António Guterres disse esta frase extraordinária na sua visita da semana passada. Até uma criança entende o que quis dizer e não adianta suscitar ainda mais dramatismos. Os recados estão dados, os apelos também e os avisos começam a esgotar-se. Já se sabe, por todas as vias da ciência, que o desastre impende sobre nós. A sociedade da informação garante-nos que o derretimento de uma pequena parte da calota polar é muito mais do que isso e já o sabemos há anos suficientes. Aliás, nos anos 80 tivemos um exemplo claríssimo da acção humana sobre a atmosfera: lembra-se do «buraco no ozono» e dos clorofluorcarbonetos? Pois é, remediámos a situação. Ouvimos os cientistas e actuámos em conformidade; é apenas o que temos de fazer agora
POR PEDRO COTRIM

A Antárctida tem quase o dobro do tamanho do Brasil. Com rigor, é 1,67 vezes maior. Tem habitualmente várias centenas de habitantes ao longo do ano, sendo, na maioria, cientistas nas diversas estações. O facto de o Pólo Sul ser uma zona continental, ao contrário do Pólo Norte, aliado ao facto de o Inverno austral coincidir com o afélio, faz da zona a mais fria do planeta. Janeiro é o mês menos gélido na estação Vostok, situada num planalto elevado a 78 graus de Latitude Sul. É dia desde meados de Novembro e o pôr-do-sol irá ocorrer apenas no meio de Fevereiro. Este mês mais ‘ameno’, mesmo com 24 horas de Sol acima do horizonte, é mais frio que o mês mais frio do ano em qualquer parte do Alasca ou da Escandinávia. Apenas algumas zonas do Canadá e da Sibéria alcançam, no mês mais frio, médias inferiores à do mês mais ‘quente’ em Vostok. Nunca houve registos de temperaturas superiores a -14 °C nesta estação russa e é realmente um outro mundo.

Comparam-se por vezes os dois pólos, mas realmente pouco têm a ver um com o outro em termos geográficos, morfológicos ou climáticos. Genericamente, os Verões na zona árctica são semelhantes, no que concerne à temperatura, aos meses de Inverno da Guarda ou de Bragança. Por vezes com neve, por vezes muito frios, mas com dias tépidos em que se alcançam os dez ou quinze graus positivos, que jamais ocorrem na parte de baixo do globo. Não há qualquer localidade no sentido de habitação humana permanente dentro do Círculo Polar Antárctico. Assim sendo, se não vive lá ninguém e ninguém lá quer viver, como é que este gigante importa tanto para o resto do mundo?

A Antárctida está no imaginário da humanidade desde sempre. Passou geograficamente a fazer parte dos registos no dia 17 de Janeiro de 1773 quando o Resolution, navio de James Cook, se tornou na primeira embarcação a atravessar o círculo polar antárctico. O facto foi registado pelo capitão no diário de bordo. Na expedição procurava a mítica Terra Australis, um continente representado nos mapas durante os vários séculos. Acreditava-se que os dois hemisférios deveriam ter a mesma quantidade de terra firme, mas os números são muito diferentes: o hemisfério norte tem aproximadamente uma proporção 39% de terra firme, enquanto o hemisfério sul tem apenas 19. O hemisfério norte tem portanto dois terços de toda a terra emersa, e até à grande explosão demográfica de África e da América do Sul, ocorrida no século XX, tinha apenas 1% da população mundial. A ciência e a descoberta avançam, derrubando ou confirmando mitos. É a nossa aprendizagem.

Naquele século XX que bem recordamos, o «buraco no ozono» tomou manchetes muitas vezes, e quase sempre pelos piores motivos. O ozono distribui-se na estratosfera, mais precisamente entre os 15 e os 35 quilómetros de altitude. Não se limita a fornecer protecção contra as queimaduras solares: permite mesmo a vida na Terra.

Na década de 1970, a comunidade científica fez soar os alarmes. Percebeu-se que a camada de ozono se estava a deteriorar devido à acumulação na atmosfera de certos gases contendo cloro e bromo. Particularmente em questão estavam os clorofluorcarbonetos, então usados ​​em aparelhos de ar condicionado, frigoríficos, aerossóis, isolantes e até mesmo solas de sapatos. Em alguns pesticidas usavam-se brometos que também causavam danos a esta camada.

Contudo, a reacção da comunidade internacional no século XX foi rápida e eficaz. Em 1981, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) entrou em acção e houve negociações que levaram em 1987 à assinatura do Protocolo de Montreal. Quarenta anos após o seu início, o processo é um sucesso. Se as actuais políticas continuarem em vigor, a camada de ozono deverá ser recuperada nas próximas quatro décadas. O Protocolo de Montreal é sem dúvida um dos acordos ambientais globais mais bem-sucedidos.

As alterações climáticas sempre foram uma questão complexa, interligada com a política, a ciência, a economia e as preocupações da sociedade. Embora os debates científicos sobre as alterações climáticas remontem a muitas décadas atrás, o reconhecimento e a aceitação das alterações climáticas como uma questão política importante foi ganhando força ao longo do tempo.

Nas fases iniciais, as descobertas científicas sobre as alterações climáticas enfrentaram algum grau de cepticismo e debate político. Havia diferentes pontos de vista entre os decisores políticos, as indústrias e as nações relativamente à gravidade do problema, à extensão da contribuição humana e às medidas adequadas a tomar.

A politização das alterações climáticas intensificou-se em alguns círculos, particularmente no final da década de 1990 e início da década de 2000, à medida que se chamava mais a atenção para a questão. O Protocolo de Quioto, um tratado internacional destinado a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, tornou-se um ponto focal de contenção e discussão entre vários países. As negociações e os desacordos em torno deste acordo realçaram as dimensões políticas das alterações climáticas.

No entanto, é importante notar que, embora houvesse debates políticos e diferenças de abordagem, o consenso científico sobre as alterações climáticas induzidas pelo homem esteve sempre a aumentar de forma constante. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), que enfatizavam sistematicamente a influência humana no sistema climático, desempenharam um papel crucial na solidificação deste consenso.

Ao longo do tempo, à medida que as provas científicas foram aumentando e a consciencialização foi crescendo, o entendimento das alterações climáticas deixou de ser apenas uma preocupação científica para se tornar uma questão política dominante que exige atenção e acção a nível mundial. Os decisores políticos, os governos e as organizações internacionais começaram a dar prioridade às alterações climáticas nas suas agendas e discussões.

Assim, embora houvesse debates políticos e níveis variáveis de reconhecimento da urgência das alterações climáticas, o consenso científico sobre as alterações climáticas induzidas pelo homem foi-se reforçando progressivamente, levando a uma maior atenção e ação política sobre a questão ao longo do tempo. Temos agora métricas mais rigorosas que nos informam sem qualquer sombra de dúvida que a Antárctida está a registar um aumento das temperaturas devido às alterações climáticas. Esta tendência de aquecimento levou ao derretimento de plataformas de gelo e glaciares, contribuindo para a subida do nível do mar em todo o mundo. A Península Antárctica, em particular, registou um aumento notável da temperatura nas últimas décadas. O degelo contribui para o aumento do volume de água nos oceanos, o que afecta o nível global do mar. A perda de gelo também tem consequências para os ecossistemas e a vida selvagem do continente.

As alterações climáticas afectam os habitats de várias espécies na Antárctida. Por exemplo, as populações de pinguins, que dependem do gelo marinho para se reproduzirem e caçarem, enfrentam desafios à medida que o gelo diminui. As alterações da temperatura podem também afetar a disponibilidade de fontes de alimento para outros animais selvagens, perturbando toda a cadeia alimentar. Podemos até pensar que vivemos bem sem os pinguins, mas a covid já nos mostrou que qualquer desequilíbrio num ecossistema pode ter consequências fatais.

O Oceano Austral em torno da Antárctida está a absorver uma quantidade significativa de dióxido de carbono da atmosfera, causando a acidificação dos oceanos. Pode ter efeitos prejudiciais na vida marinha, em particular nos organismos com conchas ou estruturas de carbonato de cálcio, como certos tipos de plâncton e marisco.

As alterações climáticas podem também afetar os padrões meteorológicos, incluindo o vento e a precipitação, que desempenham um papel crucial no ecossistema da Antárctida. As alterações nos padrões de precipitação podem afetar a acumulação de gelo e as taxas de fusão.

Os cientistas monitorizam de perto a Antárctida para compreender melhor estas alterações e as suas implicações para o continente e para o resto do mundo. As estações de investigação e os estudos aí realizados fornecem dados essenciais para avaliar os efeitos das alterações climáticas à escala global.

Os esforços para mitigar as alterações climáticas, tais como a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a implementação de medidas de conservação, são essenciais para ajudar a proteger os delicados ecossistemas da Antárctida, senão todo o planeta sofrerá. É que os ecossistemas deste gigante, apesar das suas condições brutais, são tão frágeis como quaisquer outros.

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