Num local de trabalho em rápida evolução, impulsionado pela automação, IA e transformação digital contínua, muitos trabalhadores enfrentam uma preocupação crescente: o medo de ficarem obsoletos ou, na sigla em inglês, o denominado FOBO – Fear Of Being Obsolete. A ansiedade de ficar para trás ou de perder relevância na carreira pode levar ao stress, ao desinteresse e à redução da produtividade. À medida que as indústrias mudam e as novas competências se tornam essenciais, as empresas têm de reconhecer o FOBO como um verdadeiro desafio e tomar medidas proactivas para minimizar a insegurança dos colaboradores
POR HELENA OLIVEIRA
Numa era de rápidos avanços tecnológicos, automação e transformação impulsionada pela IA, um novo tipo de medo está a dominar os profissionais de quase todos os sectores: o medo de ficar obsoleto [FOBO, na sigla em inglês, para Fearing Of Being Obsolete]. Ao contrário do seu “parente” FOMO (Fear Of Missing Out), que é motivado pela comparação social, o FOBO tem a ver com irrelevância: a ansiedade crescente de que as nossas competências, conhecimentos ou mesmo carreiras inteiras possam ficar desactualizadas em breve.
Com as ferramentas de IA a automatizarem as tarefas, os sectores a evoluírem a uma velocidade vertiginosa e a necessidade de uma actualização contínua das competências a tornar-se a norma, o FOBO já não é uma preocupação abstracta, mas uma preocupação generalizada, afectando funcionários, líderes empresariais e até profissões inteiras. E é também uma realidade que molda a cultura do local de trabalho e o bem-estar pessoal. Mas será que este receio se justifica? E, mais importante ainda, como podem os profissionais e as empresas ultrapassá-lo num mundo que não pára de mudar?
O conceito de medo de ficar obsoleto (FOBO) evoluiu significativamente ao longo dos anos, reflectindo mudanças sociais mais amplas e avanços tecnológicos. Historicamente, as sociedades passaram por mudanças transformadoras, como a transição das economias agrárias para as economias industriais, em que o ritmo da mudança foi relativamente gradual. Esta evolução permitiu que os indivíduos se adaptassem ao longo das gerações, promovendo um sentimento de estabilidade e continuidade nas suas competências e profissões.
Entretanto, o surgimento das tecnologias digitais e da Internet tem vindo a provocar uma profunda transformação na forma como os indivíduos percepcionam o seu papel na força de trabalho. Num mundo altamente conectado, a visibilidade dos colegas e das suas realizações pode exacerbar sentimentos de inadequação, contribuindo para uma cultura de comparação que alimenta também o já enunciado FOMO. A investigação demonstrou que as plataformas de social media podem amplificar estes receios, uma vez que os indivíduos comparam constantemente as suas vidas e sucessos com as representações, mesmo que não legítimas, dos outros.
Além disso, as teorias psicológicas relacionadas com a comparação social e a necessidade de pertença fornecem um quadro para compreender este outro fenómeno dos nossos dias, na medida em que os indivíduos avaliam o seu próprio valor comparando-se com os outros, o que pode intensificar os sentimentos de obsolescência em ambientes de ritmo acelerado.
Este fenómeno é particularmente pronunciado em contextos profissionais, onde a busca incessante de competências e conhecimentos se traduz frequentemente no medo de não acompanhar os colegas, aprofundando ainda mais o impacto psicológico do FOMO e do FOBO.
Compreender o medo de nos tornarmos obsoletos
O FOBO pode ser traduzido pelo receio de que as competências ou a relevância profissional de uma pessoa diminuam devido às rápidas mudanças tecnológicas e sociais. Esta preocupação está a aumentar à medida que a automação impulsionada pela IA e a disrupção da indústria se aceleram. De acordo com o mais recente “Future of Jobs Report” publicado pelo Fórum Económico Mundial em 2025 (e sobre o qual o VER escreveu), em média, 39% das competências actuais serão obsoletas no período 2025-2030, sendo a requalificação profissional cada vez mais necessária.
Por outro lado e para além da automação, a ascensão de profissionais mais jovens e nativos da tecnologia também está a alimentar o FOBO entre os trabalhadores que estão a meio da sua carreira, bem como entre os seniores. Um relatório do LinkedIn sobre a aprendizagem no local de trabalho concluiu que os trabalhadores com mais de 40 anos se sentem significativamente menos confiantes na sua capacidade de adaptação às novas tecnologias do que os colegas mais jovens. Esta divisão geracional cria uma pressão adicional, pois os profissionais experientes temem perder relevância em favor de contratações mais jovens e digitalmente mais fluentes.
Ao contrário da insegurança profissional tradicional, o fenómeno FOBO não se trata apenas de medo de perder o emprego, mas também de se perder a identidade e o valor profissional.
Adicionalmente, o FOBO não é apenas um problema profissional, podendo ter graves consequências para a saúde mental. De acordo com a American Psychological Association, o medo constante da obsolescência pode levar ao stress crónico, ao esgotamento e à síndrome do impostor, afectando o desempenho profissional e o bem-estar geral.
Outros estudos salientam ainda que este tipo de insegurança no emprego reduz significativamente a produtividade, uma vez que os trabalhadores passam mais tempo preocupados com o seu futuro do que concentrados no crescimento. Em casos extremos, os profissionais que sofrem de FOBO podem desenvolver uma paralisia na carreira, evitando a melhoria das competências necessárias por receio de que os seus esforços sejam inúteis. Ou seja, e ironicamente, o próprio FOBO pode acelerar a obsolescência, ou seja, aqueles que se deixam controlar pelo medo são os mais susceptíveis de ficar para trás.
Em particular, o ritmo acelerado da tecnologia no geral e, mais recentemente, da IA, conduziu a uma ansiedade acrescida em relação à relevância pessoal e profissional, o que resume a essência do FOBO. Consequentemente, os indivíduos debatem-se cada vez mais com sentimentos de inadequação e obsolescência, uma vez que são bombardeados por um fluxo constante de inovação e mudança que, muitas vezes, os faz sentir que estão a ser deixados para trás. A pressão para melhorar constantemente as competências pode levar ao esgotamento mental, especialmente quando as curvas de aprendizagem são acentuadas. Muitos profissionais lutam para equilibrar as exigências do trabalho actual com a necessidade de formação contínua. Por outro lado, o FOBO pode fazer com que os indivíduos sintam que as suas carreiras têm uma data de validade, levando a uma falta de confiança a longo prazo no seu futuro profissional.
De um modo geral, e enquanto fenómeno psicológico, o FOBO é o receio de que as competências, o emprego ou a relevância de uma pessoa no local de trabalho diminuam devido às rápidas mudanças tecnológicas e sociais, sendo particularmente impulsionado pelos seguintes factores:
IA e Automação – À medida que o ChatGPT, o Bard (entre outros) e a automação orientada por IA substituem ou melhoram as tarefas, os trabalhadores temem perder o seu valor ou serem substituídos pelas máquinas.
Perturbação da indústria – Sectores como as finanças, os cuidados de saúde e os meios de comunicação social estão a ser transformados pela tecnologia, tornando as competências tradicionais menos relevantes.
Pressões geracionais – Os profissionais mais jovens e experientes em tecnologia entram na força de trabalho já fluentes em ferramentas digitais, fazendo com que os trabalhadores experientes temam estar a ficar para trás.
Exigências de aprendizagem ao longo da vida – A pressão para melhorar constantemente as competências cria ansiedade, especialmente para aqueles que lutam com a mudança.
Como enfrentar este medo: estratégias para evitar a obsolescência
Uma das estratégias mais eficazes para evitar sofrer dos receios de nos tornarmos substituíveis reside em abraçar a aprendizagem ao longo da vida e a actualização de competências. Ou seja, em vez de se encarar a mudança como uma ameaça, os profissionais devem olhar para a aprendizagem contínua como uma vantagem competitiva. A inscrição em cursos online, certificações e programas de formação pode ajudar os trabalhadores a manterem-se à frente das tendências do sector. A título de exemplo, o LinkedIn Workplace Learning Report (2023) concluiu que os funcionários que investem no seu desenvolvimento profissional têm 47% mais de oportunidades de avançar nas suas carreiras.
Demonstrar a capacidade de aprender coisas novas é um dos sinais mais fortes que pode enviar ao mundo sobre a sua relevância. Além disso, mantém a confiança na sua capacidade de se adaptar às condições de mudança, independentemente da fase da sua carreira. Assim, e em vez de ver a mudança iminente como uma ameaça à sua relevância, pergunte a si próprio: “O que é que esta incerteza me pode estar a convidar a aprender?” Embora os humanos não sejam fãs naturais da incerteza, a verdade é que a mesma também cria oportunidades. Ou seja, aqueles que encaram a disrupção como uma oportunidade de inovar e não como uma ameaça adaptam-se mais rapidamente e descobrem novos caminhos de carreira. Os profissionais que procuram activamente novos desafios têm mais probabilidades de se manterem relevantes.
Por outro lado, aprender a tirar partido da IA em vez de lhe resistir não só parece ser uma inevitabilidade, mas também a melhor forma para os profissionais se sentirem mais confiantes face ao seu futuro, integrando-a nos seus fluxos de trabalho. Compreender como usar a IA como uma ferramenta (em vez de a ver como um substituto) pode tornar os indivíduos mais valiosos nas suas funções.
Talvez mais importante que tudo o resto, desenvolver competências exclusivamente humanas poderá constituir o melhor seguro para os que temem os impactos dos progressos da IA no mercado laboral. Como o VER já escreveu, há já vários anos que muitos especialistas e observadores dos efeitos da tecnologia na sociedade defendem que só aperfeiçoando as características que nos tornam singularmente humanos é que tornará possível não sermos substituídos por máquinas num conjunto cada vez mais vasto de profissões e que são exactamente as competências humanas que estão relacionadas com a criatividade, o pensamento crítico e analítico, a atenção ao detalhe, a resiliência e a capacidade de resolver problemas que poderão minimizar os efeitos da automação e da IA no mercado laboral. E são vários os estudos que apontam que o futuro (e, em muitos casos, o presente) mercado de trabalho favorecerá aqueles que combinam competências técnicas com capacidades centradas no ser humano.
Implicações futuras e o que devem fazer as empresas?
As implicações futuras do medo de ficar obsoleto na era da inteligência artificial (IA) e da automatização são vastas e multifacetadas. Como já enunciado, à medida que as organizações adoptam cada vez mais novas tecnologias, em especial a IA generativa, o panorama do trabalho está a sofrer uma transformação significativa. Estas mudanças estão a levar os líderes a repensar – e muito bem – as suas abordagens no que respeita à gestão de pessoas, concentrando-se na integração da tecnologia de forma a melhorar (ou complementar) e não a substituir as capacidades humanas.
A verdade é que as tecnologias emergentes têm o potencial de redefinir para melhor a dinâmica do local de trabalho, permitindo uma relação mais simbiótica entre humanos e máquinas. As organizações que conseguirem navegar com êxito nestas mudanças poderão proporcionar experiências mais personalizadas aos trabalhadores e monitorizar continuamente a saúde da organização, permitindo a resolução proactiva de problemas. E à medida que a IA aumenta as capacidades humanas, a colaboração entre a tecnologia e a força de trabalho será essencial, sublinhando a necessidade de adaptabilidade e inteligência emocional dos empregados.
Como também já mencionado, os impactos psicológicos do FOBO são significativos, com os indivíduos a sentirem-se ansiosos pelo facto de as suas competências se tornarem obsoletas devido à automatização. Para responder a estas preocupações, as organizações devem cultivar uma cultura de aprendizagem contínua e de desenvolvimento de competências. Ao investir na formação e ao encorajar uma mentalidade que aceite a mudança, as empresas podem aliviar os receios associados à obsolescência e capacitar melhor a sua força de trabalho.
Desta forma, as empresas devem investir em percursos de desenvolvimento de carreira estruturados e claros para garantir que os trabalhadores se sintam valorizados, preparados e motivados num ambiente de constante transformação. Quando os colaboradores têm acesso a oportunidades de crescimento, a formação contínua e a planos de progressão bem definidos, a insegurança e o medo de se tornarem obsoletos diminuem.
Além de fortalecer o envolvimento e a produtividade, esta abordagem cria uma cultura organizacional baseada na aprendizagem contínua e na inovação, onde os profissionais se sentem capacitados para evoluir com as mudanças do mercado. Apostar no desenvolvimento de talento interno não só reduz o turnover, mas também garante que a empresa se mantenha competitiva ao contar com equipas preparadas para os desafios do futuro.
É igualmente imperativo relembrar que à medida que a IA se integra crescentemente nos locais de trabalho, as considerações éticas em torno da sua utilização serão fundamentais. As organizações devem concentrar-se na equidade, transparência e implementação responsável da IA para garantir que os avanços tecnológicos não exacerbam os sentimentos de inadequação entre os trabalhadores.
Ao dar prioridade a estes princípios, as empresas podem promover um ambiente em que os funcionários se sintam seguros nas suas funções e capazes de prosperar com as tecnologias de IA.
Em suma, ao promover a aprendizagem contínua, fomentar a adaptabilidade e proporcionar percursos de desenvolvimento de carreira claros, as empresas podem transformar o FOBO numa oportunidade de crescimento e inovação, garantindo que tanto os colaboradores como as organizações prosperam no futuro do trabalho.
O FOBO é uma realidade do mundo moderno, mas não precisa de ser um obstáculo. Com uma mentalidade de crescimento, investimento na aprendizagem contínua e apoio das empresas, é possível transformar o medo de ficar obsoleto numa oportunidade de evolução e inovação.
A pergunta não é “Será que vou ficar para trás?”, mas sim “Como posso evoluir à medida que caminhamos para o futuro?”
Imagem: sebastiaan stam/Unsplash.com
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