De acordo com um estudo recente realizado pela PricewaterhouseCoopers, a resposta é um potencial “sim”. Pelo menos para as organizações que se preparam previamente, que aprenderam com erros passados e que têm planos de contingência para testar, antecipar e gerir incidentes de natureza múltipla, a probabilidade de saírem mais fortes de uma crise depois de esta lhes bater à porta é significativa. O mesmo não acontece com as empresas que falham nestes objectivos e que podem ver a sua organização cair numa espiral descendente da qual dificilmente poderão escapar
POR HELENA OLIVEIRA

Pela primeira vez, a PricewaterhouseCoopers conduziu um estudo abrangente que integra dados de crises corporativas em organizações de todas as dimensões, em 25 sectores e em 43 países, com respostas de 2084 executivos que as tiveram de saber gerir e ultrapassar, num total de 4515 crises analisadas.

Como se pode ler no próprio estudo intitulado – Crisis Preparedness as the next competitive advantage: Learning from 4,500 crisis, em vez de “analisar simplesmente o problema”, a consultora utilizou os dados recolhidos como ponto de partida para inverter o que habitualmente pensamos sobre gestão de crises. Os responsáveis da PwC analisaram criteriosamente as empresas que se auto-identificaram como tendo emergido mais fortes da pior das suas crises e compararam-nas com as suas congéneres que não se saíram tão bem. O que é que estas organizações fizeram de diferente? Que passos prévios foram dados para se prepararem para um possível embate? Será que é possível que uma crise se transforme numa experiência positiva, ao ponto de criar até uma vantagem competitiva? De acordo com o estudo, a resposta é afirmativa para esta última questão para cerca de 40% das organizações. E a ideia é que as empresas saibam como antecipar maus momentos, começando desde já a prepararem-se para tal.

Nenhuma organização está imune a uma crise

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De acordo com a PwC e para o inquérito elaborado para este estudo em particular, uma “crise” é accionada por factores significativos, internos ou externos, ou pelo escalar de incidentes aparentemente sem significado, tendo um impacto alargado e multifuncional na empresa, criando disrupção nas operações de negócios normais e com potencial significativo para danificar a sua reputação.

No universo analisado, sete em cada 10 líderes (69%) questionados tiveram de lidar pelo menos com uma crise corporativa nos últimos cinco anos, com o número médio destas a ascender a três ao longo do mesmo período. E quanto maior for a empresa – com mais de cinco mil empregados – maior é o risco de o número chegar a cinco, com uma por cada ano. Sem surpresas, estas (e outras) crises vieram para ficar, com quase todos os respondentes (95%) – mesmo os que não tenham reportado nenhum problema até agora – a esperar virem a ser atingidos por uma no futuro. Por outro lado, as crises não discriminam: tal como as próprias empresas, surgem de todas as formas e feitios e nenhuma, em nenhuma região, sofre de imunidade a esta “doença”.

Adicionalmente, a própria definição de crise varia de indústria para indústria. Dando como exemplo um temporal, para uma empresa de serviços financeiros será um evento sem efeitos colaterais, a passo que para uma utility poderá desencadear uma catástrofe. Para captar a abrangência desejada para o estudo, a PwC listou 19 possíveis desencadeadores de crise, os quais foram seguidamente classificados em sete grandes categorias – operacional, tecnológica, humanitária, financeira, legal, capital humano e reputacional – para facilitar uma análise mais elaborada.

Assim, mais de metade dos inquiridos (53%) afirmou que pelo menos uma das crises experienciadas foi de natureza operacional, incluído quebras operacionais, disrupção competitiva, questões relacionadas com a cadeia de abastecimento e várias falhas em projectos – uma estatística que faz sentido dada a centralidade das operações em qualquer que seja a actividade empresarial.

As crises relacionadas com a tecnologia despoletadas por falhas tecnológicas e/ou por cibercrimes – foram citadas por um terço (33%) de todos os respondentes que admitem tê-las enfrentado, com as categorias “humanitária” (29%) e “financeira”(28%) a seguirem-nas de perto.

Já as empresas de grande dimensão, com cinco mil ou mais empregados, são mais propensas a passar por crises relacionadas especificamente com o cibercrime (26%), desastres naturais (22%), liderança (17%) ou má conduta ética (16%), incluindo fraude, corrupção e actos ilícitos.

Entre todas as categorias, as empresas listam as questões de liquidez, as falhas tecnológicas e a disrupção operacional como as crises mais disruptivas que enfrentaram, apesar de as suas preocupações futuras se concentrarem no cibercrime (38%), na disrupção do mercado (37%) e na má conduta ética (20%).

Os tipos de crises experienciadas variam igualmente de região para região. Enquanto as disrupções operacionais ou tecnológicas são mais frequentes na Europa Ocidental, na Austrália, Índia ou Japão, as de liquidez financeira são mais comuns no resto da Ásia, no Brasil e na Europa do Leste e Central, com os desastres naturais e o cibercrime a afectarem mais os Estados Unidos.

De quem é a culpa? De todos e de nenhum

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Apesar de os resultados do estudo apontarem para uma não-agregação em torno de uma única função como a mais provável de “ter dado origem” à crise, foram os respondentes com cargos de topo os que mais facilmente chamaram a si a responsabilidade pela mesma. Todavia, existe nesta mesma responsabilização uma sobreposição de funções e imputações, as quais servem para acentuar a preocupação no sentido de uma coordenação, comunicação e tomada de decisão eficaz, necessárias para lidar com o problema. Este factor é sublinhado a partir do momento em que os inquiridos listam a capacidade para tomar decisões atempadas e deliberadas como a área de maior vulnerabilidade – e consequentemente a de maior importância – em tempo de eventos disruptivos.

Um outro sinal de como as empresas se estão a tornar mais sofisticadas e atentas à crise prende-se com o facto de quase três quartos (74%) das empresas auscultadas procurarem ajuda externa durante ou logo após a crise que estão a enfrentar. Por outro lado, menos de três em cada 10 (29%) afirmam não ter uma equipa dedicada à antecipação de uma crise ou focada numa resposta à mesma. Esta tendência no sentido de existirem recursos internos ou externos comprometidos e alocados à resolução de problemas graves demonstra de que forma a gestão de crise está a transformar-se num programa táctico para proteger a estratégia corporativa por parte dos mais altos níveis da organização.

Uma crise nunca vem só?

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O que não nos mata torna-nos mais fortes? De acordo com os resultados e de certa maneira, sim. Das 1400 empresas que já enfrentaram uma crise de grandes proporções, 42% afirmam “estar em melhor estado” no pós-crise, com algumas delas a reportarem até um crescimento nas receitas como resultado directo da sua gestão de crise. No entanto, 39% declaram encontrar-se numa posição similar – depois da crise – e 19% pior antes de a mesma ter estalado.

Mas qual o segredo das que melhoraram a sua saúde? Como veremos adiante, o relatório sublinha os passos específicos de preparação que estas empresas deram para se posicionarem mais à frente do que as suas congéneres. E estas mesmas medidas são passíveis de ser adoptadas por qualquer empresa, para que seja possível emergir mais forte e saudável daquela crise que – e não nos enganemos – é provável que as atinja quando menos esperarem.

Todavia, há que não descurar, de todo, o facto de que as crises batem forte e sem discriminação, penetrando todas as camadas da organização e afectando tanto os stakeholders internos como os externos mediante formas singulares.

Os dados confirmam assim a natureza sobreposta dos impactos da crise, que afectam desde os relacionamentos de negócios (74%), a reputação (61%) e a moral da força de trabalho (59%), ao mesmo tempo que dão origem a questões legais (57%), a perdas económicas (57%) e a consequências ambientais (20%). Adicionalmente, as crises dão igualmente lugar a “sub-crises”, numa espécie de efeito cascata, com cada uma delas a gerar novas consequências, tanto internas como externas.

O que os líderes “experientes em crises” admitiram, nas suas respostas ao estudo, foi o facto de que independentemente da natureza da crise inicial, 47% sofreram igualmente uma crise operacional complementar , sendo que a principal consequência dessa turbulência se traduziu em termos concorrenciais, com a disrupção do mercado  (20%), com mais de um quarto das empresas a terem de lidar igualmente com questões reputacionais e com 22% a enfrentarem complicações legais.

De realçar que o presente estudo da PwC mapeou, pela primeira vez, as várias probabilidades de existirem impactos específicos e crises complementares decorrentes da crise inicial.

Apesar da disrupção do mercado se apresentar como a mais mencionada crise adicional depois do problema principal ocorrer, esta é também a mais comum em particular nas empresas que passaram por crises financeiras severas (35%), o que sugere que o problema de liquidez pode obstruir seriamente a posição concorrencial da empresa em causa ao longo de vários anos.

Por seu turno, as crises de reputação afiguram-se como potencialmente traiçoeiras, com uma em cada quatro empresas a reportar pelo menos uma crise reputacional subsequente e uma em cada cinco a atestar o seu efeito “cascata”, em particular relacionada com má conduta ética e transição na liderança.

A “reacção em cadeia” cumulativa das crises causa estragos ao longo do tempo. Mas também revela os principais focos de pressão – sejam funcionais ou culturais – existentes no interior das organizações que a tornam mais vulnerável e mais facilmente atacável. E são exactamente estes focos problemáticos que se posicionam como pontos de partida para que se possam erguer muros de defesa, aumentar a preparação e esperar melhores resultados quando a crise se instala.

Qual o segredo para sair mais forte do embate?

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Os especialistas em crises corporativas sabem que os danos potenciais das mesmas – e independentemente de se sair mais ou menos forte depois do embate – não são tão governados pela natureza da crise quanto o são pela forma como a organização lida com eles assim que é atingida pelo golpe. E existem três elementos por excelência para uma gestão de crise bem-sucedida: o nível de preparação, uma abordagem baseada em factos e a eficácia da comunicação com todos os stakeholders.

Numa crise, apurar os factos o mais rapidamente possível e basear a resposta nessa mesma análise é crucial para resultados bem-sucedidos. Informação incorrecta, insuficiente ou enganadora (ou até informação correcta divulgada na altura errada ou de forma desacertada) poderá aumentar a exposição da organização ou ampliar a crise pela qual esta está a passar.

E, de acordo com os dados do estudo, há muito a fazer neste campo. Apesar de 87% dos entrevistados concordarem sobre a importância de se estabelecer os factos de forma precisa, quase 4 em cada 10 respondentes confessaram não ter a informação certa na altura em que mais precisavam para levar a cabo uma estratégia de resposta, com um quarto das organizações a admitir igualmente que não soube comunicar eficazmente nas suas mais sérias crises. Tal representa uma oportunidade significativa para as empresas aprenderem com os erros das suas congéneres investindo mais na procura dos factos logo que a crise ocorra.

O estudo reconheceu igualmente um desequilíbrio entre os fluxos de informação internos e externos: enquanto os executivos se mostram geralmente mais confiantes nas dinâmicas da sua comunicação interna, sentem-se muito mais vulneráveis em comunicar com os seus stakeholders externos, com 38% a posicionarem esta dificuldade no top 3 das suas áreas de vulnerabilidade. O que faz sentido considerando que as equipas internas são naturalmente mais familiares aos líderes de negócio, apesar de não fazer sentido algum quando se consideram os riscos bem documentados de uma resposta pública desadequada ou incompleta ou o facto de o maior dos riscos poder ser proveniente do facto de se manter qualquer um dos stakeholders – clientes, reguladores, accionistas ou os media no escuro.

Assim, e de acordo com os responsáveis do estudo da PwC, eis o que as empresas devem fazer.

  1. Alocar um orçamento para a preparação da crise – antes que esta aconteça.

Mais de 4 em 10 dos respondentes (41%) que afirmaram sair mais fortes no pós-crise alocaram um montante significativo para a sua gestão antes de esta atingir a empresa, com uma percentagem idêntica (39%) a testemunhar um crescimento das suas receitas como resultado. Este comportamento atesta a recompensa do investimento proactivo num programa de resposta à crise e na estrutura de governança.

 

  1. Ter um plano e testá-lo. Por uma margem próxima de 2 para 1 – 54% versus 30% -, as organizações que tinham um plano de resposta para a crise saíram-se muito melhor face às que não o tinham. E aqueles que mantêm o seu plano de crise actualizado e que implementaram lições aprendidas anteriormente mostraram-se quatro vezes mais propensas a dela saírem com sucesso. Estar preparado não implica, contudo, saber-se antecipar qualquer que seja a eventualidade: enquanto é correcto estar consciente de tipos específicos de “gatilhos” que poderão colocar riscos à sua indústria, assegure-se que o plano de crise não está apenas relacionado com um ou dois cenários possíveis. Deverá, igualmente, apostar num programa holístico e flexível. E testá-lo novamente. Esta é a diferença entre estar confiante nas decisões que tomará em contexto de crise e exibir reacções precipitadas no calor do momento.

 

  1. Adoptar uma abordagem baseada em factos e não negligenciar nenhum stakeholder. Três quartos dos que afirmam ter saído mais fortes de uma crise reconhecem a importância de estabelecer os factos de forma precisa durante a crise. Mas à medida que se concentra na procura das causas e na sua estratégia de comunicação, é imperativo que não se concentre apenas em um ou dois grupos de stakeholders. Considere cuidadosamente, e antecipadamente, a vasta diversidade de necessidades e interesses de qualquer que seja o stakeholder, interno ou externo, bem como os mecanismos apropriados para uma comunicação bidireccional para cada um deles, assegurando-se que todos serão abrangidos quando chegar a altura de comunicar numa emergência. Um verdadeiro envolvimento e uma comunicação transparente é o que levará os stakeholders externos a continuarem a apoiá-lo ao longo do período de cris.

 

  1. Leve a cabo uma análise de causas e dê-lhe seguimento. Aqueles que acabaram por ficar numa melhor posição no pós-crise realizaram uma análise criteriosa das causas responsáveis pela sua erupção e da forma como geriram o problema, com 80% dos mesmos a agirem de acordo com os resultados: um terço (33%) fez algumas mudanças, um quarto (24%) definiu vários projectos que tinham de ser terminados e 24% estão agora em modo de “acção”: ou seja, identificando e seguindo iniciativas de remediação para evitar ou reduzir o impacto do mesmo tipo de crise e olhando para um horizonte de longo prazo para identificar riscos e oportunidades relacionados com uma potencial nova crise. A maioria está também a incorporar alterações nos seus planos de resposta à crise e na documentação das lições aprendidas.

 

  1. Trabalhe em equipa e mantenha-se fiel aos seus valores. Existe sempre uma forte correlação entre um excelente trabalho de equipa e excelentes resultados. A esmagadora maioria (93%) das empresas que se auto-identificou como estando “melhor posicionada”depois da crise ter ocorrido, confirma que agiu em equipa para responder à mesma, com maiorias similares a declarar tê-lo feito com integridade. Inversamente, uma ausência de harmonia interna poderá dificultar sobremaneira a gestão de crise. Dos que confessaram ter ficado em pior posição depois de serem “atacados”, apenas 39% confirmaram ter trabalhado em equipa. É igualmente útil utilizar experiências de crise – reais ou simuladas – como uma oportunidade para mobilizar a sua equipa e fortalecer a sua cultura interna.

Todas as crises servem para ampliar comportamentos. A experiência de se atravessar um problema pode trazer o melhor, e o pior, da empresa e das suas pessoas. Sobreviver em conjunto a uma crise oferece a oportunidade maior de as pessoas se ligarem mais fortemente entre si – e à própria organização – do que muitas declarações de valores. E, pelo contrário, uma resposta pobremente planeada e executada pode empurrar uma organização, ou uma equipa, para uma espiral descendente da qual poderá nunca a vir a recuperar.

Analisadas em conjunto, estas conclusões deverão conferir a todas as organizações algum descanso e esperança. E o que mais sobressai desta análise não é o número de empresas que sobreviveram a grandes crises nos últimos cinco anos, mas sim e na verdade, o facto de as crises representarem não só uma ameaça, como uma oportunidade.

Um incidente bem gerido permite-lhe desenvolver o sistema imunitário da sua empresa, capacitando-o para aceitar oportunidades mais arriscadas, com a confiança de que ameaças futuras poderão ser identificadas e abordadas rapidamente. E esse é o factor crucial para uma vantagem competitiva sustentável.

Editora Executiva