Face a 2016, o nível de pertença e de identificação dos europeus no que respeita à UE registou um crescimento positivo. Para assinalar os dois anos que faltam até às eleições de 2019, foi publicado um Eurobarómetro “especial” que, apesar de revelar dados mais optimistas por parte dos cidadãos face às expectativas que têm para o seu futuro, não deixa de lado preocupações sérias no que respeita, essencialmente, ao “sentimento democrático”e à persistente desigualdade que continua a subsistir nos seus Estados-membros. Ou e em suma, a UE tem de trabalhar mais e melhor em prol do bem-estar das suas populações
POR
MÁRIA POMBO

Faltando dois anos para as próximas eleições europeias, e estando o Velho Continente a ser “invadido” – no bom sentido – por uma brisa de optimismo generalizado, o Parlamento Europeu decidiu que era tempo de analisar a percepção dos cidadãos, com base em diversos acontecimentos recentes (como o Brexit, as últimas eleições norte-americanas, a guerra na Síria, a eleição de Guterres para a presidência da ONU, etc.), procurando também saber o que esperam, para os próximos anos, em termos de saúde e segurança social, ambiente, emprego e outras questões relacionadas com o mundo e com a vida em sociedade.

Apresentado em Abril e denominado “Dois anos até às eleições europeias de 2019”, este Eurobarómetro Especial do Parlamento Europeu – que contou, em Março e com entrevistas presenciais, com a participação de 27,901 pessoas, residentes em todos os 28 Estados-membros da UE [mesmo com o Brexit, o Reino Unido continua a ser um membro de pleno direito da UE, com todos os direitos e obrigações daí decorrentes] – conclui que, no geral, os europeus estão bastante preocupados com os últimos desenvolvimentos em termos de política global, nomeadamente devido ao aumento dos níveis de terrorismo e às incertezas que trazem acontecimentos como o Brexit ou a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Complementarmente, a ideia de que a Europa ainda tem trabalho a fazer (e principalmente a demonstrar) em matéria de democracia é comum entre os respondentes, sendo significativamente elevada a percentagem que assume que existem desigualdades sociais um pouco por todo o território.

Relativamente à eleição de Donald Trump e às consequências que a mesma já está a ter em todo o mundo, a maioria dos inquiridos (64%) considera que uma acção conjunta de vários países seria benéfica, e 22% acreditam que os interesses do seu país vão ser mais tidos em conta através de uma acção individual. Da mesma forma, o tema do Brexit levou 63% dos inquiridos a defender uma acção conjunta entre os Estados-membros da UE, ao passo que 23% preferem uma acção individual. Complementarmente, e através do aumento da instabilidade no mundo árabe/muçulmano, 73% dos inquiridos consideram que uma acção conjunta é mais benéfica do que uma acção individual (a qual apenas reuniu apenas 17% das escolhas dos inquiridos).

O Eurobarómetro conclui também que existe um maior apelo à acção da UE, o qual é acompanhado de um igualmente crescente sentimento – positivo – de pertença ao Velho Continente. Este é um aspecto importante do documento, tendo em conta que esta ideia de “pertença” (que é comum a 57% dos inquiridos, em 21 Estados-membros) cresceu quatro pontos percentuais face a 2016 e encontra-se praticamente ao nível daquele que tinha sido alcançado em 2007 (período que antecedeu a crise). Adicionalmente, diminuiu de 29% para 23% a percentagem de cidadãos que consideram que pertencer à UE “não é nem bom nem mau”, existindo apenas 14% de respondentes a considerarem que é mau fazer parte deste “clube”.

Para além de sentirem que é benéfico fazerem parte da União Europeia, 58% dos inquiridos sentem-se ligados e afeiçoados ao Velho Continente. Este é, aliás, um sentimento que tem vindo a crescer em 23 dos seus Estados-membros, sendo particularmente elevado na Alemanha (que, com 70%, obteve mais 12 pontos percentuais que em 2016), na Dinamarca (que, com mais 10% que no ano passado, reuniu este ano 56%) e na Holanda (que chegou aos 51%, ou seja, mais 13% do que há um ano). Sem grandes surpresas, a ligação dos inquiridos ao seu país (91%), à sua terra ou à sua região (ambas com 87%) é bastante superior àquela que sentem relativamente à União Europeia. Complementarmente, para 74% (mais 3% que em 2016), a solidariedade entre os cidadãos dos vários países é bem maior que qualquer questão que os possa separar, sendo este um sentimento partilhado pela maioria dos inquiridos dos 28 Estados-membros.

Todavia, muitos são os inquiridos que consideram que a UE actua de forma inadequada em diversas áreas, sendo reduzida a percentagem que considera que a sua acção é excessiva. Dado o impacto da crise e a consequente carência de uma mudança ou de um novo modelo que permita recuperar dos estragos causados pela mesma, existe uma elevada necessidade de protecção e acção na luta contra o desemprego e contra o terrorismo, em questões relacionadas com as migrações, e também no que respeita à protecção ambiental, e à saúde e segurança social. Estas são, aliás, as questões que mais preocupam os cidadãos inquiridos e onde uma boa actuação da União Europeia terá mais efeitos.

Europeus identificam-se com os valores da UE mas reclamam uma maior acção

© STMTS (artista grego)

No que respeita a políticas de acção externa, mais de um terço dos inquiridos considera que a actuação da UE é adequada, sendo cada vez menor a percentagem que a vê como inadequada. A protecção das fronteiras, a promoção da paz no mundo, a segurança e a defesa, e ainda a política externa foram as temáticas analisadas neste ponto, e em todas elas é crescente, face a 2016, a percentagem de inquiridos que considera que a UE está a fazer um bom trabalho, sendo menor o número de respondentes para quem a acção europeia é inadequada.

A economia é um tema que não deixa os europeus particularmente satisfeitos. Se é verdade que a maioria (60%) considera que é desajustado o modo como a UE luta contra a fraude fiscal, também é verdade que a maioria dos inquiridos defende que deveria existir uma maior e melhor acção, tanto nesta matéria como também em questões relacionadas com a economia, a agricultura, a energia e a indústria – sendo que em todas elas é minoritária a percentagem que entende que a UE está a fazer um bom trabalho.

Um passo atrás parece, contudo, estar a ser dado em termos de promoção da igualdade entre homens e mulheres, já que para 52% dos inquiridos (mais 5% que no ano passado) a União Europeia deveria ser mais activa neste aspecto, sendo, por seu turno, menor (45%, ou seja, menos três pontos percentuais que em 2016) a percentagem de respondentes que consideram adequada a sua acção nesta matéria.

Uma conclusão interessante é que este maior desejo, revelado pelos inquiridos, de que a UE tenha uma atitude mais forte em relação a alguns temas está directamente relacionada com o igualmente crescente desejo de informação e também com o sentido de pertença ao território europeu. A luta contra o terrorismo, o combate ao desemprego, e a saúde e segurança social são as temáticas sobre as quais os inquiridos indicam querer saber mais pormenores, o que corrobora o facto de serem precisamente estas três das áreas que maior reivindicação geram entre os respondentes.

Uma outra questão que, também por ocasião dos 60 anos do Tratado de Roma, foi feita aos inquiridos está relacionada com a velocidade (e os diversos ritmos) a que a integração deve ser feita na UE, a qual é vital para o seu sucesso e bom funcionamento. A esta pergunta, 49% dos inquiridos (mais 8% do que em 2015) entendem que a mesma deve ser feita a “vários tempos”, sendo inicialmente levada a cabo pelos Estados-membros que estiverem melhor preparados, sem que estes tenham que “esperar” pelos restantes. Por outro lado, para 41% dos participantes (num decréscimo de sete pontos percentuais face a 2015), a integração deve ser feita ao mesmo tempo, por todos os Estados-membros e quando todos estiverem preparados.

Em termos regionais, a Holanda (com 69%), a Bélgica (com 65%), a Alemanha (com 64%), e a Lituânia e a Eslovénia (ambos com 63%) são os países que mais defendem a integração a duas velocidades. Por seu turno, Portugal (com 65%), a Grécia (com 61%), Espanha (com 52%), a Roménia (com 51%) e a Irlanda (com 50%) são as nações que mais defendem que a integração deve ser feita por todos os Estados-membros, ao mesmo tempo.

© STMTS (artista grego)

Porque as desigualdades sociais ainda se fazem sentir em grande escala

Para além de sentirem que pertencem à UE e se identificam com os valores que a moldam, 63% dos respondentes (mais 10% que em 2015) acreditam que a sua voz é ouvida, no seu país, contra 35% que pensam o contrário. Adicionalmente, 43% dos cidadãos consideram que a sua voz conta, a nível europeu, sendo que a maioria (53%) pensa o oposto. Para além desta questão, e à semelhança do que foi apurado em 2015, seis em cada 10 cidadãos (63%) consideram que a “voz do seu país” conta na União Europeia, e 33% não concordam com esta afirmação.

Considerando que e mesmo assim são relativamente baixas as percentagens de inquiridos que se sentem ouvidos, votar nas próximas eleições europeias é, para 59% dos inquiridos, a melhor forma de inverter esta situação. É que, apesar de a maioria (54%) dos inquiridos entender que a democracia funciona bem no seu país, a nível europeu apenas 43% dos inquiridos revelam sentir-se satisfeitos com a mesma.

Os conhecimentos dos cidadãos inquiridos, em matéria de funcionamento das instituições europeias, foi igualmente considerado na análise, tendo obtido nota positiva (58%), nomeadamente no que respeita a saberem que: é o Parlamento Europeu que elege o presidente da Comissão Europeia; a nível europeu, a legislação é aprovada pelo Parlamento Europeu em conjunto com os Estados-membros e que é falsa a ideia de que todos os Estados-membros têm o mesmo número de deputados no Parlamento Europeu. Importa, todavia, salientar que 24% dos inquiridos revelaram não saber as respostas a estas três questões.

Apesar da onda de optimismo que tem invadido a Europa e dos desenvolvimentos positivos que se observam, metade dos inquiridos considera ainda que “as coisas estão a caminhar na direcção errada”, ou seja, que o futuro poderá não ser tão risonho como poderíamos pensar ou desejar. Apenas um quarto dos respondentes acredita que a UE está a tomar o rumo certo e 14% não têm uma opinião formada acerca deste tema. Em termos nacionais, os resultados não são melhores, existindo 51% de europeus a assumir que o caminho deveria ser outro, contra 31% que se sentem satisfeitos com o rumo das “coisas” e sendo 12% aqueles que não se identificam com “nenhuma das opções acima referidas”.

Um dos motivos que poderá influenciar a opinião dos inquiridos relativamente ao futuro, e o seu sentimento de pertença à UE e de comunhão com os seus valores, está relacionado com a crise económica e com as desigualdades sociais, as quais são sentidas um pouco por toda a parte e pela maioria. De acordo com este Eurobarómetro, 84% dos inquiridos consideram que são enormes as desigualdades entre diferentes grupos sociais, nos países onde vivem.

Adicionalmente – e preocupantemente -, 64% entendem que estas diferenças são maiores hoje do que eram há cinco anos, existindo apenas um quarto de inquiridos para quem as desigualdades têm vindo a diminuir. Três em cada 10 respondentes acreditam que a crise ainda vai perdurar por muito tempo, sendo semelhante a percentagem (28%) que pensa que a economia irá recuperar nos próximos anos; ainda neste aspecto, 12% dos respondentes acreditam que o crescimento económico irá acontecer nos próximos meses e 22% consideram que a UE já está a voltar aos níveis de crescimento económico que antecederam a crise.

Em Portugal, e de acordo com dados do INE divulgados recentemente, embora o rendimento médio disponível por família tenha aumentado em cerca de 80 euros, de 2015 para 2016, são actualmente cerca de 2,6 milhões os portugueses que vivem em risco de pobreza ou exclusão social, sujeitando-se a habitar em casas com um reduzido número de divisões, escuras e sem casa de banho. A população sénior é o principal grupo afectado por esta dura realidade.

Em suma, através deste Eurobarómetro Especial é possível concluir que os europeus estão bastante preocupados com o presente e com o futuro próximo. Os níveis de satisfação estão tão elevados como estavam antes da crise – o que é bom – mas as desigualdades sociais provocadas por esta ainda se fazem sentir um pouco por toda a parte, sendo referidas pela grande maioria dos cidadãos que participaram nesta análise. E este é um factor que, em conjunto com diversos acontecimentos do foro social e político, aumenta as reservas dos inquiridos relativamente ao que poderão ser os próximos anos, no mundo e no Velho Continente.

Jornalista