Os jovens que, nos últimos anos, começaram a integrar as fileiras do mercado laboral têm sido descritos, sociologicamente, como uma geração “tardia” em termos de compromissos e lenta a assumir as responsabilidades inerentes à idade adulta. Não querem sair da casa dos pais, não querem casar, nem ter filhos. Mas será mesmo uma opção? Nos dois últimos anos em particular, não são os jovens que estão a escolher as suas vidas. Estas são, ao contrário, ditadas pelas circunstâncias económicas. E as repercussões, sociais e psicológicas, podem ser esmagadoras
Muito se tem escrito sobre a denominada, em inglês, geração “Millenial”, ou aqueles que nasceram sensivelmente entre 1980 e 1995 e que engrossam, ou deveriam, as fileiras do mercado de trabalho na actualidade. Considerada a mais bem preparada geração de sempre e que, pela primeira vez, enquanto “filhos” ultrapassaram os pais em termos de conhecimento, os protagonistas desta geração tinham, há alguns anos, um risonho futuro pela frente. Com níveis académicos elevados, inovadores e sem aversão ao risco, já tinham recusado a noção do “emprego para a vida”, sendo apaixonados por novos desafios, apresentando uma visão mais global do papel que podem ter na sociedade, preocupando-se com questões cívicas e de responsabilidade social e aspirando a possuir uma carreira o mais internacional possível. O que não estavam à espera era que não tivessem acesso a emprego na fase da vida em que ele, tradicionalmente, deveria surgir. Por outro lado, uma boa parte desta geração tem vindo a ser, nos últimos anos, objecto de estudo por parte de psicólogos e sociólogos e acusada, por muitos, de “atrasarem” a idade adulta, pois saem, cada vez mais tarde, da casa dos pais, casam e têm filhos (ou não) também tardiamente ou, em termos gerais, adiam a sua independência o mais possível. Ora, a resposta pode estar, em parte, não num misterioso fenómeno de prolongamento da ideia de serem “meninos dos papás”, mas sim no impacto que a Grande Recessão está a ter nas perspectivas destes jovens. E já há vários estudos que apontam para que seja esta a grande causadora do adiamento da independência financeira desta geração, mas também das alterações das nossas próprias atitudes relativamente ao que significa, no século XXI, chegar à idade adulta. O VER foi pesquisar e alguns dos resultados são surpreendentes.
A recessão e a geração boomerang Mas, como escreve a revista americana, a contracção abrupta do “tempo das oportunidades” deixou uma marca profunda nestes jovens a qual, ao contrário da crise económica que, de acordo com os mais optimistas, terá de ter um fim, poderá vir a ter efeitos controversos nos próximos 15 anos. De acordo com dados revelados, o desemprego dos jovens entre os 18 e os 24 anos, nos Estados Unidos, era de 16% em 2011, quase o dobro da média nacional. Em Portugal e como sabemos, o panorama é ainda muito mais preocupante: segundo dados do INE e no primeiro trimestre de 2012, eram 154,4 mil os jovens desempregados ou cerca de 36,6%, com tendência a agravar-se e sendo esta taxa uma das mais elevadas da União Europeia. Também de acordo com um recente relatório publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número de jovens sem emprego irá atingir, ainda este ano, os 75 milhões. Face a 2007, o valor apresenta um acréscimo na ordem dos quatro milhões. Estamos, portanto, perante um fenómeno global e, independentemente das particularidades dos diversos países, a forma como o desemprego afecta a entrada na vida adulta dos jovens tem vários pontos em comum e repercussões igualmente similares. Para todos os jovens que cresceram sob os auspícios do “bem do canudo”, sem esquecer os esforços que muitos pais fizeram para que tal fosse uma realidade, todas as oportunidades que a educação prometia parecem agora perder grande parte do seu sentido. Ou seja, mais e melhor escolaridade é sempre uma benefício mas, tal como o emprego para a vida morreu enquanto garantia, o emprego pós licenciatura ou mestrado está igualmente moribundo. E, sem emprego, as etapas ou rituais de passagem que assinalam a entrada na vida adulta são, consequentemente, adiados: os habituais cinco marcos que são enumerados para tal – completar os estudos, sair de casa dos pais, obter independência financeira, casar e ter filhos – são colocados, por muitos, na gaveta, à espera de dias melhores. Se, até há relativamente pouco tempo, este adiamento era considerado como uma escolha por parte dos jovens, mesmo que incompreensível para muitos, hoje em dia o verbo “escolher” deixa de ter peso e é substituído por um simples “não é possível”. Um estudo realizado pelo Pew Research Center em Dezembro último, em conjunto com dados do U.S. Bureau of Labor Statistics, e feito a jovens adultos entre os 18 e os 34 anos, dá conta de algumas tendências que podem ser extrapoladas também para a realidade nacional:
Um outro dado importante revelado por esta sondagem afirma, então, que a vida adulta começa mesmo mais tarde do que outrora. De acordo com uma sondagem realizada pela revista Newsweek, em 1993, 80% dos pais entrevistados, com filhos pequenos, afirmavam que estes atingiriam a independência financeira aos 22 anos, com apenas 67% dos pais de hoje a manter essa visão. Ou, em suma, a nova realidade económica está também a alterar a forma como pensamos na idade adulta, pois o caminho da independência financeira, que a define, está cada vez mais longo e com mais obstáculos. E, como também refere a The Atlantic, se muitos destes jovens, pertencentes à geração boomerang, deixam a casa dos pais apenas para a ela regressarem passado algum tempo, estão ainda estudar, muitos outros existem que têm um emprego que não lhes dá remuneração suficiente para suportarem uma vida independente, dadas as dívidas acumuladas essencialmente com os custos dos seus estudos. Em Portugal, e como sabemos, o número de estudantes colocado no Ensino Superior este ano foi o mais baixo desde 2006, o mesmo acontecendo com o número de candidaturas. Também os valores das propinas em atraso nas universidades portuguesas ascendem aos milhões e o incumprimento dos créditos ao ensino por parte dos bancos está também a crescer. Em 2010, o The New York Times dedicou um extenso trabalho ao fenómeno da geração que teimava em não crescer (não contemplando a recessão). Com a opinião de psicólogos, foram muitas as teorias expostas e o retrato elaborado dos jovens com mais de 20 anos evidenciava as seguintes características: um terço dos jovens na casa dos 20 anos muda de residência todos os anos; 40% regressa a casa dos pais pelo menos uma vez; em média, estes jovens mudam de emprego sete vezes (dos 20 aos 30 anos); dois terços vivem, pelo menos durante algum tempo, com um parceiro sem casarem; o casamento ocorre cada vez mais tarde – nos anos 70, a média de idades para contrair matrimónio cifrava-se nos 21 para as mulheres e nos 23 para os homens, mas segundo dados de 2009, a média era de 26 e 28 anos respectivamente; os jovens não gostam de compromissos, frequentam o ensino até mais tarde por ausência de melhores opções, viajam, competem furiosamente por bolsas de estudo ou por estágios não pagos, tudo isto para adiarem ao máximo as responsabilidades da vida adulta. E, de regresso aos cinco marcos já anteriormente citados – completar os estudos, sair de casa dos pais, obter independência financeira, casar e ter filhos – o mesmo artigo também fez as contas comparativas: em 1960, 77% das mulheres e 65% dos homens tinham, com 30 anos, passado por todas estas cinco fases; em 2000, e de acordo com os censos norte-americanos, menos de metade das mulheres e apenas um terço dos homens, na mesma idade, haviam “cumprido” estes rituais de passagem. Um estudo canadiano evidenciou igualmente que os jovens que completavam 30 anos em 2001 tinham concluído as mesmas fases que os jovens de 25 anos nos anos 70. O artigo do New York Times concluía, entre variadíssimos outros aspectos, que estávamos perante um anacronismo no que respeita às denominadas fases para se entrar na idade adulta e que não existia – nem assim seria suposto – homogeneidade nas escolhas desta faixa etária. Ou seja, cada um percorria o seu caminho, a um ritmo individual, incluindo os que se mantinham solteiros ou sem filhos por opção, os que passavam pelas fases desordenadamente, optando pela carreira antes de um compromisso monogâmico, adiando a chegada dos filhos, deixando a escola para ir trabalhar ou voltando à mesma depois de já terem atingido a estabilidade económica. Todavia e dois anos depois, é o artigo em causa que parece ter ficado já desfasado ou mesmo anacrónico. Afinal, o fenómeno do adiamento da “vida adulta” pode mesmo ter a economia como principal causa.
Efeitos psicológicos e sociais podem ser devastadores Se tomarmos em consideração que uma boa parte desta geração foi criada num ambiente educacional e parental que, embora por vezes fragmentado e possivelmente insatisfatório, primava pelo alcançar de novas oportunidades, de uma boa auto-estima e do envolvimento com as questões globais, os últimos dois anos representaram uma valente machadada nas suas perspectivas, salienta o estudo. De “miúdos-troféu” à “geração eu”, a viver num ambiente no qual acreditavam ter um lugar, uma função e muito para oferecer, os jovens estão, mais do que nunca, a verem-se no papel de desempregados ou, pior ainda, e como afirma o think tank em causa, como “nunca-empregados”. E o acrónimo NEET – Not in Education, Employment or Training (nem a estudar, nem a trabalhar, nem em formação) já é reconhecido e utilizado não só pela imprensa, como pelos próprios decisores políticos. Em Inglaterra, entre 15% e 25% dos recém-licenciados não consegue arranjar emprego, e os NEETs ascendem já a um milhão e pela primeira vez na história. O estudo refere ainda que os estágios não pagos – agora apenas suportados pelas elites – estão também em crescimento, com estes jovens adultos a “comprarem” o privilégio de trabalhar em algum sítio interessante. Para os autores do estudo, existem dois potenciais problemas decorrentes desta situação: o primeiro emerge do desapontamento que uma geração em crescimento pode ter relativamente ao contrato “quebrado” com a sociedade e a outra na manifestação dos efeitos psicológicos da recessão. Se os jovens da actualidade partilham algumas das ambições e expectativas de emprego comparativamente às gerações que os precederam – uma remuneração decente ou o avanço na carreira, por exemplo – também procuram uma melhor conciliação entre família e trabalho, maior acompanhamento por parte de mentores, mais trabalho em equipa, um argumento ético e social nas funções que desempenham, bem como nas empresas em que os acolhem, a par de níveis elevados de envolvimento e mais responsabilidade. E, se já antes da crise económica eclodir, não era fácil ao mercado laboral responder a estes novos desejos, agora os jovens não têm sequer que se preocupar com as condições oferecidas pelo seu local de trabalho pois, simplesmente, este não existe. As empresas não estão a contratar e outras há que estão a despedir. E, para os autores do estudo, apesar de o efeito da recessão não ser, de forma intencional, uma rejeição dos trabalhadores mais jovens, é desta forma que estes o estão a percepcionar. O desespero que está a ser sentido tem algumas raízes nas realidades económicas, mas pode dar origem a uma “doença” mais grave e de longo prazo cujos efeitos poderão vir a ser sentidos nos locais de trabalho ao longo dos próximos anos. Os jovens com bons currículos académicos acreditam que o contrato com os empregadores e com a sociedade foi quebrado mesmo antes de ter sido iniciado. E, como sublinha o estudo, a esperança adiada pode fazer “mal ao coração” e causar descomprometimento, ostracismo e até depressão. Em segundo lugar, os autores defendem que os resultados económicos da recessão podem ser de prazo muito mais curto do que os efeitos psicológicos associados. Os casais, preocupados com a estabilidade dos seus empregos, terão muito menos hipóteses de embarcarem no desejo de constituir família, o que terá um impacto significativo nas taxas de natalidade (o que em Portugal está a acontecer já há muito tempo). E o stress e ansiedade poderão conduzir a um aumento expressivo dos casos de depressão graves e ao colapso dos níveis de optimismo. E, apesar de se poder imaginar os potenciais problemas que daqui resultarão, para a sociedade enquanto um todo, as verdadeiras repercussões são, para já, desconhecidas. |
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Editora Executiva