Durante a intervenção no VIII Congresso da ACEGE, Ricardo Zózimo falou sobre dimensões da esperança que possuem, de alguma forma, comprovação científica e sobre a importância de a cultivar nas empresas de maneira estruturada e fundamentada, evitando que se torne um discurso vazio. Por seu turno, Ricardo Morais apresentou as conclusões de um estudo, feito a partir de entrevistas realizadas a 14 membros da Direcção Nacional da ACEGE, que analisou como a identidade cristã influencia a gestão, revelando nove dimensões que diferenciam líderes que integram a espiritualidade no mundo corporativo
POR HELENA OLIVEIRA

O painel “A Esperança e o Trabalho: o que noz diz a ciência?”, teve como oradores convidados Ricardo Zózimo, professor da Nova SBE e Ricardo Morais, da Católica Porto Business School.

Num mundo onde a esperança se tornou um dos valores mais desejados pelos colaboradores, a intervenção de Ricardo Zózimo não só se focou em alguns números cientificamente comprovados sobre a sua importância no interior das organizações, como também fez saber que a agência individual e a colaboração colectiva são os pilares por excelência para criar organizações onde a esperança floresce, transformando cépticos em aliados e impulsionando um crescimento mais acelerado.

Já Ricardo Morais apresentou um estudo inovador, inspirado em pesquisas americanas e adaptado ao contexto português, o qual revela como a fé cristã influencia a tomada de decisões, a resiliência e a liderança de gestores e empreendedores. Para o investigador, a busca por autenticidade, a oração nas decisões e a visão de longo prazo transcendem a racionalidade económica, transformando o trabalho em missão e inspirando uma nova abordagem para o sucesso nos negócios.

Segue-se um resumo das duas intervenções.

“As pessoas estão sedentas que os líderes das organizações [em que trabalham] lhes dêem esperança

Para Ricardo Zózimo, a esperança pode ser definida como a capacidade de ter agência sobre o futuro, ou seja, sentir que se tem capacidade para definir o próprio destino, mas tendo em conta que esse futuro ocorre dentro de um contexto colectivo.

No ambiente corporativo, essa definição traduz-se de diferentes formas. Em organizações onde os colaboradores têm pouca autonomia e sentem-se isolados, a esperança é baixa, resultando em desmotivação e falta de conexão com o propósito da empresa. Por outro lado, há ambientes onde os colaboradores são dinâmicos e comunicativos, mas sem poder de decisão, o que gera frustração ao longo do tempo. Algumas empresas jovens apostam fortemente na colaboração, mas sem estratégias eficazes, o que pode resultar em desorganização. O cenário ideal ocorre quando as empresas conseguem equilibrar a autonomia dos colaboradores com uma forte cultura de trabalho colectivo, promovendo um ambiente produtivo e motivador.

Os dados globais reforçam a relevância desse conceito. Um estudo realizado pela Gallup [sobre o qual o VER escreveu] com 75 mil pessoas em mais de 50 países revelou que 56% dos entrevistados identificam a esperança como a principal característica que esperam de um líder, superando inclusive a estabilidade, que, há uma década, ocupava uma posição de destaque, mas que actualmente caiu para o quarto lugar. Além disso, organizações que cultivam sistemas de esperança observam um aumento de 14% na produtividade. Tal como referiu, Ricardo Zózimo e embora esta percentagem possa parecer modesta, aplicada a uma economia como a de Portugal, teria um impacto substancial.

Para que os líderes consigam fomentar a esperança nas suas empresas, é essencial compreender as diferentes reacções dos colaboradores a essa abordagem. O professor Nova SBE apresentou à audiência quatro perfis principais:

  • Cínicos: Desconfiam de novas ideias e precisam de dados concretos para serem convencidos. Para este grupo, é essencial apresentar factos e evidências.
  • Cépticos: Já estudaram a fundo o tema e desejam acreditar, mas precisam de apoio e conexão para se envolverem. Nesse caso, o melhor caminho é oferecer acompanhamento e envolvimento em iniciativas colectivas.
  • Optimistas ingénuos: São naturalmente positivos e entusiasmados, funcionando como fontes de energia dentro das empresas, mas precisam de orientação e equilíbrio.
  • Colaboradores esperançosos: São aqueles que já possuem agência e trabalham colectivamente, sendo os mais produtivos e comprometidos.

Zózimo sublinhou também a ideia de que a construção de um ambiente de esperança gera outros benefícios concretos, incluindo a redução da ansiedade e do burnout, a diminuição do fenómeno do “quiet quitting” (colaboradores que permanecem na empresa de forma apática, sem envolvimento real) e a redução da rotatividade.

Como afirmou, estudos recentes demonstram que pessoas com níveis baixos de esperança têm maior probabilidade de desenvolver burnout extremo e ansiedade. Por outro lado, e embora a esperança tenha um impacto menor na retenção de talentos, desempenha também um papel relevante, ao mesmo tempo que reforça a importância de direccionar os colaboradores para funções alinhadas com as suas competências e motivações.

Um outro dado partilhado é o de que, e para além de influenciar o bem-estar, a esperança está directamente ligada ao crescimento empresarial. Estudos indicam que colaboradores esperançosos possuem 50% mais energia, tornando-se peças-chave na implementação de novos projectos e inovações. Adicionalmente, empresas que experimentam um crescimento acelerado possuem, em 58% dos casos, uma cultura organizacional baseada na esperança.

No entanto, é importante reconhecer que a esperança também tem desafios. Cerca de 20% dos colaboradores têm dificuldades em atribuir o seu sucesso ao esforço colectivo, preferindo ver as suas conquistas como individuais. Para mitigar esse efeito, é essencial que os sistemas de recompensa valorizem o esforço conjunto, fortalecendo o sentimento de colaboração e pertença.

Assim e em suma, a esperança não deve ser vista apenas como um conceito abstracto ou motivacional, mas como um elemento estratégico na gestão de pessoas e no sucesso das empresas. Líderes que desejam ser construtores de esperança precisam de criar ambientes onde os colaboradores tenham autonomia para tomar decisões e que, ao mesmo tempo, consigam trabalhar colectivamente na construção de um futuro comum. A esperança, quando bem implementada, torna-se uma poderosa alavanca para a produtividade, a inovação e a sustentabilidade das organizações, rematou.

Nota: A intervenção de Ricardo Zózimo pode ser acedida na íntegra aqui.

Leia também a entrevista realizada ao orador publicada pelo VER.

Ser cristão gestor e não gestor cristão” – A influência da fé na gestão: nove dimensões-chave

Pode a fé transformar a maneira como os gestores tomam decisões e lideram as suas organizações? Nos últimos anos, um novo campo de estudo tem explorado a intersecção entre fé e gestão, analisando como a identidade cristã influencia as decisões e práticas dos líderes empresariais. Inspirado por investigações conduzidas nos EUA, um estudo realizado em Portugal por Ricardo Morais e Miguel Sottomayor, ambos docentes na Católica Porto Business School, e que teve como base entrevistas realizadas a 14 membros da Direcção Nacional da ACEGE, identificou nove dimensões fundamentais que distinguem gestores cristãos e moldam as suas escolhas e atitudes no mundo corporativo. Estas dimensões foram apresentadas por Ricardo Morais e são resumidas da seguinte forma:

  1. Gestão e Missão – Para muitos gestores cristãos, a profissão não é apenas uma carreira, mas uma missão. O trabalho transcende a lógica tradicional do mercado e assume um propósito maior, guiado pela fé. “A minha gestão também é uma missão”.
  2. Racionalidade e Dignidade – As decisões não são apenas racionais ou baseadas em maximização de lucro. A fé leva a uma visão mais holística, onde valores humanos e princípios éticos se sobrepõem à lógica puramente económica. Ou seja, trata-se de “complementar a racionalidade económica com o critério da dignidade humana”.
  3. Partilha e autenticidade – Embora vivamos em sociedades secularizadas, a autenticidade na fé é um elemento-chave. No entanto, muitos gestores ainda têm receio ou pudor de expressar as suas crenças no ambiente profissional. Assim, “ser autêntico” é também saber pedir ajuda, imprescindível para a saúde mental, na medida em que “há muitos gestores que estão exaustos, esgotados e estão mais habituados a ajudar ao invés de pedir ajuda”.
  4. Ansiedade e Discernimento – A prática de “rezar uma decisão” é comum entre gestores cristãos. A oração e o discernimento espiritual ajudam a enfrentar desafios e a tomar decisões mais equilibradas. “A minha ansiedade diminui com o discernimento da oração”.
  5. Insucesso e Identidade – Em tempos de crise ou falência, a fé ajuda a manter a esperança e a resiliência. O sofrimento é visto como parte de uma caminhada, fortalecendo a identidade e a perseverança. “Os momentos de insucesso reforçam a minha identidade cristã”.
  6. Delegação e Paciência – Saber confiar nos colaboradores, mesmo quando erram, é um princípio essencial. “A delegação de tarefas requer paciência” e o respeito pelo desenvolvimento humano são valores incorporados na gestão.
  7. Visão de Longo Prazo – O verdadeiro longo prazo não se limita a objectivos estratégicos de cinco ou dez anos, mas à própria vida eterna. Esta perspectiva influencia a forma como os gestores encaram desafios e oportunidades. “No longo prazo espero deixar um legado de vida eterna”.
  8. Comunidade e Casa Comum – A fé amplia a noção de comunidade, indo além das fronteiras organizacionais. O compromisso com o bem comum e com a “casa comum” está presente nas decisões empresariais. “A minha participação na comunidade permite-me regenerar a casa comum”.
  9. Família e Unicidade – O trabalho não é visto como um elemento isolado da vida, mas como parte de um todo que inclui família, espiritualidade e relações interpessoais. “O equilíbrio trabalho/família faz parte da unicidade da minha vida”.

Ricardo Morais conclui assim que este estudo confirma que a identidade cristã pode influenciar profundamente a forma como os gestores tomam decisões e lideram suas organizações. Ao integrar valores de esperança, autenticidade e missão, estes líderes criam ambientes empresariais mais humanos e sustentáveis.

Nota: A intervenção de Ricardo Morais pode ser acedida na íntegra aqui

Foto: Inês Machado. © ACEGE 2025.

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