A tecnologia representa um enorme desafio ecológico. Para além das acções individuais, deve ser aumentada a sensibilização dos utilizadores para o impacto ambiental da tecnologia digital, integrando formações sobre o ciclo de vida dos produtos e a concepção ecológica de dispositivos e software. Outra ideia será incluir módulos nos currículos escolares nas aulas de tecnologia na faculdade. Importa mesmo que pensemos fisicamente na nossa pegada digital, que também aquece o planeta
POR PEDRO COTRIM

A história da Google é a de uma start-up que teve sucesso porque foi capaz de fornecer um serviço valioso aos utilizadores da internet. Antes do fenómeno, havia alguma dificuldade em identificar facilmente sites relevantes para as pesquisas. Desde 2001, aproximadamente, a partir de uma só palavra, é possível obter uma lista coerente de sites. A história da Google também acompanha a da internet, com o seu gigantismo crescente: maps, chrome, motores de busca, gmail, youtube, etc. O que Eric Schmidt, então presidente da Google, resumiu no já longínquo 2010, diz tudo: «Sabemos onde você está, sabemos onde você estava, e sabemos mais ou menos o que você pensa». No final de 2023, o que se saberá agora na Google?

Ao imaginar a Google, será possível ficar com uma ideia do seu tamanho – possui mais de 3 milhões de servidores para fazer funcionar as suas aplicações, estando a maioria armazenada nos famosos data centres. Podemos portanto afirmar que nós próprios estamos nos data centres. Há cerca de 4 mil destas unidades no mundo. A explosão digital, com e-mails, vídeos e smartphones, tem ocasionado um grande crescimento destes imensos armazéns de servidores informáticos.

Mas os data centres absorvem muita energia. Os maiores consomem tanto como uma cidade do tamanho de Braga ou Coimbra. A Comissão Europeia estima que no continente o consumo anual dos data centres tenha passado de 61 para 129 mil milhões de quilowatts-hora entre 2012 e 2022.

Estes exércitos de máquinas, além de serem abastecidos com eletricidade, têm de ser constantemente arrefecidos. Caso contrário, irão sobreaquecer e colapsar. O ar condicionado representa assim quase metade da factura de electricidade dos data centres. Há empresas inovadoras com ideias de aproveitar esta grande capacidade de computação para aquecimento: estes «radiadores digitais» conectados à internet efectuam processamento para as empresas e, nesta tarefa, libertam calor, ‘duplicando’ assim os ganhos económicos: as famílias poupam nos custos de aquecimento e a empresa nos de ar condicionado que teriam sido cobrados por um data centre. O resultado é uma pegada ecológica dividida por quatro.

A poluição digital põe em risco a transição ecológica. Longe de ser desmaterializada, a economia digital assenta em infraestruturas muito físicas e muito poluentes. Já representa 10% do consumo global de electricidade e 5% das emissões de CO2, com este número a aumentar todos os anos. Prevê-se que os centros de dados venham a representar 10% ou mais do consumo global de energia até 2030. É muito.

Mas não é ‘apenas’ energia, é também muito material. Um telemóvel actual contém mais de cinquenta matérias-primas diferentes, em comparação com cerca de dez das centrais telefónicas da década de 1960. O lixo eletrónico também se está a acumular.

O actual 5G pode ser mais eficiente em termos energéticos, mas o aumento da recolha de dados que implica irá piorar as coisas, multiplicando estas fábricas poluentes que são os data centres. E há ainda que considerar os cabos submarinos por onde passa 99% do tráfego de dados. Vemos a China duplicar as infra-estruturas mundiais de internet e a criar uma rede paralela para escapar a qualquer controlo americano.

Toda esta tecnologia representa um enorme desafio ecológico. Para além das acções individuais, deve ser aumentada a sensibilização dos utilizadores para o impacto ambiental da tecnologia digital, integrando cursos sobre o ciclo de vida dos produtos e a concepção ecológica de dispositivos e software. Outra ideia será incluir módulos nos currículos escolares nas aulas de tecnologia na faculdade.

Em teoria, o poder computacional poderá reembolsar os particulares pela eletricidade consumida pelos computadores ‘radiadores’, que podem, portanto, aquecer sem grandes dramas. Este argumento não deve deixar indiferentes observadores sociais, tendo em conta que uma família portuguesa gasta em média 1200 euros por ano em aquecimento e que dois em cada cinco agregados familiares se encontram numa situação de pobreza energética. A prioridade é clara: é do lado dos dispositivos, dos terminais (computadores, smartphones, etc.) que o impacto é maior.

Antes de se sentir culpado por fazer streaming, repare na sua última aquisição e verifique quando foi feita. Com os cuidados adequados, um computador pode durar pelo menos dez anos, e um smartphone cinco. Nas empresas, prolongar a vida útil dos computadores portáteis de dois para cinco anos reduziria as emissões anuais de gases com efeito de estufa da frota de terminais em quase 40%. Aumentar o número de smartphones equipados com dois cartões SIM tem o mesmo efeito que eliminar o uso de um dispositivo. O Responsible Digital Institute, integrado na Universidade de Oxford, quer incentivar esta mudança nas organizações.

Os operadores de cloud computing não só hospedam dados e aplicações, mas também fornecem software de mensagens, aplicações de contabilidade e de recursos humanos, ferramentas para desenvolvimento de aplicações, etc. O crescimento do sector é, portanto, impulsionado pela migração dos ambientes digitais das empresas: embora até agora fossem geridos internamente, são cada vez mais subcontratados a operadores de cloud computing. Em Portugal, apenas 23% das empresas recorreram a este tipo de armazenamento em 2020, segundo o Eurostat. O sector tem aparentemente um futuro brilhante pela frente.

Além da obsolescência programada, hoje em dia classificada como crime, há o grande obstáculo do «obesiware»: o facto de certas atualizações de software desnecessárias poderem tornar o processamento mais pesado e fazer com que o sistema fique lento se for um pouco antigo, pressionando os consumidores para a mudança. Este é um factor importante no design ecológico. Além disso, a lei deveria impor uma distinção entre actualizações correctivas, que são necessárias porque corrigem falhas de segurança no software, e atualizações evolutivas, que são supérfluas, que acrescentam novas funcionalidades que muitas vezes não são necessárias.

E para que os aparelhos durem, a higiene é fundamental: se se apaga a luz à noite, porque não desligar a caixinha de internet? Acredita-se que em vinte anos, bairros ou mesmo cidades inteiras serão aquecidos pela energia dos computadores. No entanto, a dispersão do poder computacional apresenta uma desvantagem. Qualquer intervenção de manutenção exige uma deslocação humana, o que coloca alguns constrangimentos.

Os dois maiores data centres do mundo estão na China, que comanda igualmente esta revolução, para grande temor do Ocidente. Joe Biden seguiu o exemplo de Donald Trump em relação ao poder digital do gigante asiático. Durante muito tempo uma simples oficina de montagem para o mundo, a China soube desenvolver as suas competências tecnológicas. É certo que a cópia dos produtos ocidentais, a espionagem, as subvenções e os empréstimos públicos maciços tiveram um papel importante, mas não nos esqueçamos de que, tentadas pela dimensão do mercado chinês, muitas multinacionais transferiram simplesmente a sua tecnologia para o país, conforme sucedeu com a canadiana Nortel.

Esta empresa começou por exportar produtos estratégicos para a China, antes de para aí deslocalizar a sua investigação e desenvolvimento, onde os técnicos locais puderam recolher benefícios. A Huawei, que não conseguiu comprar a Nortel quando a empresa entrou em falência, não tentou comprar as suas patentes, mas aproveitou a oportunidade para contratar trabalhadores estratégicos.

Entretanto, a Baidu e os seus serviços de geolocalização cobrem mais sítios no mundo do que o GPS americano. A ascensão da China como uma potência digital pode ser vista no papel central desempenhado por certas empresas. A Hickvision e a Dahua detêm quase 50% do mercado mundial de videovigilância, a Xiaomi vende as suas pulseiras de fitness nos Estados Unidos e a China está a organizar redes de cidades inteligentes em mais de 100 países.

Por muito impressionantes que sejam as realizações digitais da China, o país continua a ficar para trás em segmentos-chave do sector. O bloqueio de todas as exportações de semicondutores que contêm material americano sublinhou a forte dependência externa do país neste domínio. Será necessário muito tempo para atingir a fronteira tecnológica.

Há também um atraso significativo no desenvolvimento de satélites LEO, um espaço que as empresas americanas estão a ocupar, e não haverá lugar para todos. No domínio da nuvem, dos 550 data centers gigantes (mais de 5000 servidores) existentes no mundo, os Estados Unidos controlam 38% e a China 11%.

Nesta batalha digital mundial, a Europa é a grande ausente. A Comissão Europeia está a pôr em cima da mesa 3 mil milhões de euros para desenvolver uma nuvem à escala europeia e espera mobilizar 8 mil milhões de euros de dinheiro dos investidores privados em sete anos. É menos do que a Amazon investiu num único trimestre.

São números enormes, há que pensar que a nuvem tem de estar alojada em algum lugar e que tudo gera calor. São contas grandes e muitos milhões de circuitos. Se ainda tiver dúvidas, visite um data centre. E pode ser com pegadas digitais, não se preocupe. Veja o colosso por dentro e pense no que está ali de seu.

Foto: © Digital Smarthands