O título que encontrei para esta narrativa sobre a COP 28 tem uma justificação que não vem só do senso comum de sabermos que uma palavra é uma ferramenta fundamental na comunicação humana e que tem o poder de motivar, mobilizar e até mesmo de transformar a sociedade. Também é o caso, mas o senso comum é pouco quando está em causa o bem comum da humanidade como objetivo final
POR MARIA JOÃO RAMOS
Quando comecei a escrever este texto tinha como título “A COP meio cheia ou meio vazia?” utilizando a metáfora do copo meio cheio ou meio vazio, preparada que estava para falar sobre o que correu bem e menos bem na COP28 (Conferência das Partes, órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas).
Nas últimas 24 horas a ansiedade quase me levou a escrever que estaríamos muito perto do início do fim (do planeta) e não do início do fim (dos combustíveis fósseis).
Quando ouvi as primeiras notícias da manhã confesso que fiquei bastante aliviada. A última coisa que queria era arruinar o meu otimismo e o meu sentimento de esperança de ter um resultado que permitisse ver uma luz ao fundo do túnel.
Felizmente o copo não ficou meio vazio e também não transbordou.
O título que encontrei tem uma justificação que não vem só do senso comum de sabermos que uma palavra é uma ferramenta fundamental na comunicação humana e que tem o poder de motivar, mobilizar e até mesmo de transformar a sociedade. Também é o caso, mas o senso comum é pouco quando está em causa o bem comum da humanidade como objetivo final.
Quando, no âmbito do nosso trabalho, falamos das negociações climáticas ouvimos de tudo: que os lobbies vão sempre ganhar, que é uma feira de vaidades, que é um festival, que é apenas para cumprir calendário, que pouco ou nada se faz lá (seja em que país for). Para não falar sobre as mais recentes críticas pelo local onde as COP se realizaram nos últimos anos: Egipto, Emirados Árabes Unidos e, no próximo ano, Azerbaijão. Qualquer semelhança entre estes países é pura coincidência, mas aposto que a primeira palavra que vos salta à mente será “petróleo”.
Muitas destas críticas terão fundamento e não me cabe a mim julgá-las, mas muitos não saberão nem imaginam o poder das palavras e da pontuação num texto negocial. A escolha das palavras, das vírgulas e de determinadas frases parecem pequenos detalhes, mas não são. Este é mais um exemplo disso. Peço sempre para imaginarem quase 200 países sentados numa mesa de negociações. Países com realidades e interesses opostos. Países com perspetivas, necessidades e prioridades muito diferentes. Países com diferentes responsabilidades históricas nas emissões de gases com efeito de estufa, com diferentes capacidades económicas para enfrentar os desafios climáticos e para quem cada palavra ou detalhe pode ter implicações legais, económicas e ambientais significativas. Países que analisando e avaliando a sua própria realidade não podem de ânimo leve decidir se a palavra adequada é “reduzir” ou “abandonar” (progressivamente) os combustíveis fósseis de uma forma justa, ordenada e equitativa.
Não sei se é um Acordo histórico. Sei que é um Acordo. Um Acordo que começa agora e ao qual serão adicionados objetivos, metas e datas, para além dos já que ficaram expressos como “o triplicar a capacidade global de produção de energia renovável e duplicar a melhoria anual da eficiência energética até 2030”, algo que está perfeitamente ao nosso alcance. Um Acordo em que pela primeira vez tem a palavra “abandonar”. O poder da palavra está aqui. Porque esta palavra de enorme relevância dará também ainda mais força a uma outra que foi a palavra de ordem desta COP28: ACTIONISM. É preciso agir, é preciso mudar comportamentos, é preciso mobilizar, é preciso fazer a mudança e essa é uma responsabilidade de todos.
Sei também, pesem embora as críticas, que o Presidente da COP negociou a “morte” do seu próprio negócio e quero acreditar que esse é um dos maiores compromissos a que se chegou nesta COP.
No mundo em que vivemos, com tantos desafios, incluindo a situação na Ucrânia e o conflito em Gaza e Israel, diria que a ciência saiu vitoriosa e que estamos no caminho para um planeta sustentável. Talvez agora o tom de António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, possa também passar pela alteração na utilização de palavras passando da “catástrofe” à “esperança”.
E o que mais aconteceu na COP28?
Na primeira COP em que estive, em Bali, em 2007, juntaram-se 10 mil pessoas de todo o mundo. No Dubai estavam registadas quase 100 mil pessoas. O recinto da Expo Dubai albergou 94 edifícios, cerca de 300 pavilhões de países, organizações internacionais e ONG. E na Green Zone encontramos mais de 600 eventos distribuídos pelo recinto em pavilhões dedicados à sustentabilidade, às mulheres, à tecnologia, à inovação, ao financiamento, ao conhecimento, à educação. Pelo meio encontrámos também o pavilhão da Arábia Saudita ou o Pavilhão dedicado à Terra.
Nos primeiros dias quase chocamos com o Rei Carlos de Inglaterra, Lula da Silva do Brasil, Narendra Modi, da Índia, John Kerry dos Estados Unidos, António Costa de Portugal, entre dezenas de outros presidentes, primeiros-ministros e representantes oficiais. Afinal, está em causa o futuro do planeta.
A COP começou bem com a aprovação da operacionalização do fundo de perdas e danos para os países mais afetados pelas alterações climáticas. Este Fundo destinado a apoiar a recuperação dos países mais vulneráveis dos impactos das alterações climáticas prevê o desenvolvimento de uma estratégia de longo prazo para a angariação de fundos e mobilização de recursos, de forma a obter “recursos financeiros adicionais, previsíveis e adequados”. No entanto, as promessas ficaram muito aquém do necessário. O compromisso de 100 milhões de dólares dos Emirados Árabes Unidos, o país anfitrião do Cop28, foi igualado pela Alemanha – e depois ligeiramente ultrapassado pela Itália e pela França, que prometeram ambas 108 milhões de dólares. Os EUA, que são historicamente o pior emissor de gases com efeito de estufa prometeram até agora apenas 17,5 milhões de dólares, enquanto o Japão, a terceira maior economia atrás dos EUA e da China, ofereceu 10 milhões de dólares. No total, perto de 720 milhões, uma gota no oceano.
No que respeita aos mercados de carbono, os debates em torno do organismo de supervisão e da contabilização dos diferentes tipos de créditos não foram resolvidos. As questões fundamentais relacionadas com a permanência das reduções/remoções reivindicadas terão de ser abordadas na COP29. Este é um resultado infeliz no que respeita aos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris para aqueles que procuram criar mercados de carbono dinâmicos e credíveis. Numa nota positiva, a participação do setor privado aumentou tendo também trazido um maior interesse no mercado voluntário de carbono.
No dia temático dedicado à igualdade de género, fica registado o apoio que será dado à capacitação económica das mulheres e a parceria para garantir uma transição energética sensível às questões de género. Hillary Clinton anunciou, numa reunião de alto nível da Iniciativa Mulheres na Economia Sustentável (WISE), um fundo de 1,4 mil milhões de dólares para assegurar a participação das mulheres e das raparigas na ação climática.
Foi também neste dia que a Business as Nature, ONG portuguesa e promotora do Movimento “Mulheres pelo Clima, dos Países de Língua Portuguesa para o Mundo”, apresentou no Pavilhão de Portugal o Plano de Ação até 2026, baseado em seis eixos: política e diplomacia climática; empoderamento e capacitação; ciência, tecnologia e conhecimento; comunicação e participação e cooperação e criação de redes. Neste âmbito foi assinada uma Carta Compromisso – Manifesto Mulheres pelo Clima, juntamente com o Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde, para incluir ativamente as mulheres em todas as fases das políticas ambientais, colocando o foco nos desafios urgentes das alterações climáticas e na promoção da igualdade de género como elementos indissociáveis para o desenvolvimento sustentável dos nossos países e da comunidade global.
Também foi na COP que a equipa Terra, vencedora da Viagem pelo Clima, iniciativa promovida pela Get2C, que apela à mudança de comportamentos e à ação climática, partilhou experiências e recolheu sugestões para a 2ª edição que agora se inicia.
Os jovens Michelle Zarate Palomec (México), e Sebastian Mwaura (Quénia), receberam o UN Global Climate Action Award pelos seus esforços para tornar as suas comunidades mais sustentáveis, resilientes e equitativas.
Na reunião Global Methane Pledge (GMP), foram saudadas as ações nacionais e os financiamentos para cumprir o objetivo de reduzir o metano em pelo menos 30% até 2030. Os parceiros do GMP anunciaram mais de mil milhões de dólares em novos financiamentos para ações relacionadas com o metano.
134 países assinaram a Declaração dos Emirados Árabes Unidos sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, comprometendo-se a integrar a alimentação nos seus planos climáticos até 2025.
Foi lançada a iniciativa Coalition for High Ambition Multi-level Partnerships (CHAMP), subscrita por 63 países que se comprometeram a reforçar a cooperação entre os governos nacionais, regionais e locais no planeamento, financiamento e implementação dos objetivos climáticos nacionais.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, anunciou um novo Painel sobre Minerais Críticos para a Transição Energética, com o objetivo de apoiar os países em desenvolvimento que possuem grande parte dos minerais necessários para a transição energética.
No próximo ano, na COP29, encontramo-nos no Azerbaijão.
Consultora de Estratégia e Comunicação para o Desenvolvimento Sustentável