As despesas relacionadas com o stress no trabalho custam aos empregadores nos Estados Unidos mais de 300 mil milhões de dólares por ano, sendo que más práticas de gestão podem causar cerca de 120 mil mortes que seriam evitáveis caso o ambiente laboral fosse “saudável”. Na China e no mesmo período de tempo, o número de mortes causadas por excesso de trabalho ascendem a cerca de um milhão. As pessoas estão literalmente a morrer por um cheque ao final do mês e esta é uma realidade absolutamente inadmissível. E é sobre esta temática que versa o mais recente livro do pensador de gestão Jeffrey Pfeffer
POR
HELENA OLIVEIRA

Jeffrey Pfeffer, considerado como um dos mais reconhecidos especialistas em gestão do mundo e cuja carreira académica já passou pelas mais famosas universidades do planeta – da London Business School, a Harvard passando pela Singapore Management University, pelo IESE e actualmente professor de Comportamento Organizacional na Stanford Graduate School of Business – está habituado a que os seus livros (já escreveu 14) sejam best-sellers. Afinal, Pfeffer escreve sobre os mais suculentos temas da gestão, desde o poder à liderança, e geralmente tem como objectivo desafiar os executivos a fazerem melhor o seu trabalho, sendo crítico quando tem de o ser e nunca adocicando a sua mensagem.

Mas e desta vez, chocado com os resultados de uma extensa investigação sobre saúde e bem-estar no trabalho – ou mais sobre a sua ausência – Pfeffer incorre numa escrita muito mais violenta, desmascarando situações brutais que se vivem no mundo corporativo. Com a ajuda de dois colegas de Stanford – Joel Goh e Stefanos Zenios – mergulhou a fundo num mar de pesquisas sobre saúde e bem-estar dos colaboradores.

O seu novo livro Dying for a Paycheck: How Modern Management Harms Employee Health and Company Performance-and What We Can Do About It reúne um vasto conjunto de estudos e pesquisas, acompanhadas de dezenas de entrevistas, que dão a conhecer verdades muito inconvenientes sobre os locais de trabalho da actualidade e cujo objectivo é não só dar a conhecer ao mundo as condições indecentes que se vivem em muitas organizações, como apelar à criação de um movimento social focado, e desta feita, na sustentabilidade humana.

O argumento base do novo livro de Pfeffer é o de que, apesar das substanciais mudanças que têm ocorrido no ambiente laboral ao longo dos últimos anos, as práticas de gestão estarem congeladas e muito longe de responderem à toxicidade empresarial. E tudo isto tem de mudar, para bem da saúde dos trabalhadores e das próprias empresas.

Dying for a Paycheck serve também como um apelo aos que criam as políticas laborais e aos responsáveis pela gestão das organizações no sentido de pararem de tratar os empregados como simples números que podem manipular para atingir o mais elevado dos lucros – uma lógica de gestão que tanto prejudica a rentabilidade como faz sofrer as pessoas. E Pfeffer deseja que as empresas confiram maior controlo aos trabalhadores no que respeita a, por exemplo, horários flexíveis, maior protecção nos cuidados de saúde e, acima de tudo, que reconheçam a sua humanidade.

Mas e como afirma numa entrevista concedida à The Outline, num sistema capitalista onde os accionistas se focam apenas nos lucros trimestrais e no crescimento acima de tudo o resto, o professor de Stanford mantém-se muito céptico face a mudanças para melhor.

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As empresas precisam de uma cultura de saúde

Ser despedido. Não ter seguro de saúde. Turnos laborais irregulares. Trabalhar mais do que 40 horas por semana. Viver com a insegurança no trabalho. Enfrentar conflitos entre vida pessoal e profissional. Ter um controlo mínimo em relação ao trabalho e ao ambiente laboral. Enfrentar exigências demasiado elevadas. Ter níveis reduzidos de apoio social no local de trabalho. Trabalhar em condições abusivas.

De acordo com Pfeffer, as empresas obtiveram excelentes resultados no que respeita a melhorar a segurança física nos locais de trabalho. Entre 1970 e 2015, o número de acidentes laborais foi reduzido em 72%. Mas o mesmo não se passou com o ambiente psicológico dos trabalhadores que, em muitos locais, sofrem de uma ou de várias das realidades acima elencadas, a juntar a software que rastreia a produtividade do empregado, à impossibilidade de desligar provocada pelo “excesso” tecnológico, ao cumprimento de objectivos irrealistas e outros comportamentos que todos nós conhecemos e, paradoxalmente, reconhecemos como normais no ambiente de trabalho moderno.

E como as estatísticas são sempre úteis para ilustrar realidades complexas, seguem-se alguns exemplos de evidências que comprovam a existência de níveis tóxicos nos ambientes laborais e que causam impactos sérios na saúde dos trabalhadores.

Com base numa apresentação realizada na conferência anual do Great Place to Work, Pfeffer partilhou com a assistência alguns dos dados que fazem parte do seu livro e que comprovam os efeitos devastadores dos ambientes de trabalho nos Estados Unidos – significativamente piores comparativamente aos da Europa – para a saúde.

  • De acordo com um estudo realizado em 2009, a falta de seguro de saúde é responsável por cerca de 45 mil mortes anuais nos Estado Unidos;
  • Um outro estudo, de 2012, concluiu que os trabalhadores que exercem trabalhos demasiado exigentes em combinação com baixos níveis de controlo sobre os mesmos têm o dobro de hipóteses de morrerem de uma doença cardiovascular comparativamente aos que não estão nessa situação;
  • Uma variedade de estudos sumarizados pelo National Institute for Occupational Safety and Health encontraram relações entre o excesso de trabalho e o aumento de lesões, aumento exagerado de peso, abuso de álcool e tabaco, saúde mais pobre no geral e… morte.
  • Outras pesquisas concluíram também a existência de interligações entre excesso de trabalho e conflitos familiares, abuso de substâncias ilícitas, depressão, ansiedade e outras desordens comportamentais, bem como uma forma física muito mais pobre no geral.
  • Ser tratado de forma injusta tem também custos elevados para a nossa saúde: “as situações de injustiça estão relacionadas com o aumento do risco de sofrimento psíquico, desordem psiquiátrica, mais baixas por doença e uma auto-avaliação da saúde por parte dos próprios trabalhadores muito pobre;
  • Por seu turno, os que perdem o seu emprego têm um risco de mortalidade superior em 44% face aos que não o perdem,  incluindo o dobro de hipóteses de suicídio e mortes relacionadas com álcool durante os quatro primeiros anos a seguir ao despedimento; um outro estudo concluiu ainda que mesmo aqueles que encontram um novo trabalho depois de serem despedidos têm um risco 97% mais elevado de desenvolver uma doença face aos que não foram dispensados.

Apesar de ser difícil relacionar custos de saúde com conceitos subjectivos – como o controlo que se tem sobre o próprio trabalho – são vários os estudos que demonstram também que as pessoas com funções de nível elevado, as quais presumivelmente oferecem um controlo maior (tanto em termos de livre arbítrio como de independência) são muito mais saudáveis face aos seus pares com funções de nível reduzido. Pfeffer cita o estudo Whitehall II study realizado por trabalhadores do governo britânico e conduzido ao longo dos anos de 1980 e 1990, o qual concluiu que o nível dos cargos consistia no mais importante indicador para o desenvolvimento de doenças cardíacas, sendo até mais importante do que o tabagismo.

Como cita a strategy+business, “depois de ajustado à idade (e porque os problemas de saúde e de mortalidade aumentam, geralmente e como sabemos, com o envelhecimento), homens e mulheres nos cargos mais baixos têm uma probabilidade 50% superior de reportar dores no peito e angina, sendo que os homens duplicam a probabilidade de diagnósticos de estreitamento das artérias comparativamente aos que exercem cargos mais elevados”.

Os custos totais das 10 situações identificadas por Pfeffer como perigosas para os trabalhadores são vastos. Como anteriormente citado, “os ambientes laborais nos Estados Unidos podem ser responsáveis por cerca de 120 mil mortes excedentárias”’ por ano”, escreve. O que faz destes locais de trabalho “a 5ª maior causa de morte, representando ao memo tempo 180 mil milhões de dólares em despesas de saúde adicionais, aproximadamente 8% dos gastos totais em saúde”, cita também a strategy+business. Comparativamente aos países pertencentes à Europa dos 27 [apesar do Brexit e de o Reino Unido continua a ser um membro de pleno direito da EU, não foi contabilizado neste caso], Pfeffer e os colegas “estimam que cerca de 60 mil, ou metade, destas mortes, e cerca de 63 mil milhões de dólares, ou cerca de um terço dos custos suplementares, poderiam ser poupados” caso as empresas  americanas igualassem as boas práticas nos locais de trabalho que se praticam na maior parte dos países europeus, identificando como casos de excelência a França, a Dinamarca e a Eslovénia.

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A situação lose-lose

As práticas de gestão modernas comuns a muitas empresas como as longas horas de trabalho, o complexo equilíbrio entre vida pessoal e profissional ou a insegurança económica são absolutamente tóxicas para os trabalhadores e, como seria de esperar, comprometem o seu envolvimento, aumentam os índices de turnover, para além de destruírem a sua saúde física e emocional. E o que se afigura como mais absurdo ainda é o facto de serem extremamente prejudiciais à própria performance das empresas: é que mesmo que as organizações “permitam” práticas que fazem adoecer os seus trabalhadores e, nos casos mais graves, que os acabam por os matar, tendo como objectivo uma maior produtividade, estas políticas de nada servem para melhorar ou aumentar a performance organizacional. Pelo contrário. É a isto que Pfeffer chama uma situação lose-lose, com resultados prejudiciais para ambos os lados.

Para as empresas, estas são feridas auto-infligidas, pois as perdas corporativas que resultam da redução do envolvimento dos trabalhadores, do aumento do turnover e da diminuição da performance organizacional são significativas. Ou seja, sofrem os trabalhadores e perdem os empregadores.

No que respeita particularmente aos despedimentos, que são considerados como uma resposta inevitável à crise económica e que, de acordo com as pesquisas de Pfeffer, conduzem a um aumento da mortalidade e têm efeitos muito negativos na saúde nos trabalhadores, o autor encontrou tantos ou mais estudos sobre os efeitos dos mesmos na performance corporativa, mas com resultados que fogem ao que seria presumível: “ a de que existem muito poucas evidências de que os despedimentos confiram benefícios às empresas e, pelo contrário, existirem muitas evidências que confirmam que os mesmos as prejudicam sobremaneira”.

Assim, fazer desta realidade – a saúde física e psicológica dos trabalhadores – uma prioridade de topo tem uma função dupla.A primeira está relacionada com os valores da empresa: em regra, não é possível sequer imaginar que as organizações queiram, conscientemente, fazer mal aos seus empregados. A segunda é que o mal provocado prejudica a sua rentabilidade.

Tomando só como exemplo a questão do lucro, o que torna uma mudança de comportamento complexa é o facto de, e no curto prazo, parecer que é possível melhorar a rentabilidade através de acções que criam stress crónico. Por exemplo, é fácil elogiar o empregado que trabalha longas horas e difícil reconhecer de que forma este excesso de trabalho pode conduzir a uma situação que, com o tempo, acabará por prejudicar a produtividade. Por outro lado, poderá ser tentador reduzir os turnos para minimizar os custos laborais num determinado período, sem que se tenha em consideração que ter turnos laborais irregulares irá prejudicar a performance no longo prazo. E, em ambos os casos, os trabalhadores saem física e psicologicamente lesados.

Assim, a recomendação “mais simples” de Pfeffer é a de que as empresas comecem a avaliar os factores que conduzem a situações de trabalho psicologicamente prejudiciais e reportá-las à gestão de topo, tal como acontece quando em causa estão condições físicas inseguras.

Na entrevista concedida à The Outline, e num tom bastante duro, Pfeffer diz ter a ideia de que os efeitos que este tipo de práticas têm nas pessoas não são de todo avaliados por quem de direito “e que, muito honestamente, os gestores não querem saber das suas pessoas”. Elencando o mantraque existe no mundo dos negócios e que todos sabemos de cor – o de que os humanos são os principais activos das empresas – e mesmo sendo verdade, Pfeffer afirma também não ver muitas empresas a responder adequadamente a esta máxima continuamente repetida. “Ao primeiro sinal de tensão económica, as pessoas são despedidas”, acusa. E recorda que nos anos de 1950 e 1960, “os CEOs sentiam ter um papel de ‘guardiões’ e tinham a responsabilidade de equilibrar os interesses dos accionistas, dos trabalhadores, dos clientes e dos fornecedores”. Mas esse modelo de capitalismo que protegia todos os stakeholders, foi substituiu pelo capitalismo dos accionistas. “E se os CEOs pensam que são apenas responsáveis pelos seus accionistas, que vão para o inferno”, desabafa. E onde anda mesmo a responsabilidade social corporativa que todas as empresas dizem ter e praticar?

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O movimento da sustentabilidade humana

O professor de Stanford considera também que tão importante como a responsabilidade ambiental é a sustentabilidade humana, tema que tem ocupado as suas pesquisas há mais de uma década. Numa entrevista que concedeu sobre o tema em 2013, à Cheung Kong Graduate School of Business, considerada como a melhor escola e negócios chinesa, Pfeffer sublinhou que o que mais o chocava na altura [ e também agora], é o facto de existir, há décadas, um reconhecimento que a performance organizacional poderia ser melhorada se as empresas reorganizassem as suas práticas de gestão de forma a envolver os empregados e a reduzir os conflitos entre vida profissional e familiar – e basicamente fazendo coisas que permitiriam às pessoas tomarem decisões e exercerem os seus dons e competências. Todavia e mesmo depois de décadas de pesquisas, de inúmeros relatórios feitos por firmas de consultoria em Recursos Humanos a confirmar esta ideia, Pfeffer afirma não ver nenhum resultado prático, o que o faz duvidar da capacidade das organizações de mudarem, mesmo quando lhes é “prometido” mais lucros. Daí ter pensado em colocar na equação da melhor performance organizacional a saúde dos empregados.

Mas e como define esta necessidade de “sustentabilidade humana”? “De uma forma similar à forma como se define sustentabilidade ambiental”, diz. Ou seja, tem a ver com o facto de nos envolvermos em actividades económicas de uma forma que prejudique o mínimo possível o mundo natural. “O que é exactamente o mesmo para a sustentabilidade humana”, assegura.

“Quando as empresas – e pode-se ver isto tanto na China como nos Estados Unidos – não se preocupam com os empregados nem com o local onde estes trabalham, existe uma maior incidência de doenças cardiovasculares e outras, de níveis elevados de stress, de problemas psiquiátricos ou até de actos de violência e na medida em que os trabalhadores são ‘consumidos’ por isso, tanto física como psicologicamente, tal não me parece uma prática nada sustentável”, acrescenta.

Ou seja, o conceito de sustentabilidade neste caso significa apenas o que dele inferimos: a de que nos estamos a envolver em práticas de trabalho que não provoquem disrupção, neste caso, no ambiente social e humano, e que basicamente não sejam responsáveis pela morte de pessoas.

Pfeffer afirmava em 2013 o que continua a afirmar hoje, se bem que com maior veemência: “quando nas empresas se estiver a discutir qualquer que seja a questão relacionada com performance, há que adicionar o tema do bem-estar dos trabalhadores aos dólares”.

No seu livro, nem tudo são más notícias. O autor apresenta alguns exemplos de empresas que se preocupam verdadeiramente com a saúde dos seus trabalhadores: a Southwest Airlines, a Toyota e o SAS Institute por terem resistido aos despedimentos e a Patagonia e a Aetna pela implementação de políticas progressivas relacionadas com seguros de saúde e conciliação entre vida familiar. Mas e em simultâneo, Pfeffer não deixa de sublinhar que estes são casos atípicos e que a maioria das empresas, no que respeita à saúde e bem-estar dos trabalhadores, se concentra nas coisas erradas. O professor de Stanford é, por exemplo, completamente crítico do tipo de “benesses” oferecidas aos trabalhadores de Silicon Valley – como cápsulas para dormir, comida gratuita ou o facto de os trabalhadores poderem trazer os seus cães para o local de trabalho – e nem sequer percebe por que motivo os mediasentem um tão grande fascínio pelas mesmas. E o mesmo acontece com os programas de “bem-estar” que as empresas gostam de implementar, mas que não corresponde ao que realmente é necessário: mudar a cultura de trabalho e as normas de gestão mais do que ultrapassadas.

Apesar de Jeffery Pfeffer oferecer conselhos e sugestões para melhorar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, não parece acreditar que algo vá mudar consideravelmente. O que é grave e preocupante.

Editora Executiva