Cai a chuva de Setembro e (quase) todos se queixam. Nos últimos anos, o Verão tem entrado invariavelmente pelo Outono e houve dias de praia em datas impensáveis há poucas décadas. O tempo é tema de conversa em todo o mundo. Se evocarmos um dia especial, recordamo-nos certamente do tempo que fazia. Há ditados em todas as culturas e o que é normal é o que por vezes nos surpreende. Estaremos sós no nosso pasmo por esta precipitação?
POR PEDRO COTRIM

 Se lermos as normais climatológicas, vemos que em Setembro, habitualmente, se assinala o fim da estação seca na maior parte do território continental. Como coincide com o Verão, temos a infelizmente habitual época de incêndios.

No dia 7 de Setembro percorrem-se 250 dias do ano. É altura da rentrée e também de dizermos que daqui ao Natal é um pulinho. Não vale a pena assentarmos a atenção à rapidez do tempo que passa, que bem sabemos que assim é. Faremos uma breve história meteorológica destas duas centenas e meia de dias. Será impossível uma análise exaustiva, mas ficará aqui o trabalho possível.

2023 foi recebido com calor na Europa Central. No dia 1 de Janeiro, atingiram-se os vinte graus em cidades que registam temperaturas médias de Inverno próximas de zero. Na Polónia, na Áustria, na República Checa e demais vizinhos, viveu-se um dia primaveril. Os desvios, trazidos aqui para as nossas bandas, seriam equivalentes a estarem quase trinta graus em Lisboa ou no Porto e vinte e poucos nas cidades mais frias do país.

Janeiro, em Portugal Continental, classificou-se como quase normal em termos de temperatura e precipitação. Esteve calor na primeira parte do mês e frio na segunda, com as habituais quedas de neve a altitudes superiores a 500 metros.

Em Fevereiro, as ilhas Baleares ficaram cobertas de neve. Nos aviões que sobrevoaram o Mediterrâneo viram-se montes brancos a erguerem-se do mar – é uma situação rara, mas longe de ser inédita. Em Portugal Continental, Fevereiro foi normal em relação à temperatura do ar e muito seco relativamente à precipitação. O final do mês foi bastante frio com algumas estações amadoras do interior a registarem dez graus negativos. A situação nada tem de anormal. Muito estranha foi a situação do Inverno novaiorquino: a primeira queda de neve ocorreu apenas no dia 1 de Fevereiro – um triste recorde.

Março foi quente e seco em Portugal Continental. Houve valores muito elevados de temperatura no sudoeste da Europa e em Marrocos. Na Turquia houve cheias, que se sucederam após os terríveis terramotos. Obviamente que a actividade tectónica e a atmosfera não estão relacionadas.

Em Abril houve calor recorde na Europa: 38.8 graus em Córdova, novo máximo para o mês em todo o continente. Houve também calor recorde na Nova Inglaterra, uma zona de Primaveras muito frescas; em 2023, a norma foram os dias de trinta graus. Em Portugal Continental, o mês foi muito quente e seco. Houve dias de praia quase e o mês foi estival, em muitos dias com temperatura igual ou superior a 25 graus. Praticamente não nevou no território português, o que é uma absoluta anomalia em Abril. Houve várias zonas em onda de calor, um evento muito notório no Verão e que se torna dramático.

Em Maio houve cheias catastróficas em África, com centenas de mortes no Ruanda, no Uganda e na República Democrática do Congo. Em Portugal Continental, foi um mês muito quente e muito seco. Nas estações do IPMA não se registou um único valor negativo, o que é uma raridade para o mês de Maio.

No dia 1 de Junho registaram-se oito graus negativos na Finlândia – um recorde, mas também uma contingência da atmosfera. No fundo, os recordes de frio continuarão sempre a existir. Em Junho houve incêndios enormes no Canadá. O Inverno é cada vez mais quente e seco e as imensas florestas do Grande Norte são o combustível perfeito. A área ardida no país em 2023 corresponde ao dobro da área de Portugal, aproximadamente. O fumo destes incêndios foi visível na Península Ibérica uns dias depois. Em Portugal, Junho foi muito quente e muito chuvoso. Houve muitas noites tropicais na generalidade do território, muito longe das normais climatológicas do século XX.

Em Julho, uma cidade com cinco milhões de habitantes não registou uma temperatura abaixo dos trinta graus durante o mês inteiro; ou antes, registou uns ‘suaves’ 28 graus na noite de dia 1 e regressou a esse valor ‘balsâmico’ no dia 31. O resto do mês foi arrasador, com alguns dias com mínimas de 35 e máximas de 45. Eclipsa qualquer valor do Alentejo ou da Andaluzia. Os cães precisaram de pantufas para passear no asfalto escaldante e alguns infelizes que sofreram golpes de calor, além da queda do desmaio, tiveram queimaduras graves no corpo. No Mediterrânio registaram-se valores de temperatura da água de 30 graus em diversas zonas. As ilhas italianas chegaram perto dos 50 graus e foi um mês horrorosamente quente em toda a Europa do Sul. Milagrosamente, Portugal Continental teve um mês de Julho normal em relação à temperatura. Citando o ipma:

«[…] a configuração sinóptica originou uma circulação anómala de sudoeste, transportando massas de ar muito quentes e secas do Norte de África em direção a Itália e Grécia, originando temperaturas na baixa troposfera (850hPa) muito acima da média para o mês. Esta situação esteve também associada à quase total ausência de precipitação, devido ao intenso anticiclone que se instalou na região. Quanto às ilhas Britânicas e Escandinávia, os valores de geopotencial foram inferiores à climatologia, pelo que as temperaturas registadas foram inferiores ao normal, tendo sido acompanhadas por valores de precipitação acima do normal.

Portugal situou-se numa região de transição entre ambos os centros anómalos de geopotencial, sendo que o Norte do país foi afetado por um transporte de massas de ar mais frescas de oeste/noroeste, o que originou valores de temperatura perto do normal para esta época do ano. Esta situação contrastou com o sul do país, onde o transporte de massas de ar provenientes de sudoeste, tendencialmente mais quentes, originaram valores de temperatura do ar superiores ao normal para o mês de julho. […]»

Em Agosto houve um incêndio tremendo no Havai que matou 115 pessoas. Houve cheias na Europa central e em Myanmar. No final do mês houve tempestades muito fortes na península Ibérica. Foi um mês muito quente e seco em Portugal Continental em relação às normais climatológicas.

Em Setembro tem chovido e não tem estado muito calor. Houve granizo forte na Serra da Estrela e em mais locais do interior. Lidamos com as alterações climáticas e temos de ter noção delas. Haja registos sempre, haja sempre consciência e vontade de alcançar as metas de emissões de GEE. Senão ninguém aqui ficará para os registos futuros.

1 COMENTÁRIO

  1. Bem documentado, temos de apostar na educação com naturalidade entre a defesa financeira das pessoas no espaço rural e no espaço urbano ter espaços verdes.

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