Os modelos tradicionais de financiamento e avaliação na filantropia muitas vezes falham em captar a complexidade da mudança social. Isto deve-se, em parte, à rigidez dos seus quadros de referência, que tendem a enfatizar resultados tangíveis e de curto prazo, descurando mudanças sistémicas mais profundas. Em vez de nos focarmos em resultados rápidos, deveríamos repensar a filantropia baseada na confiança e no financiamento flexível, especialmente para organizações de base que operam em contextos marginalizados ou imprevisíveis
POR INJI ELABD
Uma questão existencial: devem os avaliadores manter-se neutros ou tomar uma posição?
Quando comecei a trabalhar em avaliação, ouvia frequentemente:
“Sê neutra.”
“Foca-te nos dados quantitativos.”
“As organizações têm de apresentar resultados tangíveis.”
Recebi formação em Logical Framework (quadro lógico), como era habitual, e reportava aos doadores e filantropos os resultados tangíveis que esperavam, mantendo uma certa distância em relação aos avaliados. Quando entrei no mundo do investimento social, também apliquei análises custo-benefício, e retorno social do investimento — abordagens concebidas para responder à pergunta aparentemente irresistível: qual é o retorno por cada dólar/euro/libra investida?
Até hoje, as organizações da sociedade civil competem por financiamento, com base na rapidez com que conseguem apresentar resultados e na sua capacidade de alcançar mais pessoas do que outras. Muitos modelos filantrópicos centram-se em resultados pré-definidos e quantificáveis, como “X número de pessoas formadas” ou mudanças difíceis de alcançar como “Y leis alteradas”. Embora estes indicadores possam parecer representar sucesso, muitas vezes não captam a complexidade da mudança — sobretudo no caso de organizações de base e comunidades que operam em contextos imprevisíveis, restritivos ou altamente marginalizados. E não respondem a perguntas mais importantes: Estamos a servir quem mais precisa? Os resultados que vemos hoje vão sobreviver ao projeto/financiamento?
Repensar o financiamento e a avaliação
Hoje, embora continue a valorizar a transparência e a responsabilização, defendo o financiamento de organizações de base de forma flexível e uma filantropia baseada na confiança. Especialmente para aquelas que seguem abordagens inovadoras e trabalham temas complexos. Como avaliadores, devemos contribuir para equilibrar o terreno.
Modelos filantrópicos rígidos exercem pressão sobre as organizações para entregarem resultados que vão para além da sua capacidade, perseguirem metas irrealistas a curto ou médio prazo, ou optarem por soluções mais fáceis e imediatas. Em contrapartida, o financiamento flexível permite que as organizações desenhem programas mais inclusivos e procurem soluções sistémicas.
A possibilidade de alocar fundos de forma flexível permite às organizações investir na sua própria profissionalização — incluindo o registo legal, aluguer de espaços, contratação de pessoal remunerado — em vez de depender apenas de voluntários. Permite também uma oferta de serviços mais inclusiva, como adaptar materiais formativos ou de sensibilização a diferentes públicos, tornar atividades acessíveis a pessoas com deficiência, implementar ações em línguas locais e atuar em zonas remotas. Esta liberdade permite às organizações da sociedade civil responder a necessidades emergentes, como alterações políticas, repressão ou desastres naturais. Permite-lhes também atender a necessidades urgentes enquanto constroem mudanças duradouras.
Ao contrário dos modelos tradicionais, que partem do princípio de que os doadores sabem melhor onde investir, a filantropia baseada na confiança parte da ideia de que as organizações de base — muitas vezes lideradas por pessoas com experiência de terreno — são as mais capacitadas para decidir como utilizar os fundos. As soluções desenhadas sob este modelo respondem a necessidades reais, em vez de seguirem tendências de financiamento.
Com base na minha experiência a avaliar modelos de financiamento flexível e baseados na confiança, testemunhei como esta abordagem prepara o terreno para mudanças sistémicas, permitindo que as organizações aderecem as causas profundas e não apenas os sintomas. Centra-se na interseccionalidade, ao dar prioridade a vozes marginalizadas e permitir a defesa de causas a partir das comunidades. Aumenta a eficiência dos recursos ao reduzir a carga administrativa e permitir uma melhor utilização dos fundos.
E a responsabilização?
Uma crítica comum à filantropia baseada na confiança é que carece de mecanismos de responsabilização. Os financiadores — sejam instituições, contribuintes ou filantropos individuais — precisam de garantias de que os seus contributos são usados de forma eficaz e ética. Mas a filantropia baseada na confiança não significa ausência de responsabilização. Significa substituí-la por diálogo significativo e acompanhamento contínuo, trocando ferramentas rígidas de monitorização e avaliação por outras mais adequadas.
Alguns financiadores pioneiros em financiamento flexível e filantropia baseada na confiança assumiram o papel de parceiros a longo prazo, em vez de supervisores distantes. Investiram em relações e comunicação, ganhando assim uma compreensão mais profunda dos desafios no terreno e construindo empatia pelas realidades diárias dos seus parceiros. Estes sentem-se seguros para partilhar dificuldades operacionais e ajustar o seu trabalho à medida que surgem novas informações ou mudanças de contexto, sem receio de perder apoio. Neste modelo, o foco deixa de estar no controlo transacional e passa a estar na colaboração para alcançar objetivos comuns. Os resultados destas parcerias, por vezes, superam os modestos indicadores definidos por modelos rígidos de financiamento e avaliação.
Soluções práticas
Alguém poderá perguntar: se não tivermos indicadores previamente definidos, como avaliamos projetos e programas? É aqui que entram ferramentas de avaliação como o storytelling. Estas ferramentas são especialmente adequadas a organizações de base, permitindo-lhes permanecer no terreno em vez de gastarem tempo valioso com relatórios morosos, documentando mudanças à medida que estas ocorrem.
O storytelling capta mudanças profundas a nível individual, bem como alterações de comportamento e estruturas de poder a nível comunitário. Dá aos doadores — e aos que os responsabilizam — uma perspetiva mais próxima de contextos complexos. Reforça a necessidade de intervenções mais profundas, em vez de se focar apenas no alcance superficial. Amplifica também as vozes locais, permitindo que as comunidades definam o que significa realmente a mudança, tornando a avaliação mais participativa e inclusiva.
O método Outcome Harvesting pode também ser usado para avaliar financiamento flexível e filantropia baseada na confiança, documentando de forma estruturada os resultados esperados e inesperados; no entanto, exige mais formação para ser bem aplicado.
O futuro da filantropia não deve passar por controlar o impacto através de métricas rígidas — deve passar por fomentar a transformação através da confiança, flexibilidade e uma avaliação e responsabilização significativas.
Referências e recursos
Wilson-Grau R, et al. (n.d). Outcome harvesting. BetterEvaluation. Retrieved April 1, 2025 from https://www.betterevaluation.org/methods-approaches/approaches/outcome-harvesting
[Mbali82] (2024, Feb 22). Five storytelling approaches in programme evaluation. GoodPush [online Forum post]. Retrieved April 1, 2025, from https://www.goodpush.org/node/2449node/2449
Trust Based Philanthropy Project (2021). The 6 grantmaking practices of trust-based philanthropy. Retrieved April 1, 2025, from https://www.ncfp.org/wp-content/uploads/2023/08/6-Grantmaking-Practices-of-Trust-based-Philanthropy-TBP-2023.pdf
Faella, S. & Robinson, R. (2024, Feb 21). The Strategic Value of Trust-Based Philanthropy. Stanford Social Innovation Review. Philanthropy and Funding Feb. 21, 2024. Retrieved April 1, 2025, from https://ssir.org/articles/entry/trust-based-philanthropy-strategic
Imagem: © Ibrahim Boran/Unsplash.com
Consultora Principal na Stone Soup Consulting, onde entrou em 2021. É economista e avaliadora, tendo iniciado a sua carreira na área da avaliação em 2010. Antes de trabalhar como avaliadora independente, apoiou inovadores sociais e colaborou em projectos de cooperação internacional