente asiático tinham uma espécie de «atração pelo universal», ao contrário dos ocidentais, que se interessavam pelo particular e pelos pequenos estados. Na década de 1930, este argumento foi usado para justificar uma política de conquista. O Japão atentou primeiro à Manchúria, onde a produção industrial crescia entre 10% e 20% ao ano.

O estado insular queria mais e aumentar o seu domínio sobre a região. O seu exército aplicou um plano maquiavélico para atingir os objectivos: os oficiais estacionados na região fizeram explodir parte da estrutura de linhas férreas pertencentes à South Manchurian Railway Company em 18 de Setembro de 1931, acusando depois a China de o fazer.

Foi o pretexto ideal para precipitar a invasão da região. Em três meses, a Manchúria foi conquistada. Centenas de milhares de civis do arquipélago são encorajados a ali se estabelecerem para fazerem o Império prosperar. «Apesar de os complexos industriais japoneses e os círculos financeiros não terem começado a guerra por iniciativa própria, aplaudiram e não demoraram a colher enormes lucros com ela», explicou o historiador Saburō Ienaga ao abordar a guerra no Pacífico.

Em Julho de 1937, após tumulto entre soldados chineses e japoneses – o incidente da Ponte Marco Polo – as tropas do exército japonês avançaram sobre Pequim. A totalidade da China ficava ameaçada pelo Japão. O Exército Nacional Revolucionário posicionou-se contra os invasores, sendo derrotado em 9 de Agosto em Xangai. A China verga-se, mas não se rende. A guerra torna-se cada vez mais mortal e há relatos de uma violência impressionante.

O cúmulo da repressão japonesa foi o massacre de Nanjing, entre Dezembro de 1937 e Fevereiro de 1938. Terão morrido perto de 200 000 civis chineses. Mas na fronteira norte, o poder militar soviético ameaçava. E em 1939 surge um golpe duro contra os nipónicos: a Alemanha e a URSS assinaram um pacto de não agressão. O império sabe que não pode contar com nenhuma ajuda alemã contra os russos. Como resultado, redobra as suas visões expansionistas em relação ao sudeste asiático.

Matsuoka Yosuke, Ministro das Relações Exteriores, evocou em 1940 a «Esfera de Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental». A sua missão: libertar os povos asiáticos do jugo colonial do Ocidente.

Na Europa, entretanto, a França e soçobra e o Reino Unido luta pela vida: é o momento certo para deitar a mão às colónias britânicas. Em Julho de 1941, tropas japonesas instalam-se no sul da Indochina. Em 1942 conquistam Singapura, a Indonésia, a Birmânia, as Filipinas e a Tailândia.

É organizado um autêntico saque. Arroz, borracha, metais, carvão, petróleo, chá ou café são requisitados sem qualquer compensação aos países ocupados. No Japão, chega-se a dizer que «o rato comeu o elefante», em referência à imensidão dos territórios conquistados pelo exército do pequeno arquipélago. A força de trabalho dos países subjugados é grandemente explorada.

Os EUA mantêm-se fora da guerra até ao dia 7 de Dezembro de 1941. O ataque a Pearl Harbor pôs as forças americanas ao lado das dos antigos colonos. 

Mas em Junho de 1942, os japoneses foram derrotados pelos americanos no atol de Midway. Uma parada no avanço japonês no Pacífico.  

Por que razão ocorreu esta ofensiva surpresa? Porque os Estados Unidos se opõem ao expansionismo japonês por meio de sanções económicas, com o embargo total e o congelamento dos capitais japoneses em Julho de 1941, mas também ajudando militarmente a China.

O objetivo japonês é neutralizar a frota americana para impedi-la de intervir no Pacífico. Aposta perdida. Durante 1943, os americanos se revezaram nos postos de abastecimento inimigos no Pacífico. Após quase quatro anos de uma guerra assassina (e duas bombas atómicas lançadas sobre o Japão), a capitulação ocorreu no dia 2 de Setembro de 1945. Foi o fim das suas ambições expansionistas. E do que sucedeu depois todos temos noção.

O filme de Nolan é magnífico. O cineasta optou por não retratar os ataques atómicos ao Japão. Já foram tema de filmes, documentários e de toda a sorte de documentos. Sabemos bem o que se passou; ou antes, não sabemos bem, mas temos a certeza de que nunca mais queremos ver uma coisa assim.