O relatório do Tony Blair Institute for Global Change, “The Impact of AI on the Labour Market”, sublinha o poder transformador da inteligência artificial na força de trabalho, destacando o seu potencial para aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, para remodelar as estruturas de emprego. O relatório sugere que a adopção da IA pode aumentar a eficiência económica e promover novos sectores de emprego, mas também apresenta desafios, especialmente para as profissões menos qualificadas que são mais vulneráveis à automação. Este estudo defende ainda que os governos precisam de políticas proactivas para aproveitar os benefícios da IA, que incluem programas de requalificação dos trabalhadores e infra-estruturas de apoio que os ajudem na transição para funções que exigem competências complementares à tecnologia de IA
POR HELENA OLIVEIRA
À medida que as ferramentas de IA se tornem mais prevalecentes, a experiência quotidiana das pessoas no local de trabalho irá mudar substancialmente. A IA tem o potencial de melhorar a qualidade do emprego, reduzindo as tarefas mundanas, melhorando o acesso ao local de trabalho para diferentes tipos de trabalhadores e ajudando a melhorar a saúde e a segurança no local de trabalho. Desta forma, tem o potencial de ajudar a criar um ambiente de trabalho mais envolvente, inclusivo e seguro.
No entanto, e de acordo com um inquérito aos primeiros a adoptar a IA em contextos profissionais, existem receios de que a experiência no local de trabalho possa mudar de outras formas, de que é exemplo um escrutínio adicional do trabalho que conduza a um dia laboral mais stressante. Isto significa que a gestão e a comunicação cuidadosas da forma como a IA é aplicada no local de trabalho serão um elemento crucial desta inevitável transição.
Estas são algumas conclusões do recente relatório “The Impact of AI on the Labour Market”, divulgado pelo Tony Blair Institute for Global Change, o qual reuniu um conjunto alargado de especialistas para analisarem uma das incógnitas mais faladas (e temidas) relacionada com o impacto da IA no mercado de trabalho.
O relatório sublinha o poder transformador da inteligência artificial na força de trabalho, destacando o seu potencial para aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, remodelar as estruturas de emprego. E sugere que a adopção da IA pode aumentar a eficiência económica e promover novos sectores de emprego, não deixando, contudo, de apresentar desafios, especialmente para os empregos menos qualificados que são mais vulneráveis à automação. O Tony Blair Institute [TBI]defende que os governos precisam de políticas proactivas para aproveitar os benefícios da IA, as quais incluem programas de requalificação dos trabalhadores e infra-estruturas de apoio para a transição dos trabalhadores para funções que exigem competências complementares à tecnologia de IA.
De sublinhar igualmente que o potencial da IA para poupar tempo e aumentar a produtividade varia significativamente ao nível do trabalhador individual. A análise em causa sugere que a maior parte das poupanças de tempo resultantes da IA resultará provavelmente da utilização de software com IA que executa tarefas cognitivas, em vez de hardware com IA mais dispendiosa que se concentra no trabalho físico.
Consequentemente, é provável que as profissões e os sectores que envolvem trabalho manual complexo, como as profissões especializadas ou a construção, estejam menos expostos à IA. Em contrapartida, os trabalhadores que desempenham tarefas cognitivas de rotina, nomeadamente em profissões administrativas, e os que trabalham em sectores com utilização intensiva de dados, onde é mais fácil treinar novos modelos de IA (como a banca e as finanças), estarão provavelmente mais expostos.
O efeito das revoluções tecnológicas no mundo do trabalho
Como sabemos, a tecnologia tem um longo historial de remodelação profunda do mundo do trabalho. Desde os primórdios da revolução agrícola até à era digital, cada vaga de inovação redefiniu a estrutura, a natureza e a dinâmica dos mercados de trabalho. Todavia, e estando o mundo à beira de outra revolução tecnológica, é provável que esta próxima vaga chegue mais rapidamente do que as anteriores, dado que o ritmo de adopção tecnológica tem vindo a acelerar e porque a própria IA está já a avançar muito rapidamente. Os decisores políticos têm de se preparar desde já para garantir que os trabalhadores e os mercados de trabalho estejam preparados para enfrentar esta próxima vaga e beneficiar dela.
Dado o elevado grau de incerteza sobre a rapidez, a plenitude e a eficácia com que a IA poderá desempenhar as tarefas existentes e poupar tempo aos trabalhadores, o presente relatório analisou uma série de cenários para ajudar a avaliar o seu potencial impacto macroeconómico. Em todos os casos, espera-se que a IA gere algumas perdas de emprego, mas este efeito de substituição de mão-de-obra é apenas uma parte da história de como a IA afectará a procura da mesma. É também provável que, à semelhança de revoluções anteriores, a IA crie uma nova procura de mão-de-obra ao impulsionar o crescimento económico e ao acelerar o desenvolvimento de novos produtos e serviços que criam empregos inteiramente novos.
Como é do conhecimento geral, a história de pessoas a trabalharem ao lado de máquinas e de essas máquinas assumirem algumas ou todas as tarefas originalmente executadas por trabalhadores é longa. E existem todos os motivos para acreditar que esta tendência vai continuar e acelerar. As máquinas assumirão cada vez mais tarefas que actualmente são da competência dos seres humanos, ao mesmo tempo que estimularão a inovação que criará novos empregos que ainda não existem. Esta situação obrigará os empregadores a reestruturar totalmente o funcionamento dos locais de trabalho, pelo que o impacto humano será evidente e cada vez mais óbvio.
A história também nos diz que o caminho para a adopção de tecnologias é acidentado. Embora o progresso tecnológico seja a pedra angular do aumento do nível de vida, pode também exacerbar a desigualdade, deslocando alguns empregos, favorecendo os que dispõem de mais recursos e alargando as disparidades em termos de educação e geografia. A IA tem potencial para causar efeitos semelhantes, mas, e de acordo com os analistas, também representa uma ferramenta potencial para o nivelamento social.
E, na verdade, tudo irá depender de como é que os governos devem responder à emergência da IA. Muitos governos poderão decidir esperar para ver e reagir à perturbação após o evento. Outros procurarão colocar a segurança em primeiro lugar e intervir para estabelecer o máximo de controlo possível, de modo que a mudança possa ser gerida ou minimizada.
Todavia e tendo em conta as conclusões do relatório do TBI, cada uma destas abordagens é incorrecta. A primeira deixa os decisores políticos em risco de estarem totalmente impreparados e a segunda parece constituir um caminho directo para o declínio.
Desta forma, o objetivo dos governos deve ser o de adoptar uma posição favorável à inovação e à tecnologia, estando ao mesmo tempo conscientes dos riscos e das suas possíveis consequências a curto prazo. Isto é vital não só por razões de equidade e coesão social, mas também para manter a confiança e a aceitação da tecnologia e para evitar a procura de respostas fáceis que simplesmente anularão os seus ganhos potenciais.
As diferentes fases da IA
A segunda (e para os autores do estudo, actual) vaga de IA baseada em dados teve início na década de 2000 e acelerou na década de 2010 com a rápida adopção da Internet, que desbloqueou uma das principais barreiras que impediam a IA de se expandir: os dados. Esta vaga está a imitar de perto a forma como os cérebros humanos processam a informação através da aprendizagem profunda e da aprendizagem automática, e está gradualmente a modelar a incerteza, a aleatoriedade e a complexidade. E é o que melhor se reflecte nas recentes inovações da IA, como o ChatGPT ou os drones autónomos.
No entanto e como já enunciado, as capacidades de IA estão a evoluir rapidamente. Prevê-se que a próxima vaga seja a IA “forte” ou “geral” (AGI). As aplicações de AGI terão mais autonomia, serão capazes de se adaptar a diferentes contextos e não se limitarão a tarefas específicas – à semelhança das capacidades humanas. Para além disso, é possível que, no futuro, surjam sistemas de IA mais inteligentes do que qualquer ser humano (“super inteligência artificial”) e sistemas mais inteligentes do que todos os seres humanos (“a singularidade”), dois cenários que os autores resolveram deixar de fora da sua análise, na medida em que o seu potencial disruptivo é muito grande e porque se pensa que os mesmos ainda estejam a algumas décadas de distância.
Assim, o TBI analisou uma série de literatura de fontes públicas e da indústria para a realização deste relatório, complementando-a com o envolvimento das diversas partes interessadas nos Estados Unidos e na Europa. E, a partir desta análise, é possível constatar que os peritos chegaram a um consenso alargado em várias frentes:
A IA já está a gerar ganhos de produtividade de dois dígitos para os “adoptantes precoces” em tarefas individuais, mas, e até à data, a mesma não foi implementada de forma suficientemente ampla para fazer uma diferença notável nas estatísticas agregadas de produtividade. De acordo com os especialistas, este facto não é surpreendente, na medida em que as novas inovações levam muitas vezes tempo a serem integradas nos processos de produção e a serem plenamente utilizadas.
O que distingue a IA das anteriores vagas tecnológicas é a escala e a rapidez do seu potencial impacto. A título de exemplo, mais de 50% da população dos EUA utilizou o ChatGPT no espaço de 10 meses após o seu lançamento, com a Internet a ter demorado 17 anos a atingir o mesmo nível de utilização. De acordo com o último estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 40% do emprego mundial deverá ser afectado de uma forma ou de outra pela IA generativa. Assim, esta deve, por conseguinte, ser encarada como uma das poucas tecnologias com aplicação quase universal, de âmbito semelhante ao da electricidade ou da Internet. Mas, ao contrário da electricidade, que levou décadas a ser integrada nos processos de produção, grande parte da infraestrutura básica da IA – computadores e Internet – já existe, o que significa que os seus efeitos se manifestarão provavelmente dentro de poucos anos e não de décadas.
Parece, pois, muito provável que a procura de mão-de-obra seja em breve afectada numa escala substancial (o que já se está a reflectir em alguns sectores e profissões). As economias desenvolvidas, os trabalhadores de colarinho branco e o sector dos serviços são os mais susceptíveis de sentir os efeitos desta mudança a curto prazo, reflectindo o alinhamento do seu trabalho com as tecnologias de IA generativa. No entanto, é provável que este mesmo grupo esteja também mais apto a navegar e a alavancar o impacto disruptivo da IA, dados os seus níveis de competências mais elevados e a sua preparação tecnológica.
Como também sabemos, o pessimismo em torno da automação encara a IA como um risco para o trabalho humano. É razoável considerar este ponto de vista mas, como alerta o relatório, nesta fase, só é possível fazer projecções baseadas apenas em análises, não sendo um dado adquirido que a IA resultará na criação líquida de emprego ou não.
O que é possível afirmar, de acordo com os especialistas, é que os últimos 200 anos sugerem que as novas tecnologias tendem a criar mais empregos a longo prazo do que a destruí-los. É verdade que este efeito não é automático e não tem sido tão visível desde a década de 1980, um período caracterizado pela aceleração da automação, mas com ganhos de produtividade mais limitados e uma taxa mais baixa de criação de novas tarefas, um processo conhecido como “so-so automation”. Dado o grande potencial de ganhos de produtividade da IA, parece improvável que esta siga este mesmo padrão, defendem.
A IA tem também o potencial de aumentar o crescimento económico a longo prazo, impulsionando a qualidade da mão-de-obra, quer ajudando os trabalhadores a adquirirem mais competências, quer vivendo vidas mais saudáveis. A IA pode melhorar as competências, aumentando o nível de escolaridade e proporcionando uma formação adaptada ao trabalho. Poderá melhorar a saúde, permitindo diagnósticos precoces e preditivos, alargando a capacidade dos sistemas de saúde e aumentando o acesso ao mercado de trabalho de pessoas com diferentes capacidades. No entanto, estes efeitos não são garantidos e exigirão políticas governamentais astutas para cultivar os seus ganhos potenciais.
O impacto da IA nas relações laborais será certamente complexo. Os trabalhadores já reconhecem os potenciais benefícios da IA em termos de melhoria da qualidade do emprego – através da automação das tarefas de rotina, da melhoria da segurança física no trabalho e da libertação de mais tempo para tarefas mais interessantes. No entanto, os trabalhadores também estão cépticos quanto aos riscos – receando a perda de emprego, a perda de poder de negociação salarial, o aumento da intensidade e do stress e um maior controlo por parte da gestão. Este facto sugere um papel significativo para a política de gestão destes efeitos díspares.
Como a IA poderá afectar a procura de mão-de-obra
Como já referido, grande parte do debate sobre a IA e o futuro do trabalho tem-se centrado no risco de esta vir a substituir empregos através da automação. Alguns empregos serão certamente substituídos pela IA, mas esta é apenas uma das formas em que a IA afectará a procura de mão-de-obra.
A IA pode também aumentar a procura de mão de obra e criar novos empregos através de dois canais. Em primeiro lugar, a IA poderá complementar os trabalhadores, tornando-os mais produtivos, o que aumentará o crescimento económico e, consequentemente, a procura de trabalhadores. Em segundo lugar, a IA pode seguir o padrão de vagas tecnológicas anteriores e criar novos produtos, mercados e sectores da economia que exijam que os trabalhadores desempenhem novas tarefas e empregos – o que, mais uma vez, aumenta a procura de trabalhadores.
Por outro lado, a IA tem o potencial de aumentar a quantidade, a qualidade e a utilização efectiva da mão-de-obra. Por exemplo, a educação apoiada pela IA poderá aumentar o nível de escolaridade e o crescimento da produtividade, enquanto os cuidados de saúde apoiados pela IA poderão conduzir a uma mão-de-obra maior e mais activa do ponto de vista económico. A IA também tem potencial para melhorar o funcionamento do mercado de trabalho, fazendo corresponder de forma mais eficiente os empregadores aos trabalhadores, reduzindo o desemprego friccional [caracterizado por indivíduos que se encontram temporariamente fora do mercado de trabalho] e ajudando a reduzir a subutilização da mão-de-obra.
Por fim, a IA tem o potencial de remodelar o ambiente em que as pessoas trabalham, automatizando tarefas repetitivas, aumentando o acesso ao local de trabalho, incluindo para grupos com deficiências, e permitindo um melhor controlo para proteger contra riscos de saúde e segurança, para além de ajudar a aumentar a produtividade. Esta situação não é isenta de riscos, uma vez que qualquer nova tecnologia pode ser utilizada tanto para o bem como para o mal. Mas a adopção cuidadosa da IA tem claramente o potencial de tornar o trabalho mais envolvente, inclusivo e seguro, e de tornar os trabalhadores mais produtivos.
Como também sabemos, o efeito para os trabalhadores poderá ser substancial. As funções há muito estabelecidas mudarão ou, nalgumas circunstâncias, começarão a diminuir. Mais pessoas terão de procurar funções novas ou diferentes e muitas terão de satisfazer necessidades de formação e desenvolvimento. Fá-lo-ão num ambiente em que a tecnologia continuará a desenvolver-se, e possivelmente a acelerar. Por conseguinte, é provável que a rotatividade no mercado de trabalho aumente, com os trabalhadores a serem forçados a mudar de emprego com maior frequência e, potencialmente, a mudar para diferentes profissões e sectores.
De um modo geral, o relatório do TBI estima que a plena implementação da IA poderá conduzir a poupanças de tempo agregadas em toda a economia num valor de até 22,9% do tempo total da força de trabalho. Para o sector privado, prevê-se que cerca de metade de todas as tarefas possam ser assistidas pela IA de alguma forma, mas muito poucas deverão ser totalmente substituídas, o que implica que 23,8% do tempo total do sector privado poderá ser poupado pela IA. Esta proporção é ligeiramente superior à estimativa por parte do TBI da quantidade de tempo que poderá ser poupado no sector público, em parte devido à maior prevalência de funções em que a utilização da IA não será eticamente adequada, como por exemplo na substituição de juízes ou no grande número de funções de prestação de cuidados no sector da saúde.
Em suma, a perspectiva defendida pelo relatório do Tony Bair Institute é a de que a IA não deve ser vista apenas como uma ameaça aos empregos, mas como uma oportunidade para reimaginar o mercado de trabalho e colmatar as lacunas de competências. Esta visão requer um investimento significativo em infra-estruturas digitais e educação, sugerindo uma parceria entre os sectores público e privado para gerir eficazmente esta transição. Estas recomendações colocam uma forte ênfase na formação, na adaptação económica e na inclusão para evitar o aumento das desigualdades e apoiar o crescimento económico sustentável através da IA.
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