POR MÁRIA POMBO
Aparentemente (?) é ainda durante este século que o mundo vai assistir ao fim da desigualdade de género no trabalho. Considerando o ritmo actual, estima-se que, nos países desenvolvidos, a paridade entre homens e mulheres seja conquistada em 2065 e que, nos países em desenvolvimento, a mesma seja alcançada em 2100. No entanto, ao tornarem-se digitalmente fluentes, as mulheres contribuem para que este intervalo diminua drasticamente: através do domínio, por parte da comunidade feminina, dos meios digitais, as previsões indicam que a igualdade poderá ser atingida, nos países desenvolvidos, em 2040 e, nos países em desenvolvimento, em 2060. O que daria vontade de rir se não fosse tão trágico.
Enquanto esse momento não chega, espera-se das mulheres muito trabalho e um grau académico superior ao dos homens – apesar de, em muitos países, já os terem ultrapassado e bem, no que a este último item diz respeito – para que consigam ganhar uma parcela do que estes auferem, no exercício das mesmas funções (principalmente no que respeita a cargos de chefia, os quais são, por si só, de difícil acesso à população feminina e onde as discrepâncias em termos salariais são enormes).
E este artigo poderia ser escrito em tom de ironia, não fosse tão sério o tema que lhe dá origem. A igualdade de género continua, pelos piores motivos, a ser abordada em estudos, em pesados relatórios, em debates acesos e em outras nobres iniciativas, tendo em conta o fosso de oportunidades que ainda hoje separa ambos os géneros. Pena é que toda esta “atenção” muito pouco tem servido para estreitar, ou eliminar, esse tão falado fosso. Os dados acima apresentados figuram no mais recente estudo da Accenture sobre este tema, realizado por ocasião do Dia Internacional da Mulher e que pretende apurar de que forma as competências digitais podem contribuir para se alcançar, mais “rapidamente”, a igualdade de género no trabalho.
[pull_quote_left]Os Estados Unidos são a nação onde as diferenças entre homens e mulheres são menos acentuadas[/pull_quote_left]
De acordo com a consultora, a fluência digital é a capacidade que permite que homens e mulheres recorram às tecnologias para se tornarem mais informados, conectados e eficientes. O documento foi elaborado em duas fases: primeiramente, os participantes foram inquiridos acerca dos meios que utilizam para aceder à informação de que precisam, das ferramentas digitais a que recorrem no dia-a-dia, nomeadamente para o exercício das suas funções, bem como sobre o tipo de formação que já receberam, sobretudo no que respeita a cursos online; num segundo momento, as conclusões deste inquérito foram cruzadas com informações sobre a utilização da Internet que constam de um estudo feito pela ITU (International Telecommunication Union), a agência das Nações Unidas especializada em informação e tecnologias de informação e comunicação.
Se analisados em conjunto, estes dados permitem perceber não só qual é o nível de proficiência digital das mulheres comparativamente ao dos homens, mas também de que forma esta capacidade potencia a ocorrência de mudanças positivas em termos de educação e trabalho. O estudo contou com a participação de cerca de cinco mil homens e mulheres de diversas gerações (baby boomers, geração X e millennials), empregados e desempregados, em 31 países de diversos continentes.
Pequenas diferenças que não justificam tão grandes desigualdades
Uma das suas principais conclusões é que, apesar de 56% das mulheres e 49% dos homens pertencentes à geração Y (ou millennials – que, no documento, correspondem às pessoas que nasceram entre os anos de 1980 e 2000) aspirarem a posições de chefia, o impacto da utilização das tecnologias ainda não permitiu minimizar as diferenças entre um género e o outro a esse nível, sendo visível que as melhores oportunidades continuam a ser dadas essencialmente aos homens.
O documento indica ainda que os países em que as mulheres utilizam a internet e os meios digitais com maior frequência são aqueles em que a igualdade de género se encontra mais próxima e alcançável, sendo mais reduzidas as divergências entre géneros. Os Estados Unidos surgem como a nação onde as diferenças são menos acentuadas. Neste sentido, e apesar de a verdadeira igualdade de género aparecer ainda em forma de miragem, a fluência digital tem ajudado as mulheres americanas a atingir progressos significativos em termos de educação e emprego. Neste caso em concreto, importa sublinhar – dada a incredulidade – que este é o único país da OCDE onde a licença de maternidade não é um direito adquirido.
[pull_quote_left]A Índia é o país que regista os mais baixos níveis de proficiência digital das mulheres[/pull_quote_left]
No pólo oposto, a Índia é o país (dos 31 apurados) que regista os mais baixos níveis de proficiência digital das mulheres, os quais influenciam os também reduzidos (e esperados) níveis de igualdade de género no trabalho. As maiores diferenças entre homens e mulheres no que respeita ao acesso e uso das novas tecnologias registam-se no Japão, Singapura, França e Suíça, sendo que, a este respeito, o estudo indica que aumentar o nível de fluência digital irá ajudar as mulheres a diminuir os níveis de igualdade face aos seus pares masculinos.
Adicionalmente, o documento revela que, nos 31 países auscultados, um dos motivos pelos quais esta paridade ainda não foi atingida está relacionado com o facto de os homens utilizarem mais e melhor as ferramentas digitais, quando comparados com as mulheres: 76% dos homens e 72% das mulheres usam frequentemente a internet, e 52% dos homens e 45% das mulheres afirmam estar continuamente a aperfeiçoar os seus conhecimentos digitais. O que não explica, de todo, o motivo devido ao qual estas (pequenas) diferenças justificam os níveis de desigualdade (por vezes bastante acentuados) que ainda hoje existem nos países analisados. A Arábia Saudita é um exemplo de como uma “razoável” fluência digital por parte das mulheres não se traduziu ainda na espectável igualdade face aos homens.
[pull_quote_left]O grau académico das mulheres é superior ao dos homens em 16 dos 31 países analisados pela Accenture[/pull_quote_left]
Apesar de, actualmente, ambos os géneros registarem um nível semelhante de fluência digital, o grau académico das mulheres já é superior ao dos homens em 16 dos 31 países analisados, sendo que as capacidades em termos tecnológicos têm tido um papel importante para que este resultado se verifique. Ao mesmo tempo, o nível de educação das mulheres que se encontram em exercício de funções duplicou em apenas uma geração: mais de metade das trabalhadoras pertencentes à geração X (nascidas entre o início dos anos de 1960 e 1980) tem um grau académico pelo menos ao nível da licenciatura, contra apenas 27% das mulheres da geração anterior (correspondente aos baby boomers).
Curiosamente, 68% das mulheres dos países em desenvolvimento consideram que a internet é importante para a sua educação, mas apenas 44% das mulheres dos países desenvolvidos têm a mesma opinião. Também interessante é o facto de 61% das mulheres dos países em desenvolvimento quererem iniciar um negócio próprio nos próximos cinco anos, e apenas 29% das mulheres das nações desenvolvidas terem essa ambição.
A flexibilidade que o uso das tecnologias proporciona aos trabalhadores é uma das grandes vantagens apontadas, quer para os homens, quer também (e principalmente) para as mulheres, tendo em conta que permite o trabalho a partir de casa e o assegurar, em simultâneo, das habituais tarefas domésticas e restantes “obrigações diárias”. Quase metade das mulheres trabalhadoras considera que os meios digitais são importantes para o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Adicionalmente, de acordo com 72% dos homens e 68% das mulheres, esta particularidade aumenta também a probabilidade de estas encontrarem um emprego.
Para que um dia a desigualdade seja apenas uma memória
Tal como muitos dos seus “congéneres”, o estudo comprova, mais uma vez, que a igualdade relativamente aos homens está ainda longe de ser real. Apesar de muitas mulheres, hoje em dia, já apresentarem níveis elevados de conhecimentos ao nível tecnológico, e de este facto as ajudar a encontrar e a manter um emprego, as diferenças salariais e as dificuldades de acesso a cargos de chefia são ainda bastante notórias, revelando que a desigualdade de género continua a persistir.
Os homens são, de longe e nas três gerações apuradas, aqueles que auferem um montante significativamente superior ao fim do mês, quando comparados com as mulheres. Apesar de a geração millennial ser a mais avançada tecnologicamente, e à semelhança do que se verifica nas restantes gerações, 65% dos homens que têm funções de gestão continuam a ter um ordenado superior às mulheres. Todavia, 22% das trabalhadoras com cargos idênticos conseguem já – aleluia – ter remunerações mais elevadas do que os homens e apenas 13% dos respondentes afirmam auferir um salário semelhante aos seus pares, independentemente de serem homens ou mulheres.
[pull_quote_left]A OCDE reforça que a licença de paternidade permite reduzir a discriminação contra as mulheres[/pull_quote_left]
O documento indica ainda que 71% dos inquiridos (homens e mulheres) concordam com a ideia de que “o mundo digital vai conferir um maior poder às suas filhas”, sendo estas as “responsáveis” pela conquista da igualdade face aos homens. As expectativas apontam, assim, para que sejam as mulheres da geração millennial (com sorte), mas sobretudo as das gerações seguintes, a conseguir atingir esse “facto histórico”. Talvez nessa altura deixe de ser necessária a existência de um dia internacional que recorde a sua importância e o seu valor, permitindo que a desigualdade seja apenas uma memória.
Em suma, as conclusões do estudo indicam que a proficiência digital tem ajudado as mulheres a ganhar terreno no mercado laboral, ajudando-as a estreitar o fosso salarial e em termos de oportunidades, face aos homens. No entanto, o caminho é ainda longo. Se para uns, o copo meio cheio demonstra que o mundo digital ajuda a acelerar o processo de conquista da desejada igualdade, para os que olham para o lado meio vazio, a realidade é que essa mesma igualdade só será atingida, na melhor das hipóteses, em meados do século. E continuamos, todos, homens e mulheres, a perguntar porquê.
Licença de parentalidade
E os homens onde estão?
Conferir aos homens os mesmos direitos das mulheres, nomeadamente em termos de licença de parentalidade (a qual combina a licença de maternidade e a de paternidade), é uma outra forma de alcançar e promover a igualdade de género (desta feita, ao “contrário”).
Ainda no âmbito do Dia Internacional da Mulher, a OCDE lançou uma versão actualizada do seu Gender Portal, um portal online que reúne um conjunto substancial de dados e estudos sobre igualdade (e desigualdade) de género. E, aproveitando a “onda”, a mesma organização apresentou também o documento Parental leave: Where are the fathers?, no qual explica como é vantajoso – e um grande sinal de progressos no que respeita à igualdade – que, quer o pai, quer a mãe, possam acompanhar de perto e a tempo inteiro os primeiros dias de vida dos seus filhos.
À excepção dos Estados Unidos, onde não existe sequer licença de maternidade – pelo menos paga -, todos os países da OCDE conferem às mulheres um mínimo de 12 semanas para acompanhar os primeiros tempos de vida das crianças. No entanto, e de forma crescente, muitas nações (23, actualmente) estão a promover este direito também junto da comunidade masculina, permitindo que, tal como as mulheres, os homens consigam usufruir do início de vida dos filhos, participando de igual forma na educação e no processo de crescimento das crianças desde o seu nascimento.
Apesar de tudo, o documento indica que é ainda bastante reduzida a percentagem de homens que aceita usufruir deste direito, sendo o prejuízo, em termos financeiros, que o agregado familiar acaba por sofrer o principal motivo apontado, pois é normalmente o homem que aufere um salário superior. Para contrariar esta tendência, diversos países criaram uma licença de paternidade “não transferível” (exclusivamente reservada ao pai), permitindo que a mesma seja gozada em regime de part-time, para que o homem não se afaste do trabalho de uma forma drástica.
A boa notícia é que os progressos já são visíveis em algumas nações. Em diversos países nórdicos – e em Portugal -, mais de 40% dos homens usufruem da licença de paternidade, e em algumas regiões (como a Bélgica e a Finlândia) a percentagem de pais que decidem acompanhar a tempo inteiro os primeiros dias dos filhos aumentou substancialmente nos últimos anos.
De acordo com dados de 2015, a Coreia (sem estar especificada, imaginamos que seja a do sul) ocupa o lugar cimeiro dos países da OCDE em termos de licença de paternidade, permitindo que os homens usufruam de 53 semanas dedicadas aos recém-nascidos. Portugal ocupa a quarta posição ao autorizar que os pais gozem de 21 semanas de licença. Na base da tabela, e por não reconhecerem a licença de paternidade, estão o Canadá, a República Checa, a Irlanda, a Nova Zelândia, a República Eslovaca, a Suíça, a Turquia e os Estados Unidos.
Através deste documento, a OCDE reforça ainda que a licença de paternidade ou de parentalidade permite também reduzir a discriminação contra as mulheres no local de trabalho, e mais especificamente no momento da contratação, tendo em conta que diminui a relutância de muitos patrões em escolher mulheres em “idade fértil”, na medida em que, por poderem engravidar, lhes possam dar, num futuro próximo, algum prejuízo a nível financeiro.
Jornalista