Todos nos orgulhamos por termos a capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo. Afinal, na era do “sempre ocupado”, não existe melhor forma de mostrarmos o quão produtivos somos. Todavia, há décadas que a ciência do multitasking comprova que esta alternância constante de mudança de tarefas prejudica a qualidade do nosso trabalho, diminui a eficiência e dá origem a vários erros. Se desejamos executar tarefas complexas, como a escrita, a resolução de problemas ou o planeamento, temos de optar pelo denominado “trabalho profundo”. É que a capacidade de nos concentrarmos sem distracções é uma das competências mais valiosas na economia actual e aqueles que a cultivam gozam de uma vantagem competitiva significativa
POR HELENA OLIVEIRA

Está na sala de reuniões e enquanto o seu chefe fala, você está a responder a um email, a espreitar o Facebook, a ler as mensagens novas de WhatsApp e a pensar no que vai fazer para o jantar. Quando regressa ao seu posto de trabalho, começa a trabalhar naquele projecto importante que tem de entregar no final da semana, ao mesmo tempo que responde a mais uns quantos emails, que troca mensagens com os seus colegas, fala ao telefone com um cliente e aceita estar presente no almoço familiar de Domingo na “janela” dedicada à família. O dia vai passando e esta alternância de tarefas acompanha-o até serem horas de voltar para casa. Com cansaço, pensa no dia de trabalho que passou e por momentos sente-se uma espécie de super-homem ou super-mulher pois continua a manobrar de forma ágil múltiplos afazeres e a responder a várias solicitações em simultâneo. Afinal, é um verdadeiro agente do multitasking e só não avançou no projecto importante que tinha em mãos porque esteve o dia inteiro a resolver vários assuntos que o fizeram sentir-se muito produtivo. No dia seguinte, a história repete-se – como todos os dias – e sente-se orgulhoso por conseguir fazer cada vez mais coisas em cada vez menos tempo, pois o trabalho, as chefias e a empresa assim o exigem, não vivêssemos nós na era do “sempre ocupado”. Apesar de ter tido de adiar o prazo do tal projecto, de ter dado informações incompletas aos clientes com quem esteve ao telefone ao mesmo tempo que navegava na Internet e de se ter enganado na “janela” da família, enviando ao invés uma anedota ao gestor sem sentido de humor responsável pela sua equipa, até que o trabalho não tem corrido mal. Certo?

Errado. Durante décadas, a multitarefa tem sido vendida como o melhor truque de produtividade. A ideia de que se pode tratar de várias coisas em simultâneo e fazer mais no mesmo período de tempo parece apelativa, especialmente numa cultura obcecada com a gestão do tempo e a eficiência. Mas, apesar da sua popularidade, a ciência por detrás do multitasking conta uma história diferente.

Na verdade e em termos muito gerais, o nosso cérebro não foi concebido para lidar com várias tarefas complexas ao mesmo tempo. Quando tentamos fazê-lo, o que estamos realmente a fazer é mudar de “chip” e cada vez que o fazemos, há um “custo” cognitivo envolvido, uma vez que o cérebro tem de se concentrar e reorientar para a nova tarefa. Este constante vai-e-vem reduz a eficiência, aumenta os erros e esgota a nossa energia mental.

Na verdade, a multitarefa cria a ilusão de produtividade, na medida em que quando estamos a fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo, parece que estamos a fazer muitas coisas. Mas, na realidade, a qualidade do nosso trabalho é prejudicada. Quando a atenção está dividida, os erros multiplicam-se. As tarefas complexas, como a escrita, a resolução de problemas ou o planeamento, requerem uma concentração profunda e atenção aos detalhes – duas coisas que são impossíveis de conseguir quando se pratica o multitasking.

Pesquisas recentes demonstram que fazer mais do que uma tarefa ao mesmo tempo, em particular mais do que uma tarefa complexa, afecta a produtividade. Os psicólogos que estudam o que acontece à cognição (processos mentais) quando as pessoas tentam realizar mais do que uma tarefa ao mesmo tempo descobriram que a mente e o cérebro não foram concebidos para a realização de multitarefas “pesadas”. Os investigadores tendem a comparar o trabalho com uma coreografia ou com o controlo de tráfego aéreo (exemplos em que a concentração é vital), observando que nestas operações, como noutras, a sobrecarga mental pode resultar em catástrofe.

Por exemplo de acordo com a American Psychological Association, que há décadas tem vindo a estudar a ciência das multitarefas, em 2001 três psicólogos doutorados realizaram experiências em que jovens adultos alternavam entre diferentes tarefas, como a resolução de problemas de matemática ou a classificação de objectos geométricos. Em todas as tarefas, os participantes perdiam tempo quando tinham de passar de uma tarefa para outra. À medida que as tarefas se tornavam mais complexas, os participantes perdiam mais tempo. Consequentemente, as pessoas demoravam muito mais tempo a mudar de uma tarefa para outra. Os custos de tempo também foram maiores quando os participantes mudaram para tarefas que não lhes eram relativamente familiares. Os participantes recuperaram a velocidade mais rapidamente quando mudaram para tarefas que conheciam melhor.

Embora os custos de “mudança de tarefa” possam ser relativamente pequenos, por vezes apenas alguns segundos podem atingir valores elevados quando as pessoas alternam repetidamente entre diferentes coisas que têm de fazer. Assim, a multitarefa pode parecer eficiente à primeira vista, mas pode, na verdade, fazer gastar mais tempo e envolver mais erros. Os psicólogos afirmam que breves bloqueios mentais criados pela alternância entre tarefas podem custar até 40% do tempo produtivo de uma pessoa.

Os estudos científicos do multitasking nas últimas décadas revelaram também princípios importantes sobre as operações e as limitações de processamento das nossas mentes e cérebros. Uma descoberta fundamental é o facto de inflacionarmos a nossa capacidade de multitarefa, na medida em que existe pouca correlação com a nossa capacidade real. De facto, a multitarefa é quase sempre um termo errado, uma vez que a mente e o cérebro humanos não têm a arquitetura necessária para realizar duas ou mais tarefas em simultâneo. Por arquitetura, os cientistas estão a referir-se aos blocos e sistemas de construção cognitivos e neurais que dão origem ao funcionamento mental. Temos dificuldade em realizar multitarefas devido à forma como os nossos blocos de construção de atenção e controlo executivo funcionam inerentemente. Por isso, apesar de estamos normalmente a alternar entre uma tarefa e outra, a verdade é que o cérebro humano evoluiu para uma única tarefa.

Em defesa do monotasking e do “trabalho profundo”

Ao contrário do multitasking, o “trabalho concentrado” permite dedicarmo-nos profundamente a uma tarefa de cada vez. Esta prática, frequentemente designada por “monotarefa”, é onde nasce a verdadeira produtividade. Quando dedicamos toda a nossa atenção a uma única tarefa, não só a concluímos de forma mais eficiente, como também melhoramos a qualidade do nosso trabalho e retemos melhor a informação.

Assim, a chave para um trabalho concentrado é eliminar as distracções. No mundo de hoje, estas estão por todo o lado – desde o ping constante das notificações até à tentação das redes sociais, para conseguirmos nos concentrar verdadeiramente, precisamos de criar um ambiente onde as interrupções sejam minimizadas. Isto pode significar desligar as notificações, estabelecer limites com os colegas ou trabalhar num espaço calmo onde nos possamos concentrar totalmente.

Como cita a revista Forbes, o conceito de trabalho profundo, popularizado pelo autor Cal Newport, enfatiza a importância de longos períodos de concentração ininterrupta. Newport argumenta que a capacidade de nos concentrarmos sem distracções é uma das competências mais valiosas na economia actual, e que aqueles que cultivam esta capacidade gozam de uma vantagem significativa. O trabalho concentrado permite-nos resolver problemas complexos, pensar de forma crítica e fazer progressos significativos em direção aos nossos objectivos. Ao contrário da multitarefa, o trabalho profundo ajuda-nos a atingir níveis elevados de produtividade e satisfação no nosso trabalho.

O conceito de “trabalho profundo” cunhado por Cal Newport, que o descreveu no seu livro “Deep Work: Rules for Focused Success in a Distracted World” é definido como “actividades profissionais realizadas num estado de concentração sem distracções que levam as capacidades cognitivas ao limite”.  Segundo o autor, e embora existam provas de que muitos indivíduos influentes o praticam, isso não convence milhões de outras pessoas. O trabalho profundo não é popular, requer esforço, e é muito mais cómodo manter-se superficial. Logicamente, este facto aumenta o seu verdadeiro valor. Aqueles que escolhem dar prioridade à profundidade têm muitas portas abertas à sua frente. Infelizmente, é mais fácil falar do que fazer, na medida em que o mundo à nossa volta está cheio de distracções e é extremamente difícil resistir-lhes.

Como escreve Newport no seu livro, nos últimos anos surgiram tendências curiosas na esfera empresarial amplamente relacionadas com este fenómeno. A primeira tendência foi o conceito de escritório aberto. Esta política foi inicialmente adoptada pelo Facebook, bem como por muitas outras empresas de Silicon Valley, até chegar à empresa “comum”. Ao colocar as pessoas a trabalhar num espaço sem delimitações, os líderes esperavam que estas pudessem interagir e aprender mais e melhor umas com as outras.

A segunda tendência foram as mensagens instantâneas, que neste caso têm como  objetivo aumentar a produtividade e poupar o tempo dos clientes. Finalmente, a terceira tendência foi e é a de manter uma presença nas redes sociais. Nos dias que correm, e para além das contas pessoais, não existe empresa que se preze que não tenha presença nestas redes que têm de ser continuamente alimentadas.

Estas três tendências são muito paradoxais, diz Newport. O espaço aberto, as mensagens instantâneas e a presença nas redes sociais não promovem o trabalho profundo. Mas e apesar do trabalho profundo ser exactamente o que ajuda os indivíduos a trabalharem eficazmente, no entanto, as organizações não o apoiam; o que apoiam é uma cultura de conectividade. E porque é que isto acontece?

A razão, na opinião de Newport, é o denominado Princípio da Menor Resistência – que consiste em actuar da forma que é mais fácil no momento. Estando ligados aos nossos colegas, podemos facilmente obter respostas a inúmeras questões, enviando uma mensagem ou simplesmente falando com uma pessoa sentada ao nosso lado. Além disso, a conectividade pode ajudar a organizar o nosso tempo. Mas há outra razão pela qual as pessoas tendem a evitar o trabalho profundo: a ausência de indicadores de trabalho produtivo. A ambiguidade do trabalho, que acompanha frequentemente os trabalhadores do conhecimento, leva a que se dê a impressão de se estar sempre ocupado. Como explica Newport, as pessoas voltam-se para a mentalidade da era industrial, quando a produtividade podia ser vista e medida fisicamente. Na realidade do trabalhador do conhecimento moderno, isto assume a forma de enviar e responder a emails, marcar reuniões e fazer outras coisas visíveis. Mas, como é óbvio, não o ajuda a realizar um trabalho profundo.

Assim, e se acha que incluir o trabalho profundo no seu dia-a-dia profissional pode aumentar a sua produtividade e eficiência, Cal Newport oferece algumas abordagens – ou filosofias, como lhes chama – para o conseguir fazer de uma forma mais fácil.

A primeira consiste simplesmente em livrar-se ou minimizar drasticamente as coisas que podem ser consideradas superficiais. Por exemplo, o escritor de ficção científica, Neal Stevenson, não fornece o seu endereço de correio eletrónico na página do seu site. Ele explica que, dessa forma, deixa claro que não quer ser incomodado, pois compreende que responder a muitos emails pode resultar numa menor qualidade dos seus livros – e num ritmo de trabalho muito mais lento.

A segunda consiste em dividir o seu tempo e dedicar uma parte dele a pensamentos profundos e a outra a tudo o resto, incluindo actividades superficiais. O que é importante nesta abordagem, diz Newport, é a quantidade de tempo que dedica ao trabalho profundo: deve ser pelo menos um dia inteiro. Um par de horas de manhã não conta. Infelizmente, muitas pessoas não têm flexibilidade no trabalho para se darem ao luxo de dedicar estes períodos de tempo ao trabalho profundo. No entanto, se os determinar claramente e informar as pessoas sobre o seu desejo de trabalhar em profundidade, elas provavelmente respeitarão a sua decisão.

Por último, se fizer as suas sessões de trabalho profundo de forma consistente, transformá-las-á em hábitos. Desta forma, não terá de fazer um esforço quando precisar de se concentrar por longos períodos de tempo. A este respeito, Newport conta uma história sobre o humorista Jerry Seinfeld que descreveu o seu segredo para ser brilhante no seu trabalho: todos os dias escreve uma piada e todos os dias risca a data no calendário, de modo a que, em poucos dias, possa ver uma cadeia de cruzes. O crescimento em cadeia cria uma rotina rítmica e funciona como uma grande motivação.

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