Homem de profunda Fé, persegue o caminho de Deus com uma obra empresarial monumental – retira da pobreza toda uma região do País Basco mobilizando-a para criar um dos maiores grupos empresariais cooperativos da Europa
POR JOÃO RODRIGUES PENA

José María Arizmendiarrieta nasceu em Markina (província de Bizkaia) no País Basco espanhol em 22 de abril de 1915. Com a infância passada na escola rural vizinha, aos 12 anos a sua mãe percebe as suas inclinações literárias e incentiva-o a frequentar o Seminário Inferior Castillo Elejabeitia. Aqui, José María descobre um mundo totalmente novo, mas nada o separa do amor às suas origens.

Mais tarde, frequenta o Seminário Conciliar de Vitória, onde estuda Filosofia e Teologia e mergulha na espiritualidade do Movimento Sacerdotal de Vitória. Com a vocação a despontar, assume a máxima do seu tutor Joaquín Goikoetxeandia que o guiaria toda a vida “Seja sacerdote, sacerdote em todos os tempos e em todas as coisas”.

Quando a Guerra Civil Espanhola eclode em 1936 tem apenas 21 anos. Encontra emprego no jornal “EGUNA”, a voz do Governo basco, onde é denunciado e preso, embora a sua sentença lhe permita continuar a frequentar o seminário. Aqui, reforçando a sua Fé e as suas convicções sobre o renascimento da cultura basca moderna, o jovem Padre José María, sempre virado para a ação, começa a concretizar as suas aspirações e monta a sua primeira Escola.

As suas reflexões tornam-se cada vez mais prática e profundas:  Devo dar graças a Deus pelo grande benefício da nossa vocação ou mais tarde, perseguindo a santidade através da Fé: “Pouco importa o que os que me rodeiam vão pensar. Tudo o que importa é o que Cristo pensará de mim”.

Em fevereiro de 1941 é destacado como cura para Mondragón e nomeado Capelão da Ação Católica. Imediatamente se apercebe que a Guerra Civil atirara os habitantes da vila para um círculo vicioso de pobreza, com apenas algum trabalho mesquinho disponível e nenhum investimento em educação ou indústria. O Padre José Maria pensa profundamente sobre como quebrar esse ciclo e começa por criar a  Escola Profissional em 1943, conseguindo pouco depois uma vitória impensável – o ingresso de 11 jovens da sua Escola no curso de Engenharia Industrial da prestigiada Universidade de Saragoza.

A sua vida de cura exigia muito trabalho e pouco descanso. Trabalha na Igreja, no Centro de Ação Católica e na Escola Profissional, cativando o seu público nos três lugares com mensagens estimulantes: “Ninguém pode falar da dignidade do trabalho com tanto direito e decoro como nós, como cristãos” e a consciência de sacerdócio que nunca o deixou “o Padre pertence à sua congregação: já não pertence a si mesmo. Trabalha sem horário, não tem onde se possa esconder de visitas intempestivas…”.

Com o êxito da Escola Profissional, adquire com vários paroquianos e os jovens licenciados da Escola uma fábrica batizada de ULGOR, hoje sociedade cooperativa FAGOR. Considera que “os trabalhadores não acreditarão na doutrina social da Igreja se não a puderem ver posta em prática através do trabalho para a sociedade”.

E acrescenta: “A fórmula cooperativa requer a atividade humana para partilhar e implementar valores humanos mais elevados, e o trabalho, o capital e a organização não são, portanto, os seus fins em si mesmos, mas meios para melhor servir os interesses humanos”.

Nos anos 60 e 70 o Grupo aproveita a era de expansão da economia espanhola e, mantendo o modelo cooperativo e com a liderança ambiciosa e arrojada do Padre José Maria, analisa e identifica novas oportunidade de negócio. Nascem a cadeia de supermercados Eroski, cooperativas de crédito e de seguros e uma vasta rede de escolas – a Corporación alarga-se do País Basco para toda a Espanha e mesmo França.

As exigências e o empenho do movimento cooperativo de Mondragón, que já tinha crescido para proporções enormes, não eram motivo de orgulho pessoal para o Padre José María: “Eu nasci para fazer mais do que apenas viver para mim.” Em meados da década de 1960, o cura sentiu que a vida de sacrifício que levava estava a atingir o limite. Sofre duas intervenções cardíacas, a segunda em 1974, mas a sua tenacidade e otimismo brilharam: “Se alguém cair, pode levantar-se de novo…”. Mas na tarde de 29 de novembro de 1976 rezou o “Magnificat” com uma voz vacilante, quase inaudível, na companhia dos que o rodeavam, e entregou a alma a Deus. Tinha 61 anos.

Em 2015, O Papa Francisco  declarou-o um “venerável servo de Deus” , ou seja, uma “pessoa de comprovada virtude heroica”, o primeiro passo no processo de beatificação na Igreja.

E a Corporación Mondragón ? Uma trajetória notável: sétimo maior grupo empresarial espanhol e o primeiro no País Basco, mais de 81.000 funcionários, € 25 bi em ativos totais e € 12 bi em receitas.

Sacerdote toda a vida, o padre José Maria Arizmendiarrieta viu sempre que a sua Fé teria de ser feita de obra prática ao serviço da comunidade e torna-se um empreendedor e gestor de ação profundamente católica para quem a empresa passa a ser um instrumento para o bem estar social e os trabalhadores têm uma participação ativa e decisiva no seu rumo, partilhando entre si a propriedade empresarial. A criação de riqueza deixa de ser um fim em si, mas um meio para fortalecer a comunidade.

A obra do Padre José María está recheada de ensinamentos sobre o âmbito desta nova coluna, o impacto da fé cristã na criação e gestão empresarial. Desses, arrisco destacar três:

  • uma empresa é um instrumento de Deus para servir uma comunidade
  • uma visão prática e ambiciosa construída na Fé não tem limites
  • uma obra empresarial não se ergue sem mobilizar a comunidade que a vai servir com uma liderança pelo exemplo e pela Palavra do Senhor viva nos seus valores.

Estas características da ação do Padre José Maria são, ainda hoje, fortemente diferenciadoras e graças a elas o Padre José Maria permanece vivo como um dos maiores exemplos da gestão e criação de negócios na Fé cristã, deixando um legado espiritual e empresarial que ecoará por muitas gerações.

Engenheiro Civil com MBA por Wharton/NOVA e pós-graduação pela Harvard Business School. Depois de uma longa carreira em Consultoria de Estratégia concluida com o lugar de Presidente da AT Kearney Iberia, passa a focar-se no Desenvolvimento de Empresas Familiares, área onde tem sido cronista regular em vários jornais, conferencista e autor do livro “44250 passo até ao Cume”. É Cavaleiro da Ordem de Malta CGM e associado da CCIP e da ACEGE

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