POR HELENA OLIVEIRA
“Não é surpreendente, depois de anos e anos de histórias veiculadas pela imprensa sobre CEOs que saem impunes de comportamentos que são moral e eticamente reprováveis e, em alguns casos, acompanhados por recompensas financeiras chorudas, que sejam muitos os americanos que exijam maiores níveis de responsabilização aos executivos de topo”, afirma Nick Donatiello, professor de corporate governance na Stanford Graduate School of Business e um dos responsáveis do inquérito”Punishing CEOs For Bad Behavior: 2017 Public Percepetion Survey”. As principais conclusões deste inquérito revelam que dos 1554 americanos entrevistados, quase cerca de metade acredita que os CEOs devem ser despedidos (ou pior) por comportamentos não éticos, que as violações entre empresa e cliente são as mais graves e que a percepção pública dos possíveis erros que possam ser cometidos por estes líderes é cada vez mas crítica.
Mas não são só os americanos que exigem cada vez mais dos CEOs que lideram as grandes empresas. E é sobre um relatório global que iremos escrever, realizado pela strategy + business em parceria com o departamento de estratégia da consultora PricewaterhouseCoopers, tendo como base o estudo anual Strategy&CEO Success study e cujo título é, de imediato, sugestivo: Será que os CEOs da actualidade são menos éticos do que no passado?
Para responder à pergunta, e mesmo depois de analisadas as 2500 maiores empresas globais em termos de capitalização bolsista, o caminho não é, de todo fácil. Se por um lado os números mostram que, na era da transparência e do escrutínio permanente, são mais os CEOs que são dispensados das suas funções devido a lapsos éticos – o termo escolhido para identificar maus comportamentos seja ao nível da corrupção, fraude, por enganar os clientes, os reguladores ou investidores, ou ainda por “meras condutas amorais” no interior das organizações – por outro, também é sabido e natural que, nesta mesma era, o próprio ambiente empresarial e social é mais propicio a detectar e, consequentemente, a punir aqueles que não cumprem as regras de conduta. De qualquer das formas, o estudo em causa oferece informação relevante sobre como se andam a comportar os CEOs, em particular os da América do Norte, Canadá, Europa Ocidental e BRICs e contextualiza as más notas que muitos andam a ter. Um relatório muito interessante que o VER sumariza de seguida.
Maior escrutínio = maior desejo de justiça
É um dos cargos mais invejados do mundo, imediatamente identificado com salários elevados, benefícios excelentes, estatuto social distinto e, muitas vezes, acesso a jactos privados, férias em locais paradisíacos, enfim, o emprego de sonho. Todavia, o sonho anda, para os que sentam na cadeira do poder e nem sempre cumprem os objectivos que lhes estão inerentes, a tornar-se um pesadelo para alguns, pelo menos para os que são apanhados a cometer deslizes ou fraudes éticas , em conjunto com os seus empregados, passando os limites da linha vermelha.
Assim e como demonstra o estudo CEO Success, os conselhos de administração, os investidores institucionais, os governos e os media estão a exigir aos CEOs um nível muito mais elevado de responsabilização no que respeita às fraudes corporativas e aos lapsos éticos face a épocas anteriores, sendo que os mesmos estão cada vez mais a ser manchete nos media devido a questões que variam entre enganar reguladores ou investidores, “cortar caminho” ou devido a falhas em detectar, corrigir ou evitar condutas não éticas ou ilegais nas suas organizações.
Mas e mesmo assim, não é propriamente fácil fazer contas ou afirmar, de acordo com os dados existentes – que são vários – se os CEOs estão ou são menos éticos hoje do que o eram ontem. Por um lado, porque o número de CEOs que foram forçados a abandonar as suas funções de liderança de topo, em 2016, permanece reduzido, com apenas 18, nas 2500 maiores empresas do mundo, a terem de o fazer.
Mas e por outro, e aparentemente em contra-senso, os despedimentos devido a lapsos éticos têm vindo a aumentar enquanto percentagem do total de sucessões dos CEOs (a demissão ou exoneração devido a lapsos éticos definida pelos autores do estudo em causa refere-se ao afastamento do CEO como resultado de um escândalo ou conduta imprópria dele próprio ou de outros trabalhadores; os exemplos incluem fraude, suborno, informações privilegiadas, desastres ambientais, currículos falsos e ‘indiscrições’ sexuais)
É que, e globalmente, as exonerações devido a lapsos éticos, tendo como universo todas as sucessões, aumentaram de 3,9% para o período entre 2007-2011 para 5.3% em 2012-2016, o que corresponde, em termos totais, a um aumento de 36% no que respeita a saídas forçadas, sendo que, em termos globais, este acréscimo foi mais visível na América do Norte e na Europa Ocidental. O estudo sublinha que, na sua amostra de sucessões das maiores empresas nestas duas regiões (aquelas que estão no quartil superior em termos de capitalização bolsista global), os despedimentos por lapsos éticos aumentaram de 4,6% do total de sucessões entre 2007-2011 para 7,8%, o que se traduz num aumento de 68%.
Mas e como também alerta o relatório Strategy&CEO Success, os dados existentes não conseguem demonstrar – sendo que seja muito possível que nenhum outro tipo de informação o possa fazer com acuidade – se existem hoje mais delitos ou transgressões face ao passado.
Pelo contrário, escrevem também os autores, existem dúvidas que tal seja verdade, tendo como base a experiência que têm em analisar e trabalhar com centenas de empresas ao longo dos anos. Adicionalmente e ao invés, os dados agora recolhidos demonstram que as organizações estão a melhorar, continuamente, os seus processos de selecção e substituição de CEOs, bem como as suas práticas de governance, em especial nos países desenvolvidos.
Então o que explica este aumento de despedimentos a nível global, se e em princípio, as empresas estão mais atentas e mais seguidoras do bem do que do mal?
Como tudo o resto, é uma questão de perspectiva. E, neste caso, há que ter em atenção que, em particular ao longo dos últimos 15 anos, o ambiente e o contexto nos quais as empresas operam mudou substancialmente, devido a cinco grandes tendências. E são essas mesmas forças que iremos sumarizar de seguida.
A omnipresença dos media e da opinião pública
Mais desconfiados, mais críticos e menos propensos a “deixar passar em branco”. É assim que o público em geral olha para o “pecados corporativos” nos dias que correm, na medida em que os media estão em todo o lado – em particular, onde histórias de má conduta ética conferem ‘likes’ obrigatórios – e em que a confiança nas grandes empresas e nos seus líderes têm vindo a descer a pique nas últimas décadas, em particular desde a crise financeira global de 2007-2008. Para quem já não se recorda, os gigantes empresariais e os seus CEOs receberam resgates financeiros igualmente gigantescos e, aparentemente, poucos foram aqueles que tiveram problemas em deitar a cabeça na almofada e adormecer. Apesar de terem sido muitas as empresas que pagaram multas chorudas e fizeram acordos dispendiosos, muito poucas foram as que sofrerem acusações formais e/ou criminais, memo nos casos em que a ausência total de ética e as actividades ilegais foram disseminadas e bem comprovadas.
Mesmo com uma atenção muito maior dada pelos media, a qual se tem concentrado em particular na fuga ao pagamento de impostos ou à deslocalização de trabalhadores, bem como nos pacotes de benefícios escandalosos dos executivos de topo e na desigualdade crescente face aos demais trabalhadores, as empresas não estão ainda com a cabeça fora de água no que aos índices de confiança diz respeito. Pelo contrário, e tal como o VER reportou na análise que fez ao 2017 Edelman Trust Barometer, apenas 37% dos inquiridos consideram os CEOs como credíveis, sendo este resultado o mais baixo dos últimos 17 anos e 12% inferior face a 2016. Uma curiosidade: de acordo com um inquérito feito a longo prazo pela Gallup, em 1975 34 % dos cidadãos norte-americanos afirmavam ter uma “enorme confiança” nos “grandes negócios”, percentagem essa que, em 2016, se situava nos 18%.
Mas e dado que as exonerações dos CEOs devido a falhas éticas aumentaram também, nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa Ocidental, é possível deduzir que este “novo ambiente de escrutínio” – e em conjunto com as demais forças tectónica que estão a abalar o ambiente empresarial – é também mais pronunciado nestas regiões. E o facto dos despedimentos devido a lapsos ético ser ainda mais elevados nas empresas que pertencem ao quartil superior das 2500 “maiores” sugere que são estas mesmas que são mais afectadas por estes fenómeno, exactamente porque que estão sob um escrutínio mais pronunciado.
Regulação, tolerância-zero e o fim do CEO “imperial”
Antes de passarmos à “nova” era da regulação e da governance – uma das cinco forças que podem explicar por que motivo os CEOs estão a ser, em regra, exonerados com mais facilidade, mesmo que o ambiente “ético” esteja a ser melhor conduzido – vale a pena dar conta também das mudanças que têm em estado em curso no que respeita ao nível de crescente responsabilização dos CEOs nas décadas mais recentes.
Como realça o estudo em causa, no século XX, mesmo os casos sérios, em larga escala e amplamente publicitados de mau comportamento corporativo raramente resultavam na exoneração dos CEOs. Processos criminais que envolvessem executivos de topo eram extremamente raros, as multas financeiras eram modestas e a atenção dos media era apenas reservada para os que se dedicavam ao jornalismo de negócios.
Na actualidade, se um CEO é apanhado num escândalo de proporções significativas, o mesmo é rapidamente convidado a demitir-se, sendo que não é assim tão incomum assistirmos a múltiplas acusações ou indiciamentos de executivos de topo. Por outro lado, as sanções financeiras que as empresas enfrentam subiram em flecha, chegando, em casos recentes, a dezenas de milhares de milhões de dólares. Adicionalmente, a atenção dos media, seja qual for o órgão de comunicação social, e muito com a ajuda das redes sociais, é completamente omnipresente.
Desta forma, o aumento do criticismo e o cepticismo público relativo aos executivos e às grandes empresas que lideram traduziu-se – ainda que não tanto quando seria desejável – em acções regulatórias e legislativas. Nos últimos 20 anos, surgiram novas leis – e no seguimento de escândalos ou crashs nos mercados – que acentuaram o escrutínio dos CEOs e respectivas organizações e tornaram obrigatórias um maior número de práticas de compliance formais e mais extensas. Nos Estados Unidos, e no seguimento dos grandes escândalos da Enron e da WorldCom, surgiu a denominada Lei de Sarbannes-Oxley de 2002, a qual alterou significativamente a natureza da regulamentação corporativa, e que foi adoptada, em termos similares, em vários países. Depois, e em plena Grande Recessão, surgiu a Lei Dodd-Frank para a Reforma de Wall Street, a qual impôs novas regulações e normas, incluindo medidas adicionais para detectar, desencorajar e punir os delitos empresariais. E, para se manterem do “lado certo”, muitas foram as empresas que assumiram uma política de tolerância zero face a maus comportamentos para a gestão de topo (se bem que nem todas a cumpram).
Um dos efeitos mais visíveis e positivos destas medidas foi, e como enfatiza o estudo em causa, a mudança do enfoque da responsabilização por males éticos da empresa para o indivíduo. E, mesmo que o número não seja assim tão significativo, a verdade é que as penas de prisão devido a actos ilícitos empresariais têm vindo a aumentar. Entre 1996 e 2011, as penas médias de prisão para os executivos que cometeram fraudes quase duplicaram, de um para dois anos, sendo que ao longo do mesmo período, a pena média para todos os crimes federais baixou de 50 meses para 43 meses.
Adicionalmente, nas décadas mais recentes o poder também saiu das mãos dos CEOs para ser transferido para os conselhos de administração e accionistas de peso. Como refere o estudo, os dias do “CEO imperial” que presidia a um conselho de administração maioritariamente composto por amigos pessoais e insiders da empresa já terminaram. O estudo Strategy&CEO Success cita ainda o Spencer Stuart Bord Index que, de acordo com dados de 2016, afirma que 85% de todos os membros dos conselhos de administração nas empresas pertencentes ao índice S&P 500 eram independentes e que 27% dos mesmos tinham um presidente tolamente independente, face a 9% em 2005.
Globalização e maior exposição ao risco
Também já não é novidade para ninguém que as ameaças enfrentadas pelas empresas no curso normal das suas operações de negócio multiplicaram-se nas últimas décadas. Se é verdade que as oportunidades de crescimento global se encontram, muito em particular, nas economias emergentes, é também nos BRICs que o risco de lapsos éticos – nomeadamente corrupção e suborno – é mais elevado. O que não causa surpresa na percentagem de turnover de CEOs resultantes destes comportamentos ilícitos, a qual é manifestamente superior à dos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental.
Com a crescente interconectividade dos negócios, também as operações se globalizaram e as cadeias de fornecimento se tornaram mais “longas”, o que também expõe as empresa a riscos mais significativos. Ou seja, não só têm de estar atentas e preocupadas com os riscos que estão directamente relacionadas com a sua própria acividade, como têm de ter uma atenção extra aos intermediários e aos intermediários dos intermediários.
Comunicação digital, hackers e IoT
Para além da criação de novos canais de indiscrição, a utilização do email, das mensagens de texto e dos tweets abriram caminho fértil para novos riscos e lapsos éticos. As comunicações digitais das empresas podem fornecer evidências irrefutáveis de má conduta, sendo que a sua existência aumenta a probabilidade de um CEO vir a ser responsabilizado por lapsos éticos que aconteçam debaixo dos seus olhos. Adicionalmente, a confiança crescente da sociedade nas tecnologias digitais de dados – incluindo o acelerado progresso da IoT (Internet of Things, na sigla em inglês) – ultrapassou o desenvolvimento dos sistemas, das normas, das regras e de outras medidas que serviam para mitigar os riscos da cibersegurança e da privacidade que fazem parte integrante nos inúmeros dispositivos que são concebidos, construídos, comprados e utilizados online.
Como sabemos também, os hackers ou piratas informáticos estão cada vez mais sofisticados – e bem sucedidos – no acesso que têm aos dados privado e às comunicações electrónicas das empresas com um dos seus objectivo a traduzir-se, exactamente, na exposição de actos ou conversas não éticas ou mesmo lícitas por parte dos seus executivos de topo, e prontos para as divulgar e disseminar para o público e para os media.
De acordo com o 2016 Global State of Information Security Survey, publicado também pela PwC, o número de incidentes de (quebra de) segurança em todas as indústrias (o VER apresentou, recentemente, e no artigo Convenção de Genebra Digital precisa-se um conjunto de estatísticas impressionantes) aumentou 38% em 2015 – o maior aumento registado nos últimos 12 anos, e desde que o estudo foi publicado pela primeira vez. Na edição de 2017, 59% dos inquiridos reportaram terem aumentado os seus gastos em cibersegurança como resultado da digitação do seu ecossistema de negócio.
A imparável amplificação das más notícias num mundo ligado 24 horas por dia
A natureza dramaticamente alterada dos media tem vindo a ampliar as notícias e opiniões negativas sobre as empresas e a conduta dos seus executivos. Se no aparentemente longínquo século XX, a maioria dos executivos e das organizações que lideravam conseguiam manter um certo “anonimato”, vivendo e trabalhando sobre as regras do mesmo, hoje isso é, literalmente, passado. Para além de impossível. As notícias “financeiras” (e todas as outras, é claro)na web correm à velocidade da luz e cruzam as (não) fronteiras do ciberespaço contínua e celeremente. A ajudar a esta festa de foguetes, as informações negativas reveladas por informadores, delatores, short sellers, críticos e hackers são as primeiras (ou estão entre as primeiras) a gerar distribuição e atenção globais. As empresas sentem-se pressionadas a responder, de forma instantânea – muitas vezes sem elas próprias terem acesso a informação contextualizada – a problemas, crises, queixas que aparecem nas notícias, que irrompem no media sociais ou que são directamente provenientes por indivíduos influentes. E nesta ambiente de panela de pressão, torna-se bem mais fácil remover a peça principal do tabuleiro de xadrez em chamas: o CEO. Não só para o público, mas para a próprias empresas.
Leia também: Os (co)lapsos éticos e o triângulo da fraude
Editora Executiva
Para uma resposta rápida a que me ocorre é que se fossem eles a pagar do bolso deles “os lapsos éticos – o termo escolhido para identificar maus comportamentos seja ao nível da corrupção, fraude, por enganar os clientes, os reguladores ou investidores, ou ainda por “meras condutas amorais” e não as organizações e os seus trabalhadores, ser incumpridor para a grande maioria ainda compensa.
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