POR HELENA OLIVEIRA
Rochester, Nova Iorque. O local que, outrora, serviu de sede à gigantesca analógica Kodak, parece agora uma cidade fantasma. Em 2013, e em grande parte devido ao facto de o Instagram “se ter vendido” nesse mesmo ano ao Facebook por mil milhões de dólares, a Kodak e a sua história centenária, cujo início remonta a 1888, transformaram-se em pouco mais do que o papel amarelecido de velhas fotografias esquecidas num antigo baú. Na altura da compra do Instagram pela empresa de Mark Zuckerberg, restavam 13 colaboradores a tempo inteiro naquela que foi, nos seus tempos áureos, a responsável pela massificação da fotografia. Os restantes 47 mil dos seus funcionários foram despedidos nesse mesmo ano.
Esta é apenas uma das muitas histórias que ilustram o destino de gigantes empresariais que, esmagados pelo poder da Internet, não se conseguiram adaptar e pereceram. Ou o epílogo do que muitos denominam como “destruição criativa” – o conceito popularizado pelo economista Joseph Schumpeter na década de 1940, e que diz respeito a um processo de inovação, que tem lugar numa economia de mercado, e em que novos produtos destroem empresas e modelos de negócio obsoletos.
Todavia, e para Andrew Keen, autor do livro recentemente lançado e intitulado “The Internet Is Not the Answer”, a história da Kodak, em conjunto com a premissa da destruição criativa, constituem apenas dois exemplos de tudo o que, a seu ver, está errado com a Internet, em particular a obsessão global de que a mesma é a melhor resposta para a democracia, para a igualdade de oportunidades, para a economia e, em primeira análise, para a sociedade no seu todo. Como escreve, “(…)em vez de democracia e diversidade… tudo o que ganhámos , até agora, da revolução digital foram menos empregos, uma superabundância de conteúdos, uma infestação de pirataria, um ‘grupinho’ de monopolistas e um estreitamento da nossa elite económica e cultural”.
Menos filosófico do que a vaga de livros que, nos últimos anos, começaram a alertar para os “perigos” da Internet, como os bestsellers de Jaron Lanier You Are Not a Gadget ou The Glass Cage, de Nicholas Carr, a obra de Andrew Keene, historiador, cientista político e ele próprio um dos evangelistas pioneiros da Internet, opta por uma abordagem mais empírica dos vários “problemas” que identifica no mundo “netcêntrico” da actualidade. Numa crítica severa e mordaz, o autor traça a história tecnológica e económica da Internet, desde as suas origens mais longínquas, em 1960, até à criação da World Wide Web, por Tim Berners-Lee em 1989, passando pelo primeiro interface gráfico – o Mosaic – de Marc Andreesen, entre outros marcos da sua já longa narrativa, com enfoque primordial nos “estragos” que a mesma tem vindo a infligir na economia, na cultura e na consciência que temos de nós mesmos.
No seguimento do seu primeiro livro, The Cult of the Amateur: How Today’s Internet is Killing Our Culture, no qual tece uma crítica feroz à obsessão dos conteúdos gerados pelos utilizadores e que caracterizou a primeira fase da denominada web 2.0, Andrew Kerr pretende “persuadir-nos a ultrapassar esta espécie de fascínio infantil que sentimos face aos enfeites natalícios do ciberespaço para que possamos concentrar a nossa atenção no mundo estranho, disfuncional, desigual e amplamente policiado que temos vindo a construir com as ferramentas digitais”. Ou, como escreve o The Guardian, numa crítica ao livro, “tentar acordar-nos do pesadelo no qual vivemos como sonâmbulos”.
“A Internet é um fracasso épico”, afirma Keen
Ao contrário dos optimistas da Internet, cuja narrativa dominante reza que não existe, em toda a história, nenhuma outra tecnologia que mais tenha contribuído para a liberdade, para a informação e para conferir voz aos que não a têm, Keen argumenta que, ao longo de toda a sua evolução, a Internet acabou por se transformar numa máquina global responsável pela criação de um mundo caracterizado por uma ampla e crescente desigualdade: “o erro que os evangelistas fazem é assumir que a tecnologia aberta e descentralizada da Internet se traduz numa sociedade menos hierárquica ou desigual”, escreve.
Apesar de a tecnologia em causa ter, realmente, a capacidade para libertar, informar e conferir poder aos mais desfavorecidos, entre outros benefícios inexoráveis, para Keen o problema reside no facto de essa não ser a “história toda”, temendo, ao invés, que a mesma acabe por ser o capítulo menos importante do imenso universo virtual representado pela Internet.
Adicionalmente, Keen critica severamente a “geração digital dos senhores do universo”, afirmando que apesar de este novo poder estar enraizado numa rede sem fronteiras, o mesmo traduz-se ainda numa riqueza astronómica e poder desmesurado e concentrado numa mão cheia de empresas e indivíduos. O exemplo da Amazon é um, entre vários, escolhido pelo autor para dar consistência ao argumento de que os empreendedores que esperam vir a ter um lugar na historia como “heróis dos negócios”, nada mais são do que uns hipócritas, cuja fortuna foi amealhada à custa da “disrupção” de milhões de postos de trabalho.
Keen recorda ainda que a gigantesca livraria virtual destruiu as suas congéneres físicas, enviando os seus trabalhadores para a rua, mas falha ao omitir que a ascensão dos livros digitais – representada, sem dúvida, como expoente máximo pela própria Amazon -, permitiram o acesso a milhões de títulos através de uma distribuição muito mais ampla que, para além de oferecer o acesso instantâneo a esse manancial de conhecimento, o tornou também muito mais barato.
Na sua lista de “diabos”, são poucos os que escapam. Senão vejamos: “todos nós estamos a trabalhar de graça para o Facebook e para a Google, ao ‘produzirmos’ os nossos dados pessoais responsáveis pelos lucros astronómicos que estas empresas auferem”; ou, recordando o facto de o Twitter oferecer refeições gratuitas aos seus empregados, o mesmo está a contribuir para “destruir o negócio dos cafés e restaurantes locais”; ou o facto de a indústria da música ter sido selvaticamente atacada por aquilo que Keen apelida de uma “cleptocracia em rede” inaugurada pelo Napster e companhia. E os exemplos continuam.
Para Keen, a internet é um tremendo fracasso. “Em vez de criar riqueza, a economia digital não regulada está, gradualmente, a empobrecer-nos a todos”, afirma. “Em vez de gerar novos empregos, está a contribuir significativamente para aumentar o desemprego”, acrescenta. “Em vez de promover a igualdade, está a aumentar o fosso entre ricos e pobres” e “em vez de ser uma via para os políticos por nós eleitos prestarem contas, está a transformar o globo inteiro numa gaiola de vido iluminada onde tudo é visto e gravado”. E, mais ainda: “em vez de promover a tolerância e a compreensão, está a conferir poder a criminosos violentos”. E, por último, “em vez de encorajar uma nova ‘era do renascimento’, está a encorajar uma cultura de distracção, vulgaridade e narcisismo”.
Apesar de os argumentos serem sempre bem documentados – e de sermos levados, em vários casos, a concordar com as suas ideias – a fragilidade do livro reside numa postura quase obsessiva face à diabolização da Internet. Mesmo salvaguardando-se de que nem tudo na Internet é horrível, não parecem existir dúvidas também que a trilogia “ inovação, oportunidade e democracia” muito ganhou com o acesso à rede das redes.
E, afinal, se a Internet não é a resposta, qual é a resposta então? Recordando que estamos prestes a chegar aos 50 anos da era da Internet [tomando como início os anos de 1960], Keen alerta para os próximos 25, os quais, a seu ver, serão críticos, na medida em que em 2039, a esmagadora maioria da população mundial estará online. Sublinhando, mais uma vez, que aquilo que temos na actualidade é uma “economia do topo para as bases” e em que as elites poderosas representadas pelas empresas monopolistas como a Google, o Facebook e a Amazon “ganham tudo”, Keen sonha com uma sociedade em rede, sim, mas na qual exista uma verdadeira “justiça na distribuição”, mais apostada em questões de cidadania e não de consumo e que a mesma seja gerida por “uma cultura de responsabilidade”, em vez de normas ditatoriais. Ou como escreve: “acima de tudo, o que precisamos é de uma Internet que beneficie toda a gente, em vez de o fazer apenas para um grupo de empreendedores idiotas de Silicon Valley”.
E, neste caso, há que estar de acordo. Afinal, é o que todos desejamos não só para o mundo virtual mas, e em particular, para o mundo real.
As 10 razões devido às quais Andrew Keen considera que a Internet não é a resposta
- Em vez de redistribuir o poder e a riqueza, criou os sobredimensionados monopolistas do século XXI, como a Amazon e a Google;
- Em vez de criar postos de trabalho, criou 19 mil milhões de startups de que é exemplo a WeChat que emprega apenas 55 pessoas;
- Tal como as fugas de informação reveladas por Snowden comprovaram, em vez de criar uma sociedade transparente e saudável, está a destruir a nossa privacidade e a permitir que os governos e as empresas privadas nos espiem a qualquer momento;
- Em vez de democratizar a riqueza, a economia de Silicon Valey representada por startups no valor de milhares de milhões de dólares, como é o exemplo da Airbnb [o ‘mercado’ comunitário no qual os hóspedes podem reservar espaços de anfitriões, ligando pessoas que têm espaço em suas casas com aqueles que estão à procura de um lugar para ficar], que contribui para o alargar do fosso entre ricos e pobres;
- Em vez de um renascimento cultural, a pirataria online e os conteúdos “gratuitos” da blogoesfera e dos media sociais dizimaram a música, os jornais e as indústrias da fotografia e dos livros;
- Em vez de contribuir para o progresso da democracia, redes anónimas como a Reddit e a 4Chan estão a conferir um poder desmesurados a grupos violentos;
- Em vez de encorajar a tolerância, redes como o Twitter e o Facebook estão a contribuir para o aumento do racismo, do sexismo e do bullying;
- Em vez de alimentar um renascimento cultural, deu origem a uma era egocêntrica de narcisismo em redes como o Instagram;
- A denominada “economia da partilha” das redes é, na verdade, a economia egoísta de empreendedores eticamente duvidosos como o CEO da Uber [o serviço que permite chamar motoristas privados através de uma aplicação móvel e que é contestado pelos taxistas], Trevis Kalanic;
- Coloca-nos todos a “trabalhar” em fábricas de dados como o Tumblr e o Pinterest, gratuitamente, enquanto “eles” vão enriquecendo com esses mesmo dados que fornecemos sobre nós todos os dias.
Editora Executiva
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