«Faz-me sentido que o projecto de Deus seja intemporal. É lógico que sinta urgência pelos meus deveres, pelo meu agir. Há quem precise da minha acção, há quem esteja à espera dela. Sou gestor de empresas e as empresas precisam de acção. Hoje, amanhã, há coisas concretas que têm de ser feitas. Tenho de estudar o problema, tenho de me preparar, mas a acção não se esgota no imediato, e para mim é muito importante estar disponível e perceber que estou em projectos que me ultrapassam e que não estão circunscritos à temporalidade da minha existência» – Guilherme Magalhães, CFO da CUF S.A.
ENTREVISTA POR PEDRO COTRIM

Estimado colega do Técnico, muito lhe agradeço este acolhimento. Tenho muito gosto em conhecê-lo finalmente e talvez começasse mesmo pela nossa escola. A engenharia afastou-me da fé. Não me sinto crente, apesar de me rever absolutamente nos valores cristãos. Sei que o Guilherme é crente. Gostaria de me dar conta dos mecanismos da fé, que se mantém num engenheiro mecânico apesar de tantos estudos da matéria, da entropia, dos porquês, dos antes e dos depois?

Obrigado, Pedro, é também um gosto recebê-lo e conhecê-lo. Os números de aluno do Técnico jamais se esquecem (risos) e é curiosa a pergunta que coloca. Sou engenheiro mecânico e tive alturas em que a física me levou a questionar-me muito, mas curiosamente nunca foi pelo lado da matéria que me deparei com o maior desafio. Foi pelo lado do tempo, e foi até por via da transitoriedade versus intemporalidade que a física e a matemática me aproximaram da ideia de Deus, ajudando-me pela lógica a confirmar a fé, que é profunda. Ajuda-me a resolver a questão do que era antes e do que vem depois, seja em relação à minha temporalidade, seja em relação à temporalidade do universo.

A questão do tempo acaba por ser mais confusa que a questão do espaço. Ou o infinito do tempo talvez seja ainda mais desafiante.

Na matemática a noção de infinito é deliciosa. Eu gostava muito de análise matemática. Aquelas sucessões que tendiam para um valor no limite, no infinito. Por definição nunca lá chegavam, mas acabavam por chegar. Esta noção, em relação à temporalidade, ajuda-me a trazer o olhar de Deus para o mundo finito. Se Deus aí está, não há qualquer problema no universo infinito. Desloca-se numa direcção e pode ir sempre na mesma direcção. Está tudo certo. Nunca acaba e Deus tem todo o tempo do mundo.

Mas se tem todo o tempo do mundo, para quê aquela manifestação há dois mil anos? Se o tempo importa tão pouco, porquê esta precisão de um momento apenas?

Cristo vem-nos trazer a promessa da ressurreição, o que cria a possibilidade fascinante de deixarmos de nos preocupar com a nossa temporalidade. Cristo vem-nos abrir a porta da eternidade através do amor, do amor ao próximo, explicando-nos com clareza o facto de já estarmos a viver a nossa eternidade, aqui e agora. Esta questão do «quando» perde um bocadinho do seu sentido. Porquê há dois mil anos, porque não se dar a conhecer a todos, será sempre um mistério. Ainda hoje há quem nasça e morra sem ter ouvido falar de Cristo. Porque não há sete mil anos, porque não à saída do jardim do paraíso, porque não daqui a quinhentos anos? Porque não todos os dias? É a existência no seu mistério.

Existência e criação que parecem óbvias a nível molecular.

Parecem, mas porque é que sucederam? As razões estão aí, mas talvez aí não estejam todas as razões. Se observarmos esta criatura feita de moléculas, percebemos que Deus fez uma criação completamente livre, o que talvez seja ainda mais misterioso. Estas circunstâncias de criação e de existência entram na zona da incompreensão e que está relacionada com a condição humana e com a nossa temporalidade. Nesta passagem há muitas coisas que não se entendem; talvez mais adiante, se o merecermos, tudo faça sentido numa outra dimensão.

É curioso que refira o tempo na vez da matéria, porque é realmente na noção de sermos finitos que criamos o egoísmo: «tenho de tirar o máximo disto porque não vou ficar aqui para sempre». É por isso que somos humanos?

Há estes porquês, mas acredito que existe um «para além» do porquê, uma espécie de «para quê». É uma questão que me interpela com frequência, até por via da história recente, com guerra e pandemia. Tanta maldade porquê? O cúmulo de uma criança morrer?

O que todos perguntam.

É verdade, mas apesar de nos parecer impossível que um filho de Deus possa fazer tanto mal que personifiquemos por exemplo em Hitler… apenas Deus pode tratar Hitler como um filho. Apenas Deus pode perguntar «Filho, o que andas tu a fazer?». Tenho fé de um dia poder entender o Homem. Sem ser à luz da lógica, pois assim não se pode lá chegar, uma vez que Deus conferiu ao Homem o poder de matar o Seu próprio filho.

Hitler era humano. Putin é humano. São então dignos de perdão.

E são tão filhos de Deus como eu ou como o Pedro. E os soldados que cometeram atrocidades a outros irmãos são tão filhos de Deus como eu ou como o Pedro. Tenho fé que um dia, depois da existência terrena, se possa entender. Na minha fé não posso entender o mal e ainda bem que não posso. Sei que também falho, embora não tanto como os dois filhos de Deus mencionados. Acredito que Ele venha a perdoar as minhas falhas, falhas que eu conheço. Talvez um dia todos conheçam. Há aquela passagem assustadora no Novo Testamento em que Jesus diz «Um dia tudo se saberá». Não tem a ver com os metadados nem nada parecido

(risos)

São coisas que apenas eu no meu íntimo saberei. Eu ainda não estou preparado para que tudo sobre mim se possa saber. Todos os actos, todas as omissões, sendo que terão de me chamar a atenção para algumas, pois terei passado por elas sem me ocorrerem. Atropelos e outras maldades que não terei notado. Que todos os actos por mim cometidos venham a ser um livro aberto… confesso que à data de hoje ainda me faz confusão. E se incluirmos os pensamentos? Ui!

Eu penso no que me diz e penso na forma de o que me diz poder suceder.

Será à luz de tudo isto, a circunstância de eu estar preparado, de eu confiar que o Pedro vai lá estar ao meu lado, e de todos sabermos tudo e de entendermos finalmente os «porquês» e os «para quês». De entendermos os males do mundo, pois há certamente uma escala no mal, mas tenho fé e esperança de que entenderei todos, e que todos também entenderão as minhas falhas.

Na minha juventude imaginava os meus avós, entretanto falecidos, a toparem lá de cima o que eu fazia. E morria de vergonha…

Mas o problema não está nos avós, está em nós, em aceitarmos os nossos disparates, e tenho fé de que esse estádio de perfeição seja atingido. É também muito lógico que a chave para isso seja o amor. Um exemplo recente. Tenho um grande amigo que me interpelou muito quando perdeu um filho em circunstâncias absolutamente dramáticas. Como sucede com o Pedro, diz-se afastado da fé. Nunca me hei-de esquecer, na missa de corpo presente, dos seus agradecimentos finais. Num momento de uma dor imensa, agradeceu a todos a presença e confidenciou que sentia dificuldades na sua fé, mas que agora havia algo que estava muito claro: que a chave para eternidade é o amor, porque o amor que sentia pelo seu filho não acabava ali, era eterno. E foi o que Cristo nos veio ensinar. A chave para entender a criação, para chegar a Deus, para vencermos a nossa condição mortal, é o amor.

Mas se a senha para a felicidade é o amor, porquê tanta aflição?

Mas repare que é espantosa a felicidade de muitos que vivem na adversidade, repare na luz de quem conhece o sofrimento, mas talvez não o conheça. É portanto um conceito relativo e eu não pretendo desvalorizar o sofrimento, mas se pensarmos na evolução da humanidade, percebemos que o conforto do século XXI nada tem que ver com o do passado. Se nos transportássemos dois mil anos para trás, mergulharíamos num sacrifício permanente para morrermos de forma atroz aos trinta anos. Creio que há uma chave individual para a felicidade, algo que me diz que é possível passar pelo nosso interior, o que ajuda grandemente em contextos de dificuldade.

(pausa)

Se a vida é eterna, já começou. Não começa depois da morte, já a estamos a viver, o Pedro e eu.

Eu sou partidário absoluto da ideia de estar tudo a contar. Sei que a construção do meu filho com sete anos está a suceder agora e não o deixo jogar jogos de computador. Não por moralismo, mas por sentir que todo o tempo é precioso. Não me arrogo à sapiência e é apenas uma reacção minha.

São distracções que nos aguçam o sentido de urgência, mas também nos permitem a perspectiva de desligar a nossa acção da temporalidade do nosso corpo. Correndo o risco de parecer sonhador, e aproveitando a sua reflexão para a importância do tempo, eu não me importo de pensar em projectos que ultrapassem o prazo de vida do meu corpo. A perspectiva do «eu estou doente» parece ligar um temporizador para a partida, mas na verdade nenhum de nós conhece o seu prazo. Se reunirmos um conjunto de pessoas, sejam saudáveis ou doentes, nunca sabemos quem é o primeiro a partir. Os seres humanos comportam-se habitualmente como se fossem imortais.

Apesar de os grandes tecnocratas estarem com novas ideias da imortalidade. E de feitos tamanhos, como atirar os Ferraris para Marte…

É curioso falar nisso. Há pouco mais de dois anos, mesmo antes de chegar a pandemia, lembro-me de ler um artigo cujo título era «A Caminho da Eternidade?» De seguida apanhamos com um vírus relativamente comum que pôs a humanidade em sentido, mesmo no alto da sua soberba, a debater uma questão que verdadeiramente não lhe cabe. Agora pergunto eu ao Pedro, à semelhança do que me colocou há pouco sobre os dois mil anos de Cristo: porquê em 2020? Se calhar em 2500 vão-se rir às gargalhadas de nós, pensando nas nossas anacrónicas radioterapias e quimioterapias, conforme nós hoje em dia achamos as sangrias uma barbaridade. Um médico no século XVI? Era um astrólogo, um parlapatão. Se calhar vão achar realmente o mesmo de nós agora, que acreditamos ter atingido o nec plus ultra do conhecimento. O vírus pôs-nos em sentido…

E não foi um castigo divino.

Não acho que seja um aviso. Não vou por aí, mas é absolutamente irónico. Há dois mil anos Cristo actuou sempre e actuou com quem lhe saía ao caminho. Não teve meças de imortalidade e os traços não eram de indolência ou de mera contemplação passiva pelos acontecimentos. Não mostrou uma preocupação louca de chegar a tudo e a todo o lado, conforme sucede nestes limites da ciência. Cristo actuou como se tivesse todo o tempo do mundo em simultâneo.

Se era filho de Deus, tinha-o efectivamente.

E faz-me sentido que o projecto de Deus seja intemporal. É lógico eu sentir urgência pelos meus deveres, pelo meu agir. Há quem precise da minha acção, há quem esteja à espera dela. Sou gestor de empresas e as empresas precisam de acção. Hoje, amanhã, há coisas concretas que têm de ser feitas. Tenho de estudar o problema, tenho de me preparar, mas a acção não se esgota no imediato, e para mim é muito importante estar disponível e perceber que estou em projectos que me ultrapassam e que não estão circunscritos à temporalidade da minha existência. Agradam-me projectos longos.

Como os da CUF, empresa com uma longa história.

Celebrámos agora os 150 anos de Alfredo da Silva. Esta intemporalidade ajuda-nos a sair de nós. Os nossos filhos e os netos também nos ajudam a ter a noção do legado e do que nos vai ultrapassar.

Eu acredito que a memória se gasta rapidamente. No outro dia escrevi que sabemos os nomes dos nossos quatro avós, mas que conhecemos apenas o nome de um ou dois dos nossos bisavôs. Há tempos li, sem recordar o autor, «morremos no dia em que a última memória de nós desaparece, nem que seja por um avô a falar ao neto do seu próprio avô». O trisavô já não está na nossa tabuinha da memória.

É interessante essa visão, porque eu vejo a eternidade como a saída da linha do tempo. Quando tento imaginar a intemporalidade divina, imagino uma grande confusão com uma espécie de simultaneidade de tudo. A omnisciência de Deus implica ver tudo e saber tudo, e a omnipresença ver tudo ao mesmo tempo. No fim de contas, com a imortalidade vem uma intemporalidade onde passaremos a estar não apenas com os nossos bisavós e trisavós, mas com toda a humanidade. Se quisermos brincar com a ideia, uma espécie de festa de família com grande confusão.

Os almoços de Domingo serão complicados (risos)

Sem dúvida, mas não me preocupa uma noção de formulação exacta. O Pedro falava-me dos trisavós de quem apenas se pode saber por causa do avô ou por quem lhe tenha sido contemporâneo. Imagine agora que pode estar com os seus trinetos que ainda não nasceram…

Uma sugestão que me toma absolutamente a imaginação, Guilherme…

Acredito! Para trás ainda conseguimos pensar, mas para a frente… Imagine o Pedro que pode ver essa linha na totalidade. O meu pai já morreu. Será que o meu pai já conhece os meus netos que ainda não nasceram? Isto vem tudo da nossa engenharia, e estas são as coisas que ainda consigo formular e em que ainda consigo, aos meus modos, olhar para a física e para a temporalidade.

Mas isso não chocará com o livre arbítrio? Saber quem vem depois de nós.

Não, porque repare que Cristo não veio dizer que a chave para a imortalidade nos chegou pela física ou pela química. Não há qualquer menção de Cristo à ciência.

Há o «crescei e multiplicai-vos», que remete quase directamente para a meiose e para a mitose.

Se quiser, mas a ideia veio sobretudo pelo amor ao próximo, pela ideia de sairmos de nós e ascendermos a outra dimensão. Associamos os santos ao estoicismo, à capacidade de sofrimento e de dedicação ao outro. São muito associados à ideia de sair de si e no fundo é isto o amor ao próximo. Nos evangelhos, Cristo questiona a genealogia e afirma a irmandade entre todos. No fundo esta irmandade entre nós ultrapassa a biologia porque remete para estádios muito anteriores em que no fundo somos todos irmãos. A humanidade tem o mesmo genoma e que nos torna todos irmãos.

O genoma, esta chave que o Guilherme menciona. E o ADN, com Crick e Watson curiosamente laureados com o Nobel no ano em que o meu amigo nasceu.

É curioso! Mas lá está, somos muito mais que ADN. Há uma coisa que se tornou muito evidente, e depois se tornou numa convicção profunda. A minha felicidade não se realiza em mim. A felicidade do Guilherme realiza-se à volta do Guilherme. Talvez seja a chave daqueles que são vítimas absolutas do infortúnio, daqueles que emanam felicidade apesar de tudo.

Entendo o que diz e eu deslumbro-me com o quotidiano. Se vou ao supermercado fico em êxtase com este mínimo passeio que tenho de fazer, desde a fachada pintada, ao lençol que volteia numa corda ou à floração nossa de cada dia.

E o equilíbrio das árvores, Pedro? Na engenharia sabemos os preceitos cartesianos, mas aquela verticalidade e equilíbrio deixam-nos perplexos. Talvez seja aqui que Deus se manifesta.

Faz sentido, mas também já percebi que o Guilherme é pouco dado a sinais.

Pouco, mas já os senti. Nem aos misticismos. Tenho o maior respeito pelas beatices, mas sou pouco de beatices e não gosto de ficar apenas pelos ritos. Por vezes a própria missa parece longa. Quando as arengas parecem intermináveis não significam Deus e quase me parece que o acto de compaixão é meu por estar a ouvir este sermão (risos) Mas a fé dói, às vezes, e entendo que Deus está também nos pormenores, mas Deus não se encontra apenas na sacristia.

Uma excelente sugestão para título da entrevista.

Não pode ser só o culto, procuro muito mais a substância. Mas Cristo não era sôfrego com o tempo nem sequer era inconveniente. Falava com quem encontrava no caminho, mas não procurou os chefes. Nunca foi a Roma à procura do governo. Foi criticado, foi muito crítico, foi quase uma fonte de sarilhos. Não um terrorista, mas foi incómodo em relação aos poderes instituídos.

No fundo aquilo a que eu chamo universo e aquilo a que o Guilherme chama Deus. Será a mesma coisa? Hoje, ao contrário do que me é habitual, atrasei-me e não cheguei a horas. Vivo numa zona de estacionamento complicado e andei mais de um quarto de hora à procura do carro. Quando o vi murmurei «obrigado, meu querido», e olhei para cima.

E quer o Pedro convencer-me que não é crente? Ou quer convencer-se a si? Este «Obrigado, meu querido» é um acto de fé total.

Dirá que sim, mas eu creio que agradeço a circunstância.

Eu não atribuo forma a Deus. Há a imagem de Deus humanizado, mas eu prescindo dela. Pode ser um bloco de energia, espírito, o que quiser.

Eu sei, mas ainda por cima o Guilherme disponibilizou-se tão gentilmente para me receber cedo, e a imagem do carro, após a procura, comoveu-me. Sou humano, demasiado humano. Cito um filósofo niilista para passar a perguntas mais concretas, se achar bem.

Vamos a isso. Acho bem a volta e acho bem Nietzsche.

O que é ser um gestor católico, o que significa não separar a vida profissional da crença? No fim de contas, o substrato da ACEGE? O Guilherme não se torna incréu quando chega ao trabalho.

Um gestor católico existe para servir e para servir os múltiplos interesses e responsabilidades inerentes à empresa. Servir a comunidade que trabalha na empresa, servir os clientes, os accionistas, servir os famosos stakeholders – todos os que têm legítimo interesse na empresa. Inclui também o ambiente, um leque muito vasto de pessoas com interesses ou benefícios na actividade. Gerir é estar ao serviço. Fazer todos os dias o melhor para que a missão deste grupo de pessoas se realize. Que se materialize com sucesso, com perenidade e com sustentabilidade.

A ideia do projecto que ultrapassa o nosso tempo de vida, conforme o Guilherme salientou há pouco.

Sim. O que nos rodeia, tal como no caso da felicidade do indivíduo. É tão complexo e tão simples como isto.

Ultrapassa portanto a crença e falamos apenas do bom gestor.

Ser cristão não garante sucesso, mas importa que não exista esta divisão em nós. Posso contar-lhe a criação do grupo Cristo na Empresa (CnE) a que pertenço. Houve um primeiro grupo, onde se incluem o Pedro Rocha e Mello e o Rui Diniz que arrancaram com a ideia, e de seguida nasceram quase imediatamente o segundo e o terceiro grupos. Eu integrei o segundo grupo. Continuámos o projecto com entradas e saídas, mas mantém na sua maioria a composição inicial, que dura há doze anos. O grupo CnE tem sido sobretudo um contributo enorme para o desenvolvimento individual e creio que todos nos revemos. É um espaço de desenvolvimento pessoal no caminho da fé e nesse aspecto importante referido pelo Pedro que é a integralidade, o tal substrato que faz com que sejamos sempre a mesma pessoa de modo consistente. Não há o Guilherme da gestão e depois o Guilherme da família ou dos amigos. Há um Guilherme a procurar ser consistente no que faz e no que diz.

Sempre cristão.

Sim, no método cristão de ver, julgar e agir. A partir de situações na vida real da empresa, de dificuldades ou de problemas concretos que partilhamos, discernir, ouvir opiniões, partir para o colectivo. Há uma heterogeneidade interessante no grupo, sendo apenas inexistente no facto de sermos todos cristãos.

Em não havendo esta heterogeneidade, há a tal mencionada pelo Guilherme.

Sem dúvida! De idades, de género, de experiência profissional, de responsabilidades diferentes, o que ajuda na questão dos olhares complementares para um caso concreto. Tem sido uma forma muito importante de crescimento pessoal e no sentido de manter esta unicidade. A empresa é um espaço heterogéneo, não tem partido nem clube de futebol.

O futebol, esse ópio…

É verdade, mas admitimos adeptos de todos os clubes. O futebol faz parte da cultura portuguesa, e portanto a empresa é um lugar de integração, não de segregação. É uma empresa que se inspira na cultura portuguesa, numa matriz cristã inclusiva, conforme achamos que os cristãos devem ser. É uma empresa absolutamente aberta em termos políticos. A empresa não tem partido político.

A dinâmica vence a estática, sendo que a engenharia mecânica ganha à civil. Dá-me uma abada (risos)

A empresa insere-se num grupo com um propósito claro que ultrapassa a própria dimensão da empresa; é quase uma aspiração. É um motus inspirador para a empresa, para a direcção e no qual os accionistas se revêem. É inerente ao grupo José de Mello e acaba por ser orientador como garante da sua sustentabilidade e perenidade.

A direcção está empenhada nestes propósitos e o Guilherme e a restante direcção foram reconduzidos recentemente.

Sim, os valores mantêm-se, obviamente, com total empenho em tudo o que elenquei. Um mandato de três anos. E regressamos à temporalidade, que implica que estejamos atentos aos mais novos, pois há que abrir espaços e ninguém pode estar ligado a posições de liderança ou comando. A cristalização pode ser muito nociva.

Sempre nociva, não é? E o apego à casa, cristaliza-se?

Eu acabei de fazer sessenta anos e tive alguns desafios de saúde. Sinto-me um jovem, mas creio que sou o mais velho da minha equipa. Se calhar num destes dias terei de endereçar esta juventude que sinto para outros desafios e estender o meu lugar a alguém competente, não cristalizado, mas com os valores da casa. Tudo ultrapassa a minha morte e sou jovem na véspera da minha morte.

Eu vejo um jovem à minha frente. E como a juventude é importante, assim como a infância e todas as idades do Homem mais os seus queridos, a CUF é o primeiro grupo hospitalar com a certificação Entidade Familiarmente Responsável, credenciada pela ACEGE.

Assumimos que o queremos ser. Preparámo-nos e obtivemo-la. Todas as empresas do grupo estão neste percurso e é importante. O certificado não é um troféu, é um compromisso e uma forma de ter o tema na agenda da empresa. Respeitar os compromissos dos outros, ajustar horários para que todos possam estar mais tempo com a família.

E o princípio da subsidiariedade.

Essencial em tudo. O clima de confiança e de responsabilidade, de investimento em todos para correr riscos de forma controlada e consciente. Optimiza-se o tempo, os colaboradores optimizam o tempo e ganhamos todos. Apostamos nas virtudes de cada um como forma de actuar nos campos de melhoria de cada um. Tenho a certeza de que é essencial apostar naquilo que de bom as pessoas são capazes de fazer para termos uma empresa feliz com colaboradores felizes.

Eu acredito absolutamente que é. Esta CUF que não efectua interrupções voluntárias da gravidez.

É um tema delicado. Ser-se contra o aborto é diferente de se ser a favor da criminalização do aborto. Somos pela defesa do primado da vida. Entendo a IVG como um tema muito complexo e como cristão não aceito a sua prática. As questões que surgem, como a forma de criminalização, o tempo de gestação em que é permitido, são questões complexas mas laterais. No fim de contas, cada caso é um caso, como cada pessoa é uma pessoa. A CUF não pratica a IVG. Tem dois hospitais com maternidade, o CUF Descobertas e o CUF Porto, e se necessário as equipas reencaminham os casos. Dão o apoio necessário e não deixa de ser dado o suporte a quem solicita.

Instalações que me receberam tão lindamente na pessoa do seu administrador e que tem os seus múltiplos afazeres. Obrigado, Guilherme, por esta conversa tão franca e tão agradável. Se calhar deixamos uma continuação para uma outra oportunidade.

Obrigado, Pedro. Tive muito gosto e esta conversa terá certamente continuidade. Acompanho-o à saída que, como sabemos, é na realidade mais uma entrada.

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Guilherme Magalhães nasceu em Março de 1962. É casado e tem quatro filhos. Tem um MBA pela Universidade Nova de Lisboa, tendo iniciado a sua carreira académica no Instituto Superior Técnico. É CFO da CUF S.A. e integra o Grupo José de Mello há mais de 30 anos. Esteve na administração da Brisa, onde foi um dos responsáveis pela implementação do sistema «Via Verde» em vários países. Acumula uma grande experiência de administração nacional e internacional. Tem várias paixões, sendo uma delas o espantoso quotidiano.

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