A superação da grave crise que o país atravessa “passa principalmente pelo desempenho colectivo e individual dos portugueses, e exige, por um lado, enorme rigor e, por outro, rasgo, criatividade, talento e espírito empreendedor, fundamentais para o encontro das saídas mais céleres e eficazes”. Quem o diz é Faria de Oliveira, orador convidado no Encontro do núcleo de Leiria da ACEGE realizado no âmbito do lançamento do Kit de Boas Práticas de gestão AconteSer
POR GABRIELA COSTA

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O presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, Faria de Oliveira, foi um dos oradores convidados na acção que deu lugar ao lançamento oficial do Kit de Boas Práticas de Gestão AconteSer. O evento, promovido pela ACEGE no dia 20 de Outubro, em Leiria, no âmbito do Ciclo de Conferências Portugal: Realidade e Esperança, teve por mote a partilha dos graves desafios que o país enfrenta.

Considerando que o actual momento é de “grande apreensão, inúmeras interrogações sobre o futuro e muito baixas expectativas”, Faria de Oliveira avaliou os “custos pesados” para o país de uma austeridade e uma diminuição do nível de vida que “terão de prevalecer nos próximos anos”. Terão, diz, se o ajustamento drástico que está a ser feito obedecer a uma finalidade: tornar a economia competitiva e o desenvolvimento sustentado.

Na opinião do presidente da CGD, a superação da crise que estamos a viver “passa principalmente pelo desempenho colectivo e individual dos portugueses, e exige, por um lado, enorme rigor e, por outro, rasgo, criatividade, talento e espírito empreendedor, fundamentais para o encontro das saídas mais céleres e eficazes”.

E, embora as soluções não sejam “só nacionais”, mas também europeias, em Portugal a crise deve-se, fundamentalmente, a três desajustamentos internos, defende: endividamento excessivo do Estado, das empresas, dos bancos e das famílias; um modelo económico “errado” e pouco competitivo que conduziu “a um crescimento anémico da economia nos últimos dez anos” (crescimento médio de 0,7%/ano); e o adiamento de reformas estruturais “urgentes, que tenderiam a promover a nossa competitividade face à evolução do contexto internacional”.

Metas num caminho estreito
Admitindo que o Programa de Assistência Financeira e Económica a Portugal “corresponde, manifestamente, às grandes necessidades do país”, pelo que “nos seus objectivos, o programa é bom”, Faria de Oliveira critica, ainda assim, a exigência do mesmo no que concerne o prazo de reajustamento. Para o ex-ministro, “teria sido bem melhor” um período mais alargado, talvez até 2015, já que uma redução do défice de 10,2% para 3% em 2013 “é um esforço gigantesco”. Além disso, a negociação a que se chegou “conduziu a um montante de financiamento porventura aquém do desejável para poder também impulsionar o crescimento económico pela via do financiamento das empresas”.

É, pois, necessário “saber seguir o caminho muito difícil e estreito” capaz de repor “a credibilidade e a confiança dos mercados”, para que a Troika e a União Europeia reforcem, “se necessário”, o seu apoio ao país. Significa isto que “temos de cumprir rigorosamente as metas, temporais e quantitativas, definidas e mostrar capacidade para vir a justificar mais apoios (aumento do montante da ajuda, acréscimo de fundos estruturais e prazos mais dilatados), através de ganhos de confiança nos diferentes agentes”, avisa. Temos, ao mesmo tempo, de “esperar uma resposta mais apropriada da União Europeia face à crise da dívida soberana e do Euro”, censura.

Em síntese, para o presidente da CGD, não obstante vivermos actualmente condicionados pelo processo de consolidação orçamental e pela desalavancagem do sistema financeiro, temos de criar condições para preparar o crescimento económico. Neste contexto, Faria de Oliveira identifica um conjunto de oportunidades que o Programa da Troika representa, as quais “não podemos desbaratar”: realizar reformas sempre adiadas, dinamizar o modelo de crescimento da economia e atrair investimento, empreender, inovar e melhorar a produtividade, e redimensionar o sector público (uma “tarefa gigantesca”), entre outras.

Um país ameaçado com uma moeda forte
Agarrar estas oportunidades não afasta, contudo, as “ameaças reais”, nos planos interno e externo, que Portugal enfrenta, esclarece. Desde logo, não cumprir as metas estabelecidas pelo Programa de Assistência Financeira; mas também, não tomar medidas necessárias como a redução da despesa pública, a melhoria da competitividade, o compromisso alargado a nível institucional ou o aumento generalizado da poupança.

“Está instalado um relativismo ético que, tudo equivalendo, nada valoriza” .
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A nível externo, as maiores dificuldades derivam, para este responsável, da resposta que a União Europeia vem dando à crise da dívida soberana; ao crescimento das outras economias; e à estabilidade dos mercados. Reforçando a ideia de que desde que Portugal está integrado na União Europeia “a solução final é sempre europeia”, o presidente da CGD lembrou que a crise da dívida soberana, afectando vários Estados Membros da Europa, “gerou uma crise do Euro e uma descrença crescente no projecto político europeu”.

Minimizando o risco de desintegração europeia ou a perpetuação de uma Europa a várias velocidades (com “um Euro Norte e um Euro Sul”), Faria de Oliveira sublinha que a zona Euro não é determinada só pela crise: a UE “tem uma posição líquida favorável no contexto internacional” e, contrariamente aos outros espaços económicos relevantes (EUA, Japão, Reino Unido), a zona euro “tem 7% mais de activos do que de passivos no que respeita à posição de investimento internacional”, ainda que concentrados na Alemanha, Holanda e Dinamarca. Ou seja, apesar de tudo o euro mantém-se uma moeda forte, garante.

Face a esta realidade, “os alicerces de mudança estão aí, no novo modelo de governo económico em construção, que obriga a uma maior coordenação dos orçamentos nacionais”, comenta, deixando uma nota pela positiva: “o crescimento económico é a única solução para a Europa e o seu grande desafio”. Para o presidente da CGD, a agenda da competitividade, uma política fiscal sólida e uma eficaz coordenação da política económica são os grandes desafios que o velho continente enfrenta.

Como é sabido, a curto prazo “o maior problema que a Europa enfrenta é o da Grécia”, mas a saída deste país da União Europeia poderá acarretar “o colapso da Zona Euro” ao qual esta “dificilmente sobreviverá, desde logo pelos efeitos no próprio mercado interno”.

Recordando que a União Económica e Monetária não foi concebida para se fragmentar, Faria de Oliveira insiste que “é do interesse europeu segurar o Euro”. Até porque os mercados têm vindo a mostrar que “o efeito de contágio seria inevitável, não só em Portugal e na Irlanda mas também em Itália e na Espanha”, países que, no seu conjunto, representam quase 30% da economia europeia. “E a França está já na calha, com um défice orçamental muito elevado (5,8%) e uma dívida pública muito alta”, acrescenta. Cumulativamente, os efeitos na banca europeia, “designadamente na França e na Alemanha, onde a exposição à dívida soberana é grande”, não podem deixar de ser considerados.

Certo de que “a decisão é predominantemente política”, o presidente da CGD reitera a sua esperança em que “não obstante as dificuldades de decisão dos líderes da Europa, se chegará no próximo Conselho Europeu a soluções que garantam a sustentabilidade da UEM e reforcem a União Europeia”.

“Está instalado um relativismo ético”
No contexto da actual crise económica mundial, “vivemos, reconhece-se, uma crise moral e de valores, que está a minar a sociedade de raiz ocidental e cristã”. Na opinião de Faria de Oliveira, em particular, “está instalado um relativismo ético que, tudo equivalendo, nada valoriza. O sentido do dever vai sendo alienado, os referenciais deontológicos aligeirados ou desculpabilizados, a impunidade é crescente”, acusa.Para o presidente da Caixa Geral de Depósitos, hoje “há demasiado pouca exigência, individual e colectiva, numa sociedade hedonista, frequentemente com falta de sentido ético ou mesmo amoral e nem sempre suficientemente solidária”. Felizmente, cresce simultaneamente “um sentimento generalizado de que o actual contexto se revela propício à alteração de muitos referenciais da nossa vida”.

Leia a intervenção de Faria de Oliveira na íntegra

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Jornalista