Tem o sonhador nome de Passing Cloud e é uma espécie de Zeppelin sustentável com a forma de uma nuvem. Trata-se de um dirigível em tudo único, concebido por um arquitecto português para viajar ao sabor dos ventos americanos, proporcionando uma “sensação de pura flutuação”, conduzida pela fantástica experiência de “partir à descoberta da aventura, sem hora nem destino marcado”, garante Tiago Barros
POR GABRIELA COSTA
O projecto Passing Cloud foi inicialmente desenvolvido com o objectivo de se tornar candidato ao concurso internacional de ideias “Life at the Speed of Rail”, organizado pelo Van Alen Institute, cujos vencedores foram conhecidos em Junho.
Embora não tenha merecido, nesta competição dedicada ao TGV nos EUA, qualquer distinção, após receber várias solicitações, o arquitecto português Tiago Barros, a residir em Nova Iorque, resolveu publicar o projecto. A iniciativa, que consiste na concepção de um meio de transporte construído a partir de balões unidos em forma de nuvem, os quais estão envoltos numa estrutura de aço inoxidável coberta por uma tela elástica de nylon muito flexível e resistente, “ganhou vida própria e um enorme interesse por parte dos media e do público em geral”, muito provavelmente pela sua originalidade – este Zeppelin moderno move-se ao sabor do vento, pelo que é impossível prever a duração da viagem, ou o seu destino final.
Acresce que o Passing Cloud não emite dióxido de carbono, não produz quaisquer resíduos e quase não gasta energia. Em entrevista ao VER, Tiago Barros adianta que “ninguém esperava ser confrontado com um conceito destes, aspirando a sair para uma aventura desconhecida em vez de um destino fixo e uma chegada precisa, o oposto de viajar num TGV”. Para este jovem arquitecto, cumpriu-se um sonho: caminhar nas nuvens.
Como é que surgiu a ideia de desenvolver a Passing Cloud? Porque é que se inspirou num enorme Zeppelin com a forma de nuvem?
O sonho de um dia poder caminhar nas nuvens esteve sempre presente desde a minha infância. Ao ser confrontado com um concurso internacional de ideias sobre a temática da construção do TGV pelos EUA inteiros, resolvi tornar o meu sonho realidade. Na sua concepção, o objecto teria que ser super leve para poder ser levado pelo vento. Assim, pareceu perfeito pegar nos antigos Zeppelins, e usar o mesmo conceito de uma forma diferente e inovadora.
Como é concebida esta estrutura construída a partir de um conjunto de balões instalados numa estrutura de aço coberta por uma tela elástica, que não emite CO2 ou produz resíduos?
Ao contrário de toda a infra-estrutura do TGV, este objecto apenas “toca” no terreno. É um objecto que viaja ao sabor do vento, para onde este tiver direccionado. O facto de viajar com o vento faz com que não se sinta o mesmo durante a viajem, oferecendo aos seus passageiros uma sensação de pura flutuação.
Trata-se de uma abordagem conceptual original e que não passa despercebida. No trabalho que desenvolve como arquitecto procura sempre a reinvenção dos processos contemporâneos?
Sim, faz parte do meu processo criativo propor ideias que geram discussão e promovem o futuro e a sustentabilidade. Por vezes os meus projectos são críticas a determinadas instituições, como o High-Speed Car Ramp noutras procuram gerar novos espaços, como o projecto On Edge.
Este inédito modo de transporte proporciona uma viagem a ‘flutuar pelas nuvens’. Esta reinvenção da experiência de viajar aliada ao tempo para desfrutar e à liberdade de partir sem destino nem hora marcada, de uma forma ambientalmente sustentável, é juntar o melhor de dois mundos?
Sim, essa é a grande inovação deste projecto: a ideia de sair de casa sem destino. Há um sentimento fantástico que muita gente precisa de experimentar, que passa por partir à descoberta da aventura. Essa experiência, aliada a um meio de transporte sustentável e ao vento predominante, resulta nos condimentos perfeitos para a grande viagem.
Até onde vai viajar a Passing Cloud? Como se poderá operacionalizar o projecto de modo a que percorra todo o território dos EUA, como ambiciona?
A Passing Cloud viajaria sempre ao sabor do vento. O projecto foi pensado para percorrer o território dos EUA, no entanto, pode perfeitamente percorrer o mundo todo, desde que seja sempre monitorizado para a segurança dos seus passageiros. Tenho na minha memória o Indiana Jones a fazer uma travessia num balão destes, enquanto lê o jornal calmamente com as janelas abertas. Em caso de fortes ventos ou tempestade, ou mesmo ventos direccionados ao mar, o objecto viria sempre à terra antes, para largar os seus passageiros e esperar tempo e ventos favoráveis. A ideia de aterrar num terreno desconhecido é muito interessante, pois permitiria a descoberta de novos espaços.
Como encara o futuro da mobilidade em prol de cidades cada vez mais sustentáveis?
Sem dúvida, através de objectos leves e sustentáveis como este.
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© Tiago Barros
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Que valor tem hoje o ecodesign, nomeadamente no recurso que faz a matérias-primas sustentáveis e na aplicação da área de Investigação ao desenvolvimento de projectos inovadores?
O ecodesign tem um valor cada vez mais importante. Infelizmente ainda não é suficientemente importante para mudar a forma como vivemos no mundo, mas está no bom caminho. Demora algum tempo, mas este conceito vai sendo cada vez mais importante. Vemos os automóveis a passar de gasolina/diesel, a híbridos, a eléctricos… Enfim, apenas demora pois são necessárias mudanças altamente sensíveis no sistema. E são sempre projectos de R&D bastante caros, para produzir protótipos, testes, etc.
Atendendo à sua experiência no país e nos EUA, qual é na sua opinião sobre o estado de arte do design sustentável em Portugal, por comparação ao mercado global?
Acho que Portugal está a fazer um óptimo esforço no sentido de ter sempre em linha de conta a sustentabilidade. Os portugueses têm um historial de descobertas muito forte, e isso está patente nos dias de hoje.
Um arquitecto português a reinventar Nova Iorque |
A carreira profissional do arquitecto Tiago Barros tem sido marcada por uma atenção constante a experiências dinâmicas que reúnam processos multidisciplinares capazes de questionar, reinventar e alterar o ‘sistema dominante’, em função das exigências contemporâneas, particularmente ao nível da sustentabilidade.Licenciado em Arquitectura pela Universidade Lusíada e mestre em Science in Advanced Architectural Design pela Graduate School of Architecture, Planning and Preservation, da Columbia University, este arquitecto português a residir em Nova Iorque já acumulou experiência em países como os EUA (na nARCHITECTS, em Nova Iorque), Reino Unido (Aedas Architects, em Londres) e, claro, em Portugal, onde passou pelo atelier de Aires Mateus, tendo também desenvolvido projectos para países como o Líbano ou Abu Dhabi.Na Big Apple, colaborou com Davis Brody Bond Aedas, integrando a equipa que desenvolveu o World Trade Center Memorial Museum. |
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