Esta é a realidade complicada – e pouco invejável – para muitos executivos seniores, uma vez que o mais recente inquérito da PwC sobre as esperanças e receios da força de trabalho global revela que uma parte considerável da mesma está ansiosa por aprender novas competências, adoptar a inteligência artificial (IA) e enfrentar novos desafios, apesar de muitas empresas não tolerarem o debate e as ideias divergentes, ou mesmo os fracassos em pequena escala. Entretanto, muitos trabalhadores estão tão inquietos como insatisfeitos: 26% dizem que tencionam deixar o seu emprego nos próximos 12 meses face a 19% no ano passado
POR HELENA OLIVEIRA

Como se pode ler na sua introdução, o inquérito Global Workforce Hopes and Fears, o quarto de uma série que remonta a 2019 e elaborado pela PricewaterhouseCoopers, obteve respostas de quase 54 000 trabalhadores em 46 países e territórios e sublinha o desafio central enfrentado pelos CEOs e outros líderes de topo: é necessário reinventar a organização, mas sem o apoio e a energia de todos os colaboradores, estes esforços falharão. E no ambiente actual – em que as lacunas de competências parecem estar a aumentar e em que mais empregados lutam financeiramente apenas para sobreviver – não se pode tomar nada como garantido no que respeita à força de trabalha ou à cultura da organização

Com esse desafio em mente, a consultora PwC dividiu o inquérito deste ano em quatro principais acções que CEOs e outros executivos seniores devem ter em especial atenção, estabelecendo-as como prioridades, para melhor compreenderem o que realmente querem os seus trabalhadores para que uma maior reinvenção da empresa tenha lugar.

Em tempos de regresso ao “normal anormal”, os resultados deste inquérito consistem numa boa ajuda. 

Os líderes empresariais têm a responsabilidade de ajudar a criar um futuro mais equitativo para a sua força laboral

A maioria dos líderes empresariais considera o dinamismo e a disrupção do trabalho e das competências como um dado adquirido. E, de acordo com o Fórum Económico Mundial, os empregadores estimam que 44% das competências dos trabalhadores serão alteradas nos próximos cinco anos.

No entanto, os trabalhadores inquiridos parecem ver as coisas de forma diferente. Apenas 36% dos inquiridos, no seu conjunto, concordam forte ou moderadamente que as competências necessárias para serem bem-sucedidos no seu trabalho irão mudar significativamente nos próximos cinco anos, e apenas 43% dizem ter uma noção clara de como as competências necessárias para o seu trabalho irão mudar ao longo desse período. Adicionalmente, apenas 15% destes inquiridos afirmam que as competências necessárias para desempenhar as suas funções irão mudar nos próximos cinco anos, em comparação com 51% dos seus homólogos cujas funções são mais especializadas. Este facto pode deixar os trabalhadores que não têm formação especializada particularmente vulneráveis a perdas de emprego, à medida que as competências continuam a evoluir e que as empresas aumentam (ou substituem) os postos de trabalho com a automatização, a IA ou ambas.

No que diz respeito às atitudes dos trabalhadores, o inquérito revelou que as pessoas sem formação especializada têm muito menos probabilidades de afirmar que as competências humanas cruciais – incluindo a adaptabilidade e a flexibilidade, o pensamento crítico e a colaboração – serão importantes para a sua carreira nos próximos cinco anos. Estes pontos de vista diferem fortemente face às respostas dos empregadores no estudo do Fórum Económico Mundial, o qual assinalou a importância crescente das competências de resolução de problemas complexos no local de trabalho, bem como a importância crescente da resiliência, flexibilidade e agilidade.

Para os CEOs inquiridos, a questão que devem colocar a si mesmos tem como foco a existência ou não das competências necessárias para que a transformação necessária siga o seu curso. Se os trabalhadores podem ser “perdoados” por não terem uma visão clara das suas necessidades futuras em termos de competências, os empregadores não podem obter essa desculpa. Todas as equipas de liderança devem ser capazes de traçar uma linha directa entre as capacidades de que necessitam para crescer e inovar e os resultados comerciais específicos que pretendem alcançar, incluindo a transformação. Mas este não é um exercício estático. Os líderes também devem estar preparados para ajustar o plano – repetidamente – à medida que o ambiente muda. E, ao longo de todo este processo, têm de comunicar de forma consistente o que estes factores de mudança significam para os seus colaboradores, de modo a aproveitar a sua energia e evitar surpresas. Os líderes empresariais têm a responsabilidade de ajudar a criar um futuro mais equitativo para a sua força laboral, dando a todos oportunidades iguais para melhorar as suas competências e requalificarem-se em prol de um caminho claro para o futuro. 

Por outro lado, os líderes bem-sucedidos reconhecem que os seus planos de transformação dependem de empregados que possam traduzir a sua visão em acção. Os executivos de topo podem ajudar a criar um sentido de urgência em torno da melhoria de competências com maior clareza e transparência. Mas não se podem esquecer do valor da inspiração. Enquanto líderes, há que criar uma narrativa em torno da visão para o futuro das suas organizações e alinhá-la com o seu objectivo e a missão. Encorajar os empregados a fazerem perguntas e a envolverem-se ajuda a criar sentimentos de pertença e inclusão.

Se os executivos de topo desejam criatividade e inovação, os seus empregados devem sentir-se seguros para testar e aprender – e até falhar – sem medo de represálias

Apesar de a maioria dos líderes reconhecer que os seus colaboradores são a melhor fonte de energia, ideias e inovação da empresa, as conclusões do inquérito sugerem que muitas empresas desencorajam as pessoas de experimentar, debater ideias ou discordar do status quo, que consistem em acções críticas para a inovação e o envolvimento dos empregados, para não falar da reinvenção da empresa. E o problema é muito pior do que os executivos pensam.

Por exemplo, apenas 35% dos inquiridos afirmam que o seu superior hierárquico tolera fracassos de pequena escala e apenas 33% afirmam que o mesmo incentiva a discordância e o debate, percentagens muito inferiores às que os próprios CEOs indicaram no 26º Inquérito Anual Global aos CEOs da PwC sobre o qual o VER também escreveu

Além disso, apenas cerca de metade dos trabalhadores considera o seu trabalho gratificante ou afirma que pode ser verdadeiramente “ele próprio” no ambiente laboral em que vive, resultados comparáveis aos do inquérito do ano passado. É de salientar que aqueles que afirmam que é provável que mudem de emprego nos próximos 12 meses têm também menos probabilidades de afirmar que consideram o seu trabalho gratificante ou que podem ser eles próprios nas empresas a que pertencem, o que sugere que estes factores desempenham um papel fundamental na mudança organizacional.

Assim e se os executivos de topo desejam criatividade e inovação, os seus empregados devem sentir-se seguros para testar e aprender – e até falhar – sem medo de represálias. Mas será que sentem esta abertura? Se os líderes empresariais cresceram numa era de expectativas claras e em estruturas de comando e controlo, encorajar os seus colaboradores a correr riscos e a atacar problemas de formas não convencionais pode não lhes parecer natural. Desta forma, a sugestão da Pwc é que se centrem na promoção destas condições clarificando a linha entre os pequenos fracassos que fazem parte de qualquer projecto e os grandes fracassos que só podem ser evitados se os líderes colocarem as barreiras de segurança certas. 

E no que respeita a uma cultura que pode estar a provocar uma desconexão de alguns funcionários? A cultura da empresa pode parecer muito diferente face à visão do topo e dos demais empregados, não sendo possível corrigir o que não se vê. Fazer um inventário da cultura da empresa ajudará a compreender como é que a cultura de uma organização é única, clarificando em parte os traços que as pessoas identificam quando a descrevem e os comportamentos que seguem habitualmente, sem esquecer que há que adoptar uma abordagem multifacetada e não se limitar a ouvir “dentro” da sua organização. A escuta social e a monitorização online dos sítios Web de avaliação dos empregados e das plataformas de redes sociais podem revelar problemas culturais que os empregados não partilham directamente com os seus líderes. 

O stress económico dos trabalhadores, para além de prejudicar o seu bem-estar emocional e físico, prejudica igualmente a sua produtividade e empenho

No contexto de incerteza económica e de inflação elevada que vivemos, os trabalhadores de todo o mundo estão a sentir um angustiante aperto. A percentagem de trabalhadores que afirmam ter dinheiro de sobra no final do mês diminuiu para 38% este ano face a 47% em 2022. E a percentagem de inquiridos que têm dificuldade em pagar as suas contas todos os meses ou que não as conseguem saldar na maior parte do tempo aumentou para 17% versus 12% no ano transacto.

O stress financeiro é perturbador para os trabalhadores e, em última análise, também para as empresas. Um outro estudo recente da PwC sobre o bem-estar financeiro dos trabalhadores revelou que o stress económico – para além de prejudicar o bem-estar emocional e físico das trabalhadores – prejudica igualmente a sua produtividade e empenho. O estudo também revelou que os trabalhadores com stress financeiro tinham quase cinco vezes mais probabilidades de afirmar que as questões de finanças pessoais constituíam uma “distracção” no trabalho.

A pressão financeira e a necessidade de procurar salários mais elevados são certamente factores que contribuem para o aumento da vontade dos inquiridos de procurar um novo emprego. Apesar da actual incerteza económica, uma percentagem mais elevada dos trabalhadores face a 2022 (26% contra 19%), afirma que tenciona mudar de emprego nos próximos 12 meses. E embora muitas pessoas com um segundo emprego citem a oportunidade de aprender novas competências como uma das razões (36%) para fazerem este esforço, é quase duas vezes mais provável que o façam para ganhar mais dinheiro (69%).

Adicionalmente, os encargos financeiros que os empregados estão actualmente a enfrentar pressionam as empresas a considerar aumentos salariais de base ou do custo de vida. Além disso, nunca é uma má altura para as empresas se certificarem de que estão a oferecer pacotes de remuneração competitivos para atrair novos candidatos – e que não estão a perder os seus melhores colaboradores para concorrentes que oferecem salários mais elevados. 

É imperativo ajudar os colaboradores no que respeita as competências humanas que a IA não pode replicar, como a adaptabilidade e flexibilidade, a colaboração e a liderança

O entusiasmo – juntamente com a preocupação – que estamos também a viver em torno da IA e, em particular, no que respeita às aplicações de IA generativa, como o ChatGPT, entraram no local de trabalho, conquistaram a imaginação e reuniram centenas de milhões de utilizadores em todo o mundo. Os inquiridos do estudo mostram-se bastante optimistas em relação à IA, citando os seus impactos positivos com mais frequência do que os negativos. Mais de metade dos trabalhadores escolheu pelo menos uma afirmação positiva sobre o impacto da IA na sua carreira, de que são exemplo o aumentar da produtividade, as oportunidades para aprender novas competências ou a criação de oportunidades de emprego, enquanto um pouco mais de um terço escolheu pelo menos uma afirmação negativa.

Como seria de esperar, as pessoas com formação especializada têm mais probabilidades de vislumbrar o impacto da IA na sua carreira, tanto de forma positiva como negativa. No entanto, as pessoas sem formação especializada têm menos probabilidades de antecipar os impactos da tecnologia e têm mais probabilidades de se encontrarem entre os 22% dos inquiridos a nível global que afirmam não pensar que a IA terá qualquer impacto no seu trabalho.

Esta constatação é mais uma prova da necessidade de dar prioridade ao desenvolvimento de competências humanas em toda a força de trabalho, mas particularmente para os trabalhadores cujas funções não requerem competências especializadas. As competências humanas não podem ser substituídas por um algoritmo, permitindo que as pessoas se adaptem a qualquer nova tecnologia à medida que esta surge.

Desta forma, os executivos de topo devem definir o “tom” da organização no que diz respeito à IA e a outras tecnologias disruptivas. Criar e comunicar uma narrativa forte que abranja o que o futuro do trabalho significa para as empresas e para as pessoas, ao mesmo tempo que se aposta na transparência e na orientação para o objectivo no que diz respeito aos seus planos e decisões, poderão também ajudar os funcionários que desconfiam da IA – e do que ela pode significar para os seus empregos – a sentirem-se mais à vontade para a experimentarem e até para a adoptarem no seu trabalho, quando apropriado. Ao mesmo tempo, é igualmente imperativo ajudar os colaboradores no que respeita as competências humanas que a IA não pode replicar, como a adaptabilidade e flexibilidade, a colaboração e a liderança.

Fonte: PwC´s Global Workforce Hopes and Fears Survey 2023

Foto: © Vladyslav Tobolenko/Unsplash.com

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