Apesar de a Organização das Nações Unidas parecer estar a perder uma boa parte da sua influência a nível mundial, existe uma esperança de que, ao celebrar o seu 80º aniversário, uma nova era tenha início. Para 2025, a organização que foi criada logo a seguir ao final da II Guerra Mundial, elege cinco grandes desafios globais que, não sendo novos, vão assumindo cada vez mais perigosos contornos. Será desta que a cooperação multilateral começará a funcionar e a recolher frutos?
POR HELENA OLIVEIRA

Ao virarmos a página de 2024, o mundo vê-se a braços com um conjunto complexo de crises que exigem uma acção urgente.

E o caminho a percorrer para as tentar solucionar ou amenizar continua repleto de obstáculos complexos que colocarão à prova a cooperação global: fazer face às consequências das guerras em curso, enfrentar as mudanças de liderança nos EUA e noutras partes do mundo, reagir ao impacto imprevisível do aquecimento global, combater as desigualdades sistémicas e responder à necessidade de reforma da ONU.

Para um conjunto de especialistas das Nações Unidas, o ano de 2025 oferece uma nova oportunidade para enfrentar estes desafios de frente, mesmo que no meio de uma pressão acrescida para conseguir progressos transformadores. Nas suas palavras e através das suas lentes, eis cinco questões globais a ter em conta.

  1. Paz e segurança: resolução de conflitos catastróficos

As negociações para resolver os conflitos mais persistentes do mundo continuarão, sem dúvida, em 2025. As guerras em Gaza, no Sudão e na Ucrânia, bem como os recentes desenvolvimentos na Síria – cada um deles com graves consequências geopolíticas e humanitárias – continuarão a ser fundamentais para as agendas globais de paz e segurança.

“Estas não são apenas tragédias humanitárias terríveis, mas também divisões fundamentais no mundo em que vivemos”, afirma George Hampton, Director Executivo de Política Global e Iniciativas Multilaterais da ONU. “A esperança é que, em 2025, estes conflitos possam entrar numa nova fase de resolução e reconstrução.”

Embora a comunidade internacional esteja actualmente concentrada em garantir o cessar-fogo nos vários cenários de conflitos, o fim destas guerras – se acontecer – será apenas o início do caminho para a construção de um futuro pacífico. E é preciso não esquecer que a reconstrução após grandes doses de violência, destruição e traumas sociais tão prolongados exige muito planeamento, colaboração e recursos.

Um bom exemplo desta complexidade foi a impressionante queda do regime sírio de longa data no último mês de 2024, ao que se seguiu uma questão imediata:  O que é que acontece agora? “Vamos precisar do apoio da comunidade internacional para garantir que qualquer transição política seja inclusiva e abrangente e que satisfaça as aspirações legítimas do povo da Síria, em toda a sua diversidade”, afirmou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, numa declaração sobre o novo capítulo do país. Guterres manifestou o seu empenho em ajudar os sírios a construírem um país onde “a reconciliação, a justiça, a liberdade e a prosperidade sejam realidades partilhadas por todos” no caminho para uma paz sustentável.

Entretanto, os conflitos há muito latentes e a instabilidade em outras regiões do planeta, como no Haiti, em Myanmar e no Iémen custaram dezenas de milhares de vidas em 2024, continuam sem fim à vista e com poucos recursos reais ou apoio internacional para alcançar a paz. Continuarão estas regiões entregues à sua má sorte?

  1. Financiamento do desenvolvimento: investir num futuro sustentável

Em 2024, a pressão para uma revisão do financiamento internacional tornou-se cada vez mais forte. 2025 será o verdadeiro teste à vontade política, com base no Pacto para o Futuro adoptado pela ONU e tendo em vista a 4ª Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FfD4) no Verão.

“Mas onde estão as oportunidades para concretizar o Pacto? Para mim, é claro que estas residem no financiamento”, afirma Julie Kofoed, Diretora Sénior das Iniciativas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. “Muito disso depende da vontade de abdicar do poder e dos privilégios, o que nunca é uma tarefa fácil. Há muita coisa em jogo”, afirma, referindo-se à necessidade amplamente reconhecida de reconstruir a confiança através de uma reforma significativa do sistema financeiro internacional, que poderia oferecer um caminho transformador para os países menos desenvolvidos do mundo.

A responsável das Nações Unidas afirma ainda que o FfD4 pode ser um momento crítico para a transformação da governação global, particularmente se os Estados-membros mais ricos da ONU intensificarem a ajuda ao desenvolvimento. “É uma colina íngreme”, advertiu, reconhecendo que é necessária uma reforma significativa para tornar os actuais sistemas financeiros mais inclusivos, equitativos e eficazes. “Mas é também uma grande oportunidade para concretizar este ponto central em torno da redistribuição da riqueza e do poder, e rectificar sistemas ultrapassados”, acrescentou. Os debates em curso sobre a reforma do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e de outras instituições financeiras internacionais terão de se centrar na eliminação de estruturas de poder enraizadas. Além disso, os debates globais em 2025 também terão de se centrar na forma como o financiamento do desenvolvimento e da assistência em caso de catástrofe deve evoluir, observa a mesma responsável.

Inés Yábar, responsável pela Next Generation Fellow, também sublinhou a importância do financiamento, especificamente para os jovens. “A forma como o financiamento está organizado está a desiludir os jovens”, afirma. Apesar de quase metade da população mundial ter menos de 30 anos, apenas 6% da ajuda ao desenvolvimento chega aos jovens e às crianças”. Investir nos mais novos não é apenas uma questão de justiça”, diz Inés Yábar. “Trata-se de desbloquear todo o potencial do futuro.”

Quando se trata de investir na saúde e no bem-estar globais, o Dr. Ahmed Ogwell, Vice-Presidente para a Estratégia de Saúde Global, afirma que a finalização do acordo sobre a pandemia e o financiamento global são dois objectivos para 2025. “Como é que as partes fundamentais da saúde mundial vão ser financiadas?”, afirma, salientando as muitas formas como a saúde e o trabalho da ONU se cruzam com outras questões relacionadas com o ambiente e os direitos. “Estamos a falar de saúde reprodutiva. Estamos a falar de clima e saúde. Estamos a falar do financiamento do trabalho de agências como a UN Women e o UNFPA [Fundo das Nações Unidas para a População], e não apenas da OMS [Organização Mundial de Saúde].”

  1. Acção climática: o caminho para a COP 30

Tal como todos os anos e infelizmente sem grandes resultados, todas as atenções estarão viradas para a COP 30 em Belém, no Brasil, no próximo Outono, altura em que os países terão anunciado uma nova ronda de objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, conhecidos como contributos determinados a nível nacional (NDCs). “Já há muita atenção para garantir que o próximo conjunto de NDCs seja suficientemente ambicioso para nos aproximar substancialmente da meta de 1,5°C do Acordo de Paris”, diz Pete Ogden, vice-presidente para o Clima e o Meio Ambiente da ONU, referindo-se ao objetivo de 2030 de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. “Os líderes têm a responsabilidade de, durante o próximo ano, alterar a actual trajectória e fazer com que apontemos nessa direção.”

Para além dos objectivos principais, o mundo deverá estar atento para garantir que a qualidade dos próprios CDN será melhorada. Por exemplo, a inovação agrícola e os sistemas alimentares sustentáveis têm de ser melhor reflectidos do que no passado, dada a sua enorme importância. “Uma das coisas em que nos queremos concentrar é no facto de os países estarem realmente a fazer progressos em matéria de emissões alimentares e agrícolas”, afirma o responsável.

Quando os países se reunirem em Belém, os negociadores do clima provavelmente também enfrentarão uma nova dinâmica diplomática, incluindo possíveis retiradas do acordo climático de Paris [o presidente eleito Donald Trump já disse que o faria, tal como aconteceu na sua anterior presidência].  “Esta é a realidade de 2025, por isso é preciso olhar para outras grandes economias, como a China”, diz Pete Ogden. “Sendo o maior emissor do mundo, tem a maior capacidade de nos levar de volta ao objetivo do 1,5°.”

“É muito pouco apelativo abandonar estes sistemas e desistir de um lugar à mesa”, afirma. O responsável também não deixa de referir que as nações podem superar os seus próprios CDN, continuando o trabalho vital a nível subnacional apesar dos ventos contrários globais.

Outra oportunidade no horizonte para uma vitória climática poderá ser proveniente das negociações na Organização Marítima Internacional (OMI) sobre a forma de alcançar os novos e ambiciosos objectivos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Trata-se de uma questão importante, porque se o sector marítimo fosse um país, seria o sexto maior emissor do mundo – e as suas emissões estão a aumentar constantemente. “Trata-se de uma fonte significativa de poluição que, tradicionalmente, não tem recebido o mesmo nível de atenção que outros sectores”, afirma Ogden, sublinhando o potencial para uma ‘vitória decisiva sobre o clima’ na OMI em 2025.

  1. Igualdade de género: reflexão sobre os retrocessos e progressos alcançados

No início de 2025, as perspectivas para a igualdade de género permanecem sombrias. As conquistas duramente alcançadas, incluindo o direito à educação, aos cuidados de saúde e à liberdade de circulação, estão a ser postas em causa em todo o mundo. A proibição imposta pelos Talibãs em 2024 às raparigas e mulheres de falarem em público no Afeganistão é uma das mais flagrantes.

Ao mesmo tempo, 2025 é um ano comemorativo para o movimento global de igualdade de género, marcando o 30º aniversário da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres e a adopção em 1995 da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (Pequim+30).

Reconhecendo a dualidade deste momento, Michelle Milford Morse, Vice-Presidente para a Estratégia das Raparigas e das Mulheres, afirma: “As raparigas e as mulheres do mundo têm o direito de estar realmente impacientes. Mas também têm o direito de celebrar o suor, a solidariedade, as estratégias que nos trouxeram até aqui e nos mostram o caminho a seguir”.

Como salienta Milford Morse, a conferência de 1995 foi muito mais do que um momento único no tempo. Foi o culminar de anos de defesa e um ponto de partida para a acção que continua até hoje, afirma.

“Graças às gerações de activistas que participaram nas conferências que antecederam Pequim – do México a Copenhaga e Nairobi – e à sua esperança inabalável e trabalho árduo, seguiram-se mudanças transformadoras no espaço de apenas uma década”, afirma Michelle. “Houve um enorme progresso entre 1985 em Nairobi e 1995 em Pequim nas leis, nas normas sociais, nos direitos reprodutivos e no poder económico.” Mas 30 anos passaram entretanto.

Tal como o movimento global para a igualdade de género demonstrou, a viagem em direcção ao progresso pode ser lenta, hesitante e não linear. Mas com a persistência de muitas pessoas ao longo de muitos anos – e por vezes décadas, é possível corrigir a misoginia sistémica e as instituições obsoletas e fazer de 2025 um ponto de inflexão.

  1. Os 80 anos da ONU: reformar uma instituição nascida em plena Segunda Guerra Mundial

Este ano, a ONU assinalará o seu 80º aniversário e a adopção de reformas urgentes para actualizar alguns dos seus organismos e processos que remontam à era da Segunda Guerra Mundial continuará a ser uma prioridade importante. “O mundo mudou drasticamente desde 1945 e a ONU tem de se adaptar para se manter adequada ao seu objetivo”, afirma George Hampton.

Para explicar a necessidade de ajudar a ONU a evoluir, o Director Executivo de Política Global e Iniciativas Multilaterais da ONU comparou as críticas ao multilateralismo a culpar o estádio quando a equipa perde. Fazendo eco das palavras do célebre diplomata americano Richard Holbrooke, e citando como exemplo outra instituição icónica de Nova Iorque, diz: “Não poderíamos jogar hoje no Madison Square Garden se não tivessem melhorado o piso desde a sua construção nos anos 60”.

E é exatamente isso que o Pacto para o Futuro pretende fazer. O primeiro acordo internacional do género, ratificado na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2024, define medidas concretas para melhorar o multilateralismo, as quais podem ser tomadas para além das fronteiras e das indústrias – e produzir ganhos globais. Após a sua adopção histórica em Setembro, a atenção centra-se agora na aplicação integral do Pacto.

As 56 medidas delineadas no Pacto para o Futuro abrangem os cinco domínios principais do acordo: 1) desenvolvimento sustentável e financiamento do desenvolvimento; 2) paz e segurança internacionais; 3) ciência, tecnologia, inovação e cooperação digital; 4) juventude e gerações futuras e 5) transformação da governação mundial. Dado o seu vasto âmbito, a implementação do Pacto exigirá uma acção transversal – mas não por parte de uma única nação, sector ou instituição.

“Pessoa após pessoa, instituição após instituição, cada Estado-membro da ONU tem algo a que se agarrar no Pacto e algo para avançar. Não se trata de uma proposta de tamanho único. Não existe um único proprietário para as acções que foram acordadas nos resultados da Cimeira”, afirma George Hampton. “É isso que o Pacto propõe e mostra a oportunidade: que só podemos fazer mais juntos do que sozinhos. Há poder nesse sentimento”.

Por último, a campanha para a eleição do próximo Secretário-Geral das Nações Unidas ganhará ímpeto em 2025, com a Assembleia Geral já a tomar medidas, potencialmente trazendo novas perspectivas e planos para a organização como um todo. E talvez a primeira mulher a liderar a organização global surja à medida que as discussões avançam.

Virar a página

Ao olharmos para o futuro, é evidente que 2025 apresentará tanto oportunidades como desafios para a cooperação global. A ONU, juntamente com os seus parceiros, terá a tarefa de navegar por questões cada vez mais complexas e garantir que a comunidade internacional se mantém concentrada na ação colectiva para um futuro sustentável e pacífico. Desde a resolução de conflitos até à garantia de financiamento para o desenvolvimento, passando pela ação climática, pela promoção da igualdade entre os sexos, pela nova liderança e pela reforma da própria ONU, o caminho a percorrer exigirá colaboração, compromisso e um empenho inabalável nos valores que o multilateralismo representa.

“Esperar o inesperado”, conclui George Hampton, reconhecendo a rápida mudança e os desenvolvimentos imprevistos que o próximo ano poderá trazer, especialmente tendo em conta os novos cenários políticos. No entanto, com o mundo cada vez mais interligado, a necessidade de soluções globais nunca foi tão grande – e as contínuas carências de financiamento da ONU poderão causar mais contratempos. No ano passado, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa Alimentar Mundial e outras agências humanitárias receberam apenas 43% do financiamento necessário para chegar às pessoas mais vulneráveis do planeta, a maioria das quais são mulheres, crianças e idosos.

“As crises crescentes de hoje precisam de mais apoio, não de menos”, declarou o Secretário-Geral António Guterres no lançamento da Visão Global Humanitária 2025, apelando aos líderes mundiais e ao sector privado para que aumentem o financiamento e a vontade política de proteger os mais vulneráveis entre todos, especialmente as mulheres e as crianças.

“Vamos fazer de 2025 um ano em que aliviemos o sofrimento humano, curemos as divisões e façamos progressos para um futuro melhor, mais pacífico e esperançoso para todas as pessoas”, concluiu.

Apesar da esperança não ser muita, que assim seja.

Editora Executiva

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui