POR HELENA OLIVEIRA
Se nunca ouviu falar do Tiagovski, saiba que o mesmo foi o responsável pela “melhor noite” da vida do filho de Frederico Costa, Industry Head na Google Portugal e um dos oradores da 14ª Assembleia de Alumni da AESE. Se nunca ouviu falar da #vski, saiba que é uma “marca”, criada por um miúdo com um canal no YouTube, seguido por quase 600 mil outros miúdos que, em comum, gostam de jogos. E se não percebe porque o filho de Frederico Costa esteve à espera do Tiagovski, durante horas, num lançamento de um novo jogo na Fnac no passado dia 28 de Setembro, em conjunto com uma multidão de outros jovens é porque, e muito provavelmente, pertence à geração “já foste”.
“Já foste” foi um termo utilizado por Cláudia Almeida e Silva (carinhosamente proferido pelos seus filhos), ex-CEO da FNAC Portugal e também presente na mesma Assembleia, e devidamente “roubado” por Frederico Costa: sob o tema “A empresa 4.0 – como se organiza e gere as pessoas numa multinacional da nova economia”, o responsável pela Google em Portugal admitiu ser complicado lidar com empregados mais jovens – “we are all a bunch of kids” – naquela que há vários anos tem sido considerada como “a melhor empresa para se trabalhar” e que goza de uma taxa de aprovação de 96% dos seus trabalhadores que afirmam que o seu “local de trabalho é excelente”. Ora, para a geração mais “velha”, gerir e cuidar deste “bunch of kids” – os Googlers são, na sua esmagadora maioria, jovens que abraçam as filosofias de “fazer (o) bem enquanto nos divertimos”, “inovação, inovação e inovação” e “mudança constante” – não é tarefa fácil.
Mas desenganem-se os CEOs das empresas mais “conservadoras” se considerarem que os seus futuros (ou já presentes) talentos não terão características similares às destes jovens (v. Caixa), que misturam trabalho com prazer, são completamente desleais às marcas – e às empresas que os acolhem caso estas não os satisfaçam – que olham para o que têm para fazer como um constante desafio e que, pela primeira vez, “sabem mais” do que as gerações que os precederam. É assim que, e muito provavelmente, será a força laboral do futuro e as empresas terão que se adaptar a ela, caso não queiram levar também com uma porta batida e com um “já foste”.
Em números mais ou menos redondos, e como referiu Frederico Costa, em 2016 a Google contava com cerca de 70 mil Googlers espalhados por 100 escritórios em 50 países do mundo e com receitas apetitosas no valor de cerca de 85 mil milhões de dólares.
Quem não conhece a Google “não existe” e para os que não sabem qual a sua missão original – organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível – é bom adiantar que a empresa não tem um departamento de Recursos Humanos e que obedece ao modelo 70-20-10, mediante o qual os colaboradores podem dedicar 20% do seu tempo a trabalhar em projectos fora do seu core job e 10% do seu tempo a fazer algo totalmente “non-work related”.
Talvez seja por isto, e por muito mais, que o gigante tecnológico seja, de acordo ainda com Frederico Costa, 20 vezes mais selectivo que a igualmente selectiva Harvard Business School, que receba, anualmente, mais de três milhões de candidaturas e que o que distinguirá os felizes contemplados com uma contratação não são as suas competências, no habitual sentido que a palavra tem no mundo empresarial, mas antes a sua googleyness, “um conceito abstracto” que, traduzido pelo responsável em Portugal, se centra “na capacidade de um candidato para se integrar culturalmente na companhia”.
“Steve Jobs não seria contratado para a Google”
A frase acima foi proferida também pelo Industry Head da Google em Portugal, mas referindo-se a uma das muitas piadas que correm no universo da gigante tecnológica, desta feita tendo em conta uma questão que há muito é discutida pelos responsáveis de grandes empresas de tecnologia (e não só): se é melhor confiar num génio só – aqui e obviamente personificado pelo fundador da Apple – ou se, e como a Google sempre fez, é melhor “confiar num conjunto alargado de pessoas”, muitas delas geniais, para construir um sistema de inovação sistemática.
Os fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, sempre apostaram na segunda hipótese, ou seja, numa cultura que envolvesse toda a organização. E talvez seja por isso que Frederico Costa tenha afirmado que, na Google, “ninguém faz especificamente nada ou toda a gente tenta fazer alguma coisa”. O que a empresa faz, na verdade, é contratar muitos génios e lançá-los numa busca colaborativa de inovação. Na verdade, e segundo os observadores, a Google tentou criar, e com sucesso, aquilo que o seu chairman, Eric Schmidt, descrevia como um “sistema de mecanismos” para inovar, constituindo os elementos principais deste processo os famosos princípios 70/20/10.
E é por isso que Frederico Costa dedicou grande parte da sua apresentação a explicar por que motivo a cultura da Google “é” a Google. Quando enumera os valores que a caracterizam, cada um dos mesmos vai mais além do que simples palavras vazias. Na verdade, a declaração de missão e cultura corporativa reflectem a filosofia de que “é possível ganhar dinheiro sem ser mau/diabólico” – um dos valores principais dos Googlers – e que o “trabalho deve ser desafiante ao mesmo tempo que o desafio terá de ser divertido”. Daí que “trabalhar com pessoas excepcionais”, “trabalhar com divertimento”, e “aspirar a mudar e a fazer do mundo um lugar melhor” sejam premissas-chave para ir ao encontro também dos demais valores que definem a sua cultura: fazer o que é certo, apostar na transparência – ou “faça as perguntas difíceis”- e ter voz – ou aja como um “proprietário”.
Por exemplo, o motto “Don’t be evil” e como explicou na entrevista que antecedeu a Assembleia da AESE, “não se traduz apenas em um valor ou aspiração da empresa, sendo também uma forma de reforçar a importância de cada um dos colaboradores no interior da mesma”. Ou seja, o “fazer o bem” traduz-se na exigência que se faz a todos os trabalhadores para que actuem como guardiões dos valores éticos corporativos no seu dia-a-dia”, reforçou ainda.
O memo acontece com o valor “transparência”. Frederico Costa explicou que todas as quintas-feiras, impreterivelmente, os fundadores Page e Brin fazem reuniões “abertas” com os Googlers, nas quais estes podem fazer perguntas de qualquer espécie, sem medo de serem mal interpretados. Denominadas TGIF – Thank Google Is Friday (e brincando com a sigla que, na verdade, significa Thank God is Friday), estas reuniões têm a duração de uma hora, com os primeiros 30 minutos a serem devotados à discussão de novidades, de lançamento de produtos, futuros projectos e a “celebrar vitórias” e a restante meia hora exclusivamente dedicada a responder às mais diferentes questões proferidas pelos trabalhadores.
Já o “ter voz” tem expressão real no Googlegeist, um inquérito anual e anónimo de satisfação dos trabalhadores que, como assegura o Industry Head para Portugal, pode ser “muito duro para os managers” e o qual consiste numa das ferramentas mais importantes da companhia. O que é importante reter é que o feedback aos trabalhadores é garantido – algo de cuja ausência muitos empregados se queixam por esse mundo laboral fora – e, igualmente importante, é o facto de todas as decisões de contratação ou despedimento não passarem nem pelos managers nem pelos directores gerais, mas sim pelos dados – e respectivo tratamento – recolhidos através de ferramentas como o Googlegeist (entre outras).
Para além deste inquérito anual, a Google faz inquéritos regulares aos trabalhadores sobre os seus managers, utilizando depois a informação gerada para reconhecer publicamente os melhores e seleccioná-los para serem mentores e “modelos” para o ano seguinte, sendo que os que não têm a sorte de ser bem avaliados acabam por receber um apoio e coaching intensivo, o que ajuda 75% dos mesmos a melhorar a sua performance num espaço de um trimestre.
Como também referiu na entrevista e que serve para cimentar a ideia da importância do feedback e tendo em conta que fomentar a inovação é outra das regras de ouro presentes no ADN da companhia, Frederico Costa afirma que, segundo Eric Schmidt, chairman da Google, “a inovação não está predestinada mas pode ser cultivada num ambiente próprio, daí que se dedique tanto tempo a ouvir os colaboradores, a recolher feedback, a analisá-lo e a actuar sobre ele”, ao memo tempo que se “exige um espírito de constante abertura”.
Obsessão pelas pessoas, mas também pelos dados
A questão do desenvolvimento pessoal dos trabalhadores é outro valor caro à liderança da Google. Frederico Costa explicou sumariamente o processo de contratação da companhia que encerra um conjunto de passos – desde a candidatura, passando por uma a duas entrevistas telefónicas, mais duas a quatro entrevistas presenciais até à oferta e à decisão, por parte de um comité “independente”, da efectiva contratação – como anteriormente referido os managers nem contratam, nem despedem – e referiu também as “competências” que maior valor têm para que um candidato passe a ser um Googler, sendo de sublinhar que aqueles que têm lugar na empresa mais desejada do mundo não têm que ter, forçosamente, conhecimentos académicos nas áreas da tecnologia, estando os lugares abertos a todas os domínios do conhecimento.
Daí que estas “competências” sejam traduzidas de forma diferente quando comparadas com outros processos de recrutamento de empresas “normais”. Assim, um potencial Googler tem de demonstrar ter “capacidades cognitivas gerais”, ter, sem surpresa, conhecimentos relacionados com a área a que se está a candidatar, um forte sentido de liderança – relacionado com a forma como irá questionar o status quo da empresa no futuro e a tal googleyness já anteriormente referida que, enquanto conceito abstracto – e são muitos os que se queixam de que o mesmo devia ser mais concreto – está relacionado com a capacidade de “incorporar” a cultura da companhia e que constitui, de acordo com as palavras de Frederico Costa, a “parte fundamental da sua política de contratação”.
Mas aos Googlers também é pedido que “se conheçam a si mesmos”, que se sintam responsáveis pelo bem colectivo, que sejam “mestres” naquilo que fazem e que corram riscos. Adicionalmente, devem também estabelecer os seus próprios objectivos e resultados, ser ambiciosos e sentirem-se “desconfortáveis” para que “estiquem”, sempre que possível, os seus propósitos. O desafio diário faz também parte dos requisitos da gigante tecnológica, bem como a aposta num conjunto substancial de ferramentas de gestão de performance.
Extremamente importante também, sublinha o responsável em Portugal, é “apoiarem as equipas em que trabalham com desenvolvimentos diversos tendo sempre em mente que estão numa relação de parceria”.
Como referiu na entrevista concedida à AESE, e sublinhando na conferência que este tipo de talento se coaduna mais com as startups, que o percebem melhor, e não tanto com as grande empresas ou consultoras, o Industry Head faz também um “reparo” às demais organizações, afirmando que “é importante que todas as empresas percebam que as equipas são a unidade molecular onde ocorre a produção real, onde as ideias inovadoras são concebidas e testadas e onde os funcionários experimentam a maior parte do trabalho”. Mas, assegura igualmente, “é também nas equipas que surgem problemas interpessoais, skills pouco adequadas e objectivos de grupo pouco claros que podem dificultar a produtividade e causar fricção”.
Ora, a questão do trabalho em equipa sempre preocupou a Google e o denominado “Projecto Aristóteles”, o nome de código dado por um grupo do departamento de “People Operations” – a equivalência mais próxima aos Recursos Humanos de uma empresa “normal” – tinha exactamente como objectivo encontrar o “segredo” – leia-se, neste caso, o “algoritmo mágico”-, para a identificação da “equipa perfeita” e perceber por que motivo algumas equipas eram tão bem-sucedidas enquanto outras fracassavam. Em 2014, Abeer Dubey, um director da Google, juntou alguns dos melhores estatísticos, psicólogos organizacionais, sociólogos, engenheiros e outros investigadores de áreas conexas para darem início a tão importante cruzada.
Como também explicou em entrevista, Frederico Costa afirma que “aquilo que o Google identificou [neste projecto] foi o facto de não ser tão importante quem está na equipa, mas a forma como os elementos que a compõem trabalham em conjunto”. Por ordem de importância, diz, foram cinco os factores identificados: segurança psicológica (para assumir riscos), confiabilidade, estrutura e claridade, significado ou propósito e, por último, impacto.
Se este é o algoritmo mágico para a equipa perfeita, não sabemos. Mas certo é que a Google soma e segue na sua liderança de mercado e que 98% dos seus colaboradores afirmam ter “um orgulho fora de série” por nela trabalharem.
“O avanço tecnológico e a invasão da nossa vida pela tecnologia faz-nos querer ser mais humanos”
Esta é uma das principais conclusões do estudo “Mundo 4.0: Pessoas e Organizações”, realizado em co-autoria por Fátima Carioca (Dean) e José Fonseca e Pires, ambos Professores na área de Factor Humano na Organização na AESE e no âmbito da 14ª Assembleia da mais antiga escola de negócios do país
Como explicam em entrevista na revista preparada para contextualizar os diferentes desafios deste novo mundo, algumas das conclusões a que chegaram – apesar de confessarem existirem mais incertezas do que certezas – face ao perfil e valores dos colaboradores nas empresas do amanhã, não são assim tão diferentes do que a Google valoriza nos seus colaboradores. Seguem-se alguns exemplos:
- O sentido para o qual apontam as competências e valores considerados mais necessários e importantes está relacionado com a sustentação em bases humanas, quer pessoais quer interpessoais, sólidas e com uma enorme capacidade de aprendizagem, de adaptação e de trabalho em equipa;
- De um modo geral, as políticas consideradas como prioritárias no sentido de necessitarem de ser (re)inventadas foram a formação e desenvolvimento profissional, a definição de benefícios e incentivos laborais e as políticas de participação e integração;
- Uma maior contribuição e protagonismo por parte de cada colaborador o que significa, sobretudo, uma maior participação na estratégia, ao nível das funções que desempenha, aliada a uma maior autonomia, flexibilidade e correspondente responsabilidade, bem como acompanhamento na evolução e aprendizagem contínuas;
- E, tendendo para que a relação de trabalho seja, cada vez mais, uma relação de trabalho “dependente por conta própria”, cada colaborador espera, sobretudo, a redefinição de benefícios sociais mais individualizados, adequados às escolhas de cada um e que, no final, contribuam para partilhar os riscos para o colaborador, associados ao desacoplamento da relação contratual exclusiva e tendencialmente longa
Nota: Pode aceder à entrevista a Frederico Costa e dos demais oradores da 14ª Assembleia de Alumni da AESE aqui
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