POR HELENA OLIVEIRA
O mundo da gestão já não é o que era. Para os que acompanharam, em particular na década de 1990, o movimento dos gurus desta ciência, é fácil assinalar as diferenças. Na época em causa, eram vários os nomes que sobressaíam e ditavam verdadeiras grandes modas, numa área que tinha contornos bem definidos no que às suas distintas disciplinas dizia respeito. Da Inovação à Estratégia, passando pela Qualidade, pelo Marketing ou pela Liderança, os rostos dos “mestres” conferiam credibilidade e influenciavam fortemente gestores e executivos de todo o mundo a seguirem as suas receitas e a implementá-las nas empresas que geriam.
Hoje, e na medida em que não é só o mundo que deixou de ter fronteiras bem definidas, o mesmo se passa na gestão. A interdisciplinaridade impera e torna-se muito mais complicado, e ineficaz, fazer corresponder uma teoria isolada a uma categoria outrora tradicional deste universo. Mas tal não significa – de todo – que o pensamento em gestão tenha declinado. Pelo contrário, estamos a assistir a uma nova vaga de académicos e de “fazedores” que tentam conferir alguma ordem a uma teia desordenada de novas exigências que se colocam às empresas, neste mundo globalizado e em mudança contínua. Na verdade, o “trabalho” destes novos influenciadores acaba por ser muito mais complexo, dada a estrutura “mutante” do universo empresarial e das variadas filosofias de negócio que abundam e que tentam ganhar o seu próprio lugar ao sol num planeta acometido por inúmeras pressões globais.
Mas também se confirma que alguns dos “velhos gurus” se mantêm em campo, apesar de terem sofrido altos e baixos, em particular na última década, o que também serviu para “crescerem” e se adaptarem aos novos contornos sociais e económicos que ditam as novas regras do jogo. E um dos casos mais flagrantes desta “ascensão e queda” – e que agora ressurge – é mesmo o de Michael Porter, considerado este ano pelo Thinkers50, como o mais influente pensador da gestão de 2015.
O ranking dos 50 pensadores da gestão mais influentes teve início em 2001 – e para os saudosos dos gurus da velha guarda, vale a pena consultar a lista desse ano – pela mão de Stuart Crainer e Des Dearlove, eles próprios outrora considerados como uma espécie de gurus, se bem que do outro lado da barricada, na medida em que há mais de 25 anos que, em conjunto, escrevem vários best-sellers – 15, no total – sobre as teorias desta área do conhecimento. Outrora colunistas do The London Times, são actualmente editores do Financial Times Handbook of Management e consultores de várias organizações globais, através da consultora que fundaram em 1999 – a Suntop Media. E, na “gíria” da gestão, são considerados como “fazedores de mercados por excelência”.
O ranking que publicam de dois em dois anos – e que tem direito a uma cerimónia de “Óscares do Pensamento em Gestão” em Londres – a qual, para além dos 50 distinguidos, inclui também um “prémio de carreira” e outras categorias mais específicas desta ciência social – conta com a colaboração do público que visita o website do Thinkers50 – só este ano votaram cerca de 20 mil pessoas – que podem sugerir nomes ou manifestar o seu apoio a outros pensadores “repetentes” nesta lista. Mas é em conjunto com uma equipa de “especialistas” provenientes de várias instituições de prestígio, que Crainer e Dearlove avaliam os nomeados e chegam aos resultados finais. Para a análise conta um conjunto de critérios alargado, como a relevância, originalidade e apresentação das ideias, o rigor da pesquisa, a acessibilidade e disseminação das práticas em causa, a visão internacional, o “sentido” empresarial e o poder de inspirar e/ou influenciar.
Desde 2001 que o ranking tem sofrido alterações significativas, nomeadamente no que respeita à inclusão de líderes de negócio como Steve Jobs, Richard Branson, Bill Gates ou Jeff Bezos, mas também à de economistas como Paul Krugman ou Alan Greenspan. Sem surpresas, Peter Drucker obteve o primeiro lugar nas edições iniciais do ranking. Mas e em particular nos últimos quatro anos, Crainer e Dearlove concentraram-se mais nos candidatos que exibem abordagens ou filosofias de negócio claramente articuladas com a prática da gestão, geralmente expostas em livros que ficarão, decerto, na história desta disciplina.
Top 5 recheado de pensadores seniores
Considerado o pai da estratégia de negócios “moderna”, é um Michael Porter ressuscitado que volta ao primeiro lugar deste ranking, exactamente 10 anos depois de ter atingido o mesmo feito. Catapultado para as luzes da ribalta com o seu famoso modelo das “cinco forças” ou modelo “diamante” publicado em 1979 na Harvard Business Review, Porter foi consultor de vários governos e convidado, por Cavaco Silva em 1994, para realizar um estudo sobre as perspectivas para a economia portuguesa, do qual recordamos em particular a “teoria dos clusters”. As suas cinco forças, das quais dependeria a intensidade competitiva de um sector – incluíam o número de concorrentes e a rivalidade entre os mesmos num momento determinado, a entrada de novos concorrentes, o poder de negociação dos clientes e também dos fornecedores e o aparecimento de produtos “substitutos” – foram, e continuam a ser ensinadas em todas as escolas de gestão do mundo e seguidas religiosamente por muitas empresas e governos.
Todavia, é com uma reavaliação do papel do capitalismo, nomeadamente desde a crise de 2008, que Michael Porter volta a ser considerado como o mais influente pensador da gestão na actualidade: a criação, em conjunto com Mark Kramer, do conceito de valor partilhado (ao qual o VER tem devotado vários artigos e um dossier especial) tem vindo a ganhar muitos adeptos, e são já inúmeras as multinacionais que o adoptaram enquanto estratégia integrada das suas operações e que, em termos básicos, “assegura” que as empresas podem aumentar os seus lucros ao mesmo tempo que abordam os mais prementes problemas sociais. Porter volta assim aos comandos da teoria da gestão, 35 anos depois de ter escrito o famoso “Competitive Strategy”, o qual continua a servir de bíblia para muitos gestores e executivos, comemorando agora a sua sexagésima edição e a tradução em 19 línguas.
Também da Harvard Business School vem o segundo classificado, Clayton Christensen, depois de ter ocupado o 1º lugar nos rankings de 2013 e 2011. O autor, em 1997, do clássico “The Innovator’s Dilemma”, continua a influenciar o panorama dos negócios, depois de vários anos passados sobre a introdução do conceito de “inovação disruptiva”, o qual refere as situações em que novas organizações podem criar valor e vencer gigantes mais poderosos utilizando tecnologias inovadoras mas relativamente simples. Christensen, que num espaço de três anos, sobreviveu a um ataque cardíaco e venceu um cancro em estado avançado, estreou-se também na literatura da “inspiração” com o livro “How Will You Measure Your Life”, numa espécie de busca do sentido para a vida.
Na terceira posição (e em 2º lugar em 2013), a dupla também conhecida (e reconhecida ) composta por W.Chan Kim e Renée Mauborgne, ambos professores no INSEAD e autores do bestseller “The Blue Ocean Strategy”, em 2005, o qual viria a criar uma novo paradigma e uma nova abordagem na área da estratégia. Desafiando os conceitos tradicionais desta disciplina, a estratégia “blue ocean” demonstra como alinhar o valor, o lucro e as pessoas, para capturar novos mercados, ou espaços, onde não existam concorrentes. Com actualizações constantes, a estratégia – e o livro – continuam a ser adoptados por inúmeras empresas, organizações não-governamentais, empreendedores e governos – a Malásia, por exemplo, tem a sua própria estratégia “blue ocean” – dando origem a um “instituto” que agrupa todo o conhecimento, case-studies e conteúdos específicos sobre este fenómeno global, presente em cinco continentes.
Um outro repetente do top 5 é o canadiano Don Tapscott, considerado como uma das autoridades mundiais em inovação e nos impactos económicos e sociais veiculados pela tecnologia. Autor de mais de 15 livros, cunhou o termo “nativos digitais ou geração internet” quando descreveu a promissora nova geração que, em 1997, deu corpo ao seu livro “Growing Up Digital” e, mais tarde, quando a revisitou em “Grown Up Digital”, em 2009. Todavia, foi em 1995 que ficou famoso com o livro que mudaria a forma como o mundo empresarial encararia a natureza transformacional da Internet, com “The Digital Economy” e, em 2007, foi o autor de gestão mais “vendido” com a obra “Wikinomics: How mass Collaboration Changes Everything”. Tapscott é ainda fundador e presidente da Global Solutions Network e do The Tapscott Group, um think tank que presta serviços de consultoria a líderes de negócios e governamentais em todo o mundo. Visitante regular do nosso país (a mulher é a portuguesa Ana Lopes), Don Tapscott é também o fundador da banda Men in Suits, composta na sua maioria por executivos.
Na quinta posição, o autor de “The Leader of the Future” e de “MOJO: How to Get It, How to Keep It, and How to Get It Back If You Lose It”, Marshall Goldsmith, considerado como uma autoridade mundial em executive coaching. Através uma abordagem muito simples e prática, Goldsmith é conhecido como uma espécie de “mago” no que à alteração dos comportamentos dos líderes diz respeito. A sua lista de clientes conta com mais de 150 líderes de topo espalhados por todo o mundo.
A representação feminina e a ascensão de uma nova geração de pensadores
Relativamente aos rankings anteriores, o de 2015 poderá “gabar-se” de ter o maior número de mulheres de sempre, mesmo que, em 50 pensadores eleitos, apenas 14 sejam do sexo feminino. Se o número ainda é escasso, é possível, todavia, assumir que poderia ser pior: em 2009, apenas cinco mulheres foram selecionadas para o ranking, com a amostra a ser mais significativa em 2011, com onze e, em 2013, com treze. Mas e tal como referem os próprios responsáveis do Thinkers50, tendo em conta que metade da população mundial é constituída por mulheres, é impossível negar a sua sub-representação, “apesar de estarem a fazer progressos incríveis”, nomeadamente no campo das ideias que elegem a colaboração como estratégia vencedora no mundo dos negócios em detrimento da velha e tradicional rivalidade entre pares.
Sem lugar para se escrever – outra e outra vez – sobre a igualdade de géneros ou a paridade que, de acordo com o Fórum Económico Mundial, só será atingida em 2133 (!), a professora do INSEAD Renée Mauborgne é a melhor classificada (apesar de ter de partilhar a 3ª posição com o colega W.Chan Kim, ambos citados anteriormente), com mais três mulheres a integrarem o top 10 dos mais votados: a académica de Harvard, Linda Hill (6ª), que passou uma década a estudar líderes de firmas inovadoras nos Estados Unidos, Europa, Índia e Ásia, de que são exemplo empresas como a Pixar, a Google, a Volkswagen, a IBM, a Pfizer, entre outras, cujas histórias foram publicadas no best-seller “Collective Genius: The Art and Practice of Leading Innovation”; a cubana Herminia Ibarra (8ª), professora de Comportamento Organizacional no INSEAD, membro do Global Agenda Councils do Fórum Económico Mundial e autora do livro recentemente publicado “Act Like a Leader, Think Like a Leader” e do best-seller “Working Identity: Unconventional Strategies for Reinventing Your Career”; por último e na 9ª posição, está Rita McGrath, da Columbia Business School, especialista em estratégia em ambientes incertos e voláteis, considerada como uma das 25 mulheres mais inteligentes a seguir no Twitter pela revista Fast Company, oradora, consultora e autora de vários livros, entre os quais se destaca o recente “The End of Competitive Advantage: How to Keep Your Strategy Moving as Fast As Your Business” .
Adicionalmente, o prémio atribuído à “Breakthrough Idea” foi também para uma mulher – Rachel Botsman – pelos conceitos inovadores do consumo colaborativo e da economia da partilha, que deram origem a novos modelos de negócio de sucesso como o AirBnB. E, pela 3ª vez consecutiva, o prémio “The Future Thinker” – este ano denominado como “Radar Award” vai também para uma mulher, Erin Meyer, professora no INSEAD, cujo trabalho tem como enfoque a forma como os gestores de sucesso navegam nas complexidades inerentes às diferenças culturais num ambiente global. Meyer é também autora de “The Culture Map”.
No que respeita a estreantes no ranking, são 14 as novas entradas. Como comenta Des Dearlove, “ a indústria dos gurus costumava ser pálida, masculina e opaca, mas hoje não e nada disso. Pelo contrário, é eclética, didática e frenética”.
Os responsáveis pelo Thinkers50 sublinham a posição alcançada pelo chinês Zhang Ruimin (38ª), CEO da gigantesca Haier e o terceiro chinês a fazer parte desta lista de pensadores desde sempre. Ruimin não só integra o ranking , como também foi o vencedor do prémio “Ideias em Prática”, por ter aplicado uma filosofia “distintamente chinesa” e progressista no mundo dos negócios.
“O pensamento de gestão já não é apanágio do Ocidente”, assegura Dealove, recordando que as últimas edições têm vindo a integrar um número crescente de pensadores asiáticos, em particular de indianos, como é o caso de Vijay Govindarajan, professor de Negócios Internacionais, na Tuck School of Business ou de Subir Chowdhury, presidente e CEO do Asi Consulting Group e denominado, pela revista Business Week, como “o profeta da Qualidade”.
NOTA: Para consultar os 50 eleitos, clique aqui e para conhecer os premiados com os “Óscars da gestão”, aqui
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