POR HELENA OLIVEIRA
preguiça
pre.gui.ça
prəˈɡisɐ
nome feminino
1.
tendência de uma pessoa para evitar ou recusar o esforço
2.
indolência
3.
inacção; moleza; lentidão
4.
mandriice; vadiagem
Chama-se SLC35D3 e é um gene que fornece instruções para a formação de uma proteína que desempenha um papel principal na receptividade das células cerebrais à dopamina. E, quando sofre uma mutação, suspeitam os cientistas, “causa” ausência de motivação ou, mais propriamente, preguiça. Nesta altura do ano em que muitos ainda não foram de férias, trabalhar pode ser uma agonizante tortura. E, dizem também vários estudos, que o próprio Verão poderá ajudar substancialmente a que a produtividade derreta, não só pelos efeitos do calor, mas também – e nada que surpreenda – por o nosso cérebro estar mais de olho nas distracções do que propriamente nas funções que somos obrigados a exercer.
Essa é uma das razões que, e de acordo com os dados mais recentes publicados pelo Global Talent Monitor, da consultora Gartner, é significativamente crescente o número de empregadores que, na América do Norte, estão a oferecer “sextas-feiras de Verão” aos seus empregados.
A pesquisa conduzida pela Gartner junto de responsáveis de Recursos Humanos, concluiu que 46% das organizações auscultadas estão a dar a possibilidade aos seus funcionários de saírem mais cedo, trabalharem remotamente ou tirarem o dia de sexta-feira este Verão, um salto de mais de 30 pontos percentuais face a 2012.
Se muitas são as empresas que se preocupam com o facto de estes horários de Verão poderem ter um efeito negativo na produtividade, a própria Gartner é de opinião contrária. Na verdade, a maioria das empresas que fez parte do estudo confirmou que e por causa da existência deste benefício, os trabalhadores trabalham muito mais arduamente durante os restantes dias da semana, porque sabem que têm de completar as suas tarefas antes da bem-vinda sexta-feira livre. E todos nós sabemos que com o incentivo certo, é muito mais fácil sermos produtivos.
Apesar de este horário de Verão não funcionar, como é óbvio, em todos os sectores, a verdade é que são cada vez mais as empresas, em diferentes países, a utilizar este benefício – ou técnica – junto da sua força de trabalho. Como refere também a consultora, e porque a flexibilidade se encontra entre os benefícios mais procurados entre os trabalhadores que almejam o tão falado equilíbrio entre vida pessoal e profissional, as empresas que optam por este incentivo podem também estar a ganhar uma vantagem competitiva na difícil tarefa de reter os seus melhores talentos.
Se a ideia inicial deste artigo era de falar, de forma leve, sobre a relação existente entre a preguiça e os efeitos que as altas temperaturas têm na produtividade, a tragédia que assolou a Grécia – tão semelhante à que vivemos o ano passado – e o Verão virado de pernas para o ar que estamos presentemente a testemunhar obrigam-nos a mudar a trajectória. É que se ainda subsistiam dúvidas, os actuais fenómenos climáticos extremos, que não só estão a aumentar em violência como em cadência, dão mais um alerta para uma questão que já não é possível ignorar: um planeta mais quente – e sem contar com todos os seus terríveis efeitos colaterais – torna a sociedade menos economicamente produtiva.
Num paper publicado pela revista Science sobre os impactos sociais e económicos do clima, podemos ler o seguinte:
“A temperatura, em particular, exerce uma influência significativa sobre os sistemas humanos em muitas escalas sociais: o calor aumenta a mortalidade, tem um impacto negativo nos fetos e nos recém-nascidos, incita à agressão e violência ao mesmo tempo que diminui a produtividade humana. As temperaturas elevadas prejudicam igualmente as colheitas, inflacionam a procura de electricidade e podem despoletar movimentos populacionais no interior e entre fronteiras nacionais”.
São já em grande número os estudos e relatórios que alertam para os custos económicos relacionados com as perdas de produtividade causadas pelo aquecimento global. Numa pesquisa liderada pelo especialista em alterações climáticas e saúde , Tord Kjellstrom, da Australian National University, em 2016 as estimativas apontavam para mais de 2 biliões de dólares perdidos anualmente até 2030, à medida em que o “demasiado quente para trabalhar” se tornar norma. E os números sugerem que o aumento das temperaturas dificultará o exercício de várias funções, em particular, mas não só, nas economias mais pobres do mundo, sendo a situação pior para os que têm menores rendimentos provenientes de trabalhos com muita exposição ao sol, de que é exemplo o sector da construção ou da agricultura. O estudo apontava também para o número de horas perdidas durante um dia de trabalho – para alguns países tropicais, essa perda de produtividade é estimada em 10%/dia, o que representa um mês de trabalho de trabalho perdido porque as pessoas, simplesmente, não conseguem aguentar o calor. Como não existem grandes esperanças de que um ponto final possa ser colocado nesta tendência, os autores estimavam que países como a Índia, o Vietname ou a indonésia possam ver o número de horas perdidas duplicar em 2055 e mais do que triplicar em 2085.
Na medida em que o estudo tem dois anos, e face à onda de calor a bater recordes em muitos países desenvolvidos – como a Suécia, a Inglaterra ou o Japão – este ano, parece ser mais do que provável que todos os países, ricos e pobres, sofrerão desta perda de produtividade, já para não falar de outras perdas muito mais tristes e preocupantes.
Mas e regressando à preguiça que parece afectar muitos de nós e correlacionando-a com o calor, o que nos diz a ciência?
Demasiado calor para trabalhar, diz o cérebro
A ciência que estuda a relação entre o calor e a perda de produtividade, e antes de ser ciência, assenta no mais básico do senso comum. Em particular quando escrevemos sobre a influência do Verão na nossa preguiça e na diminuição da motivação para trabalhar. Os dias ficam maiores, o bom tempo convida a actividades ao ar livre, os nossos amigos não se coíbem de postar fotos nas redes sociais numa espécie de concurso de quem fotografa a melhor tonalidade de azul do mar, temos nos ombros longos meses de trabalho e tudo o que queremos é desligar o computador e, já agora, também o cérebro.
Mas é também cientificamente verdade que o Verão tende a ser uma altura de reduzida produtividade, como se o nosso cérebro murchasse tanto quanto a nossa vontade.
E, realmente, uma das questões principais desta preguiça difícil de controlar reside, exactamente, na motivação. Quando o tempo lá fora está desagradável, é muito mais fácil permanecer agarrado ao trabalho, do que quando o sol brilha de forma convidativa.
De acordo com um estudo citado num artigo do The New York Times e através da compilação de dados do American Time Use Survey – um organismo que estuda o tempo que as pessoas despendem a fazer vários tipos de actividades – concluiu que, num dia chuvoso, os homens em particular, tendem a ficar pelo menos mais meia hora no escritório comparativamente aos dias em que o sol brilha. Em 2012, uma pesquisa conjunta realizada por investigadores das universidades de Harvard e da Carolina do Norte conduziram um estudo com bancários japoneses e os resultados foram similares: o mau tempo contribui para os que trabalhadores sejam mais produtivos, como demonstra o tempo despendido pelos mesmos a completar determinadas tarefas num processo de concessão de crédito. O mesmo aconteceu com uma pesquisa idêntica feita com alunos de Harvard que comprovou que o simples idealizar de alternativas mais agradáveis do que trabalhar/estudar – e em particular no Verão – diminuiu a sua concentração.
Por outro lado, o clima mais quente – e, em especial, quando está abafado – pode reduzir também a nossa atenção e energia, sendo que elevados níveis de humidade diminuem a concentração e aumentam o sono. Vários estudos demonstram também que o calor tem um impacto negativo no pensamento crítico e outros tantos asseguram que até pequenas diferenças de temperatura afectam a capacidade das pessoas para tomar decisões (v., nesta edição, o artigo “Calor prejudica performance cognitiva”).
Sobre esta mesma temática, um artigo na Scientific American apresenta a seguinte pesquisa.
“Num estudo em laboratório, foi pedido aos participantes que fizessem a revisão de um artigo. Uns encontravam-se numa sala mais quente (26 graus) e outros numa sala com temperatura amena (19 graus). A performance dos que estavam na sala quente foi significativamente pior face à dos seus pares da outra sala, tendo falhado em identificar quase metade dos erros de ortografia e gramaticais, com os participantes da sala alternativa a errar apenas 25%. Os resultados sugerem que até tarefas cognitivas simples podem ser negativamente afectadas por ambientes excessivamente quentes.
Num outro estudo, também citado pela Scientific American, os investigadores encontraram resultados similares para cálculos mais complexos. Mantendo a sala “fria” e a sala “quente”, a outros dois grupos de participantes foi pedido que escolhessem entre dois pacotes de serviços para telemóveis. Um parecia, superficialmente, mais atractivo, mas na verdade era mais caro. Se aplicados padrões simples de tomada de decisão, os participantes escolheriam o plano aparentemente mais atractivo; se, pelo contrário, existisse uma análise com uma maior complexidade, escolheriam o pacote mais barato. Assim, os participantes do quarto frio fizeram a escolha correcta em metade das vezes, ao contrário de 75% dos seus pares no quarto quente, que optaram pelo plano errado.
O calor pode melhorar – e piorar – o nosso humor
No artigo do The New York Times, foram citados várias outras experiências relacionadas com o bom e o mau que o calor de Verão nos pode oferecer.
De acordo com um paper publicado na revista Science e regra geral,as pessoas sentem-se mais felizes à medida que se vai aproximando o solstício de Verão e os dias se tornam mais quentes e longos, e menos felizes quando os mesmos se vão tornando mais curtos e frios, razão pela qual os investigadores afirmam – bem como a maioria dos comuns mortais – que o Verão é a estação mais feliz do ano. Todavia, este estado de felicidade pode ter efeitos perversos – e não é só a preguiça – pois os nossos cérebros tornam-se menos racionais com o calor.
Assim, os que estudam a relação existente entre o clima e os seus efeitos na nossa disposição e fazem corresponder o frio a decisões mais racionais e o calor a estados mais irracionais, afirmam que o mau humor tende a estimular um pensamento analítico mais rigoroso. Desta forma, os investigadores da área asseguram que os estados de humor afectados por condições meteorológicas têm um papel relevante nas decisões que tomamos na vida real, mesmo que estas sejam de peso. O The New York Times cita o projecto Weather to go to college, que assenta na premissa de que os estudantes têm maiores probabilidades de se inscreverem numa universidade conhecida pelo seu rigor e exigência se a visitarem num dia nublado.
Por outro lado e como também sabemos – pelo menos nos anos em que as temperaturas apertam em Portugal, o que não está a acontecer em 2018 – o calor, quando excessivo, contribui negativamente para o nosso humor. Num paper publicado no Journal of Happiness Studies, a economista Marie Connoly concluiu que nos dias em que as temperaturas são superiores a 37 graus centígrados, o impacto negativo nos níveis de felicidade é maior do que, por exemplo, aquele que surge aquando de um divórcio.
Apesar de nos parecer um exagero esta conclusão, o paperda economista em causa revela mais algumas descobertas surpreendentes.
A de que as mulheres são muito mais sensíveis do que os homens ao tempo que se faz sentir – compreendo-se melhor as eternas guerras do ar condicionado que não faltam em qualquer que seja o espaço de trabalho -, a de que a satisfação com a vida diminui de acordo com a quantidade de chuva que caiu nos dias em que entrevistou os seus sujeitos, que as temperaturas baixas aumentam a felicidade (ao contrário do que outros estudos indicam) e reduzem o cansaço e o stress – o que faz sentido.
Ou seja, tudo isto para concluir, sem qualquer sustentação científica, que talvez não seja o Verão que nos faz ter preguiça, mas sim a vontade de ir de férias.
Editora Executiva