É o maior estudo sobre a semana de quatro dias, cujo piloto foi experimentado no Reino Unido e que envolveu 61 empresas e aproximadamente 2900 trabalhadores, tendo tido lugar entre Junho e Dezembro de 2022. Das empresas participantes, 92% adoptaram já este horário semanal reduzido, com vários benefícios assinalados a comprovarem uma melhor performance empresarial. No que respeita aos trabalhadores, 90% afirmaram taxativamente que o seu desejo é continuar no regime de quatro dias semanais, com 15% dos mesmos a assegurar que nenhuma quantia de dinheiro os fará aceitar trabalhar para uma organização que mantenha os cinco dias de trabalho tradicionais
POR HELENA OLIVEIRA

O mais longo projecto-piloto da semana de quatro dias foi desenvolvido pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global – uma plataforma que defende a ideia da semana de 4 dias como parte integrante do futuro do trabalho – em parceria com o think tank Autonomy, o qual assegura que uma semana mais curta de trabalho deverá constituir um pilar central do nosso futuro económico, contando igualmente com o Boston College e a Universidade de Cambridge.

Durante os últimos cinco anos, a semana de quatro dias passou de uma ideia “absurda” para uma possibilidade real, emergindo como uma das mais estimulantes políticas laborais a ser adoptada por várias organizações em todo o mundo. A ideia central – diminuir o horário de trabalho sem perda de remuneração – pode ter tido uma “ajuda” da cultura de burnout dominante – a qual assentava na crença de que trabalhar mais significava trabalhar melhor -, mas na sequência do sucesso de projectos-piloto em todo o mundo, dos resultados extremamente positivos de várias investigações e das mudanças sociais impulsionadas pela Covid, a redução do tempo de trabalho parece ser cada vez mais uma abordagem de “senso comum” aplicada ao mundo do trabalho. Frustrados pelo complexo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e mais acostumados aos padrões de trabalho flexíveis trazidos pela pandemia, para muitos empregados e empregadores, a semana de quatro dias acabou por se transformar numa perspectiva mais popular e aliciante no universo empresarial. 

Igualmente significativa é a transição de uma política considerada desejável, para uma política que parece eminentemente realizável. À medida que as vozes de apoio, os programas de investigação e os profissionais no terreno se expandiram, um futuro em que todos nós poderemos trabalhar menos começou a parecer cada vez mais credível. Vários factores interligados estão a minar o cepticismo existente no que respeita à semana mais curta de trabalho, e o que não passava de uma alternativa atractiva e ideal, mas abstracta, assume-se agora como uma possibilidade plausível e exequível em toda a economia.

De acordo com um editorial publicado no The Guardian há já quatro anos, Will Stronge, um dos fundadores da Autonomy, escreve que os estudos feitos até à altura deitavam por terra dois mitos dominantes: que trabalhar mais horas equivale necessariamente a uma maior produtividade e que o trabalho é necessariamente bom para a sua saúde mental. E, como acrescenta no artigo em causa, “as estratégias para aumentar a produtividade devem enfrentar a realidade de que esta depende não só do número de horas trabalhadas, mas também do bem-estar e da saúde geral da força de trabalho”.

Os resultados do estudo agora publicado fazem eco das conclusões de Stronge, para além de apontarem vários outros benefícios relacionados com a semana de 4 dias. Em 2017, o VER dedicou um artigo ao tema, já experimentado em outros países, bem como em 2022, altura em que o governo português anunciou igualmente um projecto-piloto para a redução dos dias semanais de trabalho. 

Relativamente ao estudo do Reino Unido, o projecto-piloto incluiu dois meses de preparação prévia para os participantes, com workshops, coaching, mentores e apoio por parte de empresas que já utilizam este modelo. Adicionalmente, as empresas que participaram no estudo, de diversos sectores e dimensões, não foram obrigadas a implementar um tipo específico de redução do tempo de trabalho ou uma semana de quatro dias, desde que a remuneração fosse mantida a 100% e os empregados tivessem uma redução “significativa” das horas trabalhadas. 

Os resultados do relatório baseiam-se em dados administrativos e dos inquéritos feitos aos empregados, juntamente com uma série de entrevistas realizadas durante o período piloto, fornecendo pontos de medição/avaliação no início, meio e fim da experiência. De acordo com o relatório recentemente publicado, o projecto-piloto foi um sucesso retumbante. Das 61 empresas que participaram, 56 continuarão a “testar” a semana de quatro dias (92%), sendo que 18 confirmam que a política de mudança agora adoptada é permanente. Alguns dos benefícios mais importantes da redução do horário de trabalho foram encontrados no bem-estar dos empregados. Por exemplo, os dados “antes e depois” mostram que 39% dos empregados sentem-se menos stressados, com 71% a manifestarem níveis reduzidos de burnout no final do piloto.

Da mesma forma, os níveis de ansiedade, fadiga e problemas de sono diminuíram, enquanto a saúde mental e física melhoraram. Por seu turno, as medidas de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e familiar também progrediram ao longo do período do projecto. Os empregados consideraram ser mais fácil equilibrar o seu trabalho com os compromissos familiares e sociais – para 54%, foi mais fácil equilibrar o trabalho com as lides domésticas – e os empregados também ficaram mais satisfeitos com o estado das suas finanças, com os seus relacionamentos e também com a gestão do seu tempo. Adicionalmente, 60% dos empregados afirmaram ter sentido uma maior capacidade de combinar o trabalho remunerado com as responsabilidades no que respeita a cuidar de descendentes ou ascendentes, com 62% dos inquiridos a declarar ser mais fácil combinar trabalho com vida social.

Para além destes resultados animadores, outras métricas importantes mostraram sinais positivos relativamente a esta carga horária semanal mais reduzida, nomeadamente para os empregadores. As receitas das empresas, por exemplo, mantiveram-se praticamente as mesmas durante o período experimental, aumentando em média 1,4% entre as organizações inquiridas. E, comparativamente com períodos semelhantes em anos anteriores, as organizações reportaram aumentos de receitas na ordem dos 35% – o que indica um crescimento consideravelmente saudável durante este período de redução do tempo de trabalho. 

O relatório indica igualmente que o número de funcionários que deixaram as empresas participantes foi significativamente reduzido, com o turnover a diminuir em 57% durante o período experimental. Como se pode ler na introdução do estudo, para muitos, os efeitos positivos de uma semana de quatro dias valeram mais do que o seu “peso” em ouro, com 15% dos empregados participantes a afirmarem que nenhuma quantidade de dinheiro os induziria a aceitar o regresso a um horário semanal “normal”, ou seja, de cinco dias, depois dos quatro dias de trabalho a que entretanto se acostumaram.  Atentemos nos principais resultados do projecto-piloto, os quais comprovam um enorme sucesso desta experiência.

Números que contam histórias com um final feliz

RESULTADOS PARA AS EMPRESAS

  • 92% das organizações adoptaram a semana de 4 dias. Das cinco empresas que não o fizeram, duas optaram por prolongar o piloto e três decidiram estar em modo “pausa” por enquanto;
  • As empresas classificaram a sua experiência global com 8,3/10;
  • A performance empresarial e a produtividade obtiveram ambos uma média de 7,5/10 em duas escalas separadas;
  • As receitas aumentaram em média 1,4% durante o piloto (ponderadas pela dimensão da empresa nas organizações inquiridas). Quando comparadas com um período semelhante de anos anteriores, as organizações declararam aumentos de receitas de 35% em média;
  • O número de empregados que deixaram as empresas diminuiu 57% ao longo deste período experimental.

RESULTADOS PARA OS TRABALHADORES

  • 90% dos empregados auscultados afirmaram taxativamente que o seu desejo é continuar no regime de quatro dias semanais;
  • 55% relataram um aumento da sua capacidade no trabalho;
  • 15% asseguraram  que nenhuma quantia de dinheiro os faria aceitar um horário de cinco dias [no seu próximo emprego].

SAÚDE E BEM-ESTAR

  • 71% dos empregados reduziram os seus níveis de burnout no final do projecto-piloto;
  • 39% afirmaram que os seus níveis de stress baixaram consideravelmente;
  • 43% sentiram melhorias na sua saúde mental;
  • 54% sentiram uma redução das emoções negativas;
  • 37% reportaram melhorias na sua saúde física;
  • 47% manifestaram uma redução da fadiga;
  • 40% assinalaram um redução dos seus problemas de sono.

FAMÍLIA E VIDA DOMÉSTICA

  • 73% dos trabalhadores manifestaram uma maior satisfação relativamente à sua gestão do tempo;
  • 60% aumentaram a sua capacidade de prestação de cuidados;
  • 62% expressaram uma mais fácil gestão entre trabalho e vida social;
  • Relativamente à prestação de cuidados e atenção às crianças por parte dos homens, o tempo passado com os filhos aumentou mais de o dobro em comparação com as mulheres (27% e 13%) respectivamente.

E o que dizer da cultura organizacional?

De acordo com os índices de satisfação global muito elevados no que respeita ao projecto-piloto, a maioria do pessoal entrevistado descreveu mudanças positivas na cultura de trabalho, relacionando-as com a introdução da semana de quatro dias. 

Alguns trabalhadores apontaram um sentimento crescente de energia e de propósito partilhado que emergiram do esforço colectivo para que a semana de quatro dias funcionasse. Outros manifestaram sentir-se mais valorizados pelos seus empregadores, ao mesmo tempo que sublinharam o orgulho sentido por a sua organização ter tido vontade de experimentar algo de novo. Muitos afirmaram sentir que os seus colegas estavam mais felizes e que conversaram mais sobre o que faziam nos seus três dias de folga.

De acordo com a análise feita aos inquéritos-piloto, cerca de dois terços dos trabalhadores não registaram sentir um aumento global da intensidade de trabalho. Todavia, um pequeno número de funcionários revelou preocupação no que respeita à sua carga de trabalho. Ou seja, apontaram uma intensidade nem sempre possível de acompanhar no que respeita às suas tarefas “comprimidas” em quatro dias. Existiram igualmente relatos sobre colegas que trabalhavam regularmente à noite desde o início do piloto, a fim de conseguir que as coisas fossem feitas. 

Alguns gestores  e trabalhadores expressaram também a preocupação de que o foco na eficiência possa estar a tornar o local de trabalho menos amigável. Um dos entrevistados sublinhou que interromper os colegas durante os horários laborais se tinha tornado um tabu, com uma redução da socialização em espaços comuns como a copa ou na máquina de café. 

O declínio da convivência pareceu ser uma preocupação particular nas empresas criativas que participaram no projecto, na medida em que estas acreditam que os encontros não estruturados no trabalho podem ser importantes para gerar novas ideias. 

Em conclusão e como o relatório deixa claro, os resultados destas experiências têm sido surpreendentemente positivos. As empresas, através dos seus líderes, expressaram que estão extremamente satisfeitas com o desempenho, a produtividade e a sua experiência global, o mesmo acontecendo com os empregados. 

Como se pode ler no relatório e dito de forma simples, a semana de quatro dias, está a transformar-se numa política crescentemente popular para aqueles que a estão a experimentar ou a adoptar. E, no geral, os resultados do piloto no Reino Unido deixam claro que já foi dado o primeiro passo da experimentação, sendo que muitas as empresas estão já na fase da implementação. 

Adicionalmente, as organizações que desejam estabelecer horários de trabalho mais reduzidos têm agora acesso a uma base crescente de exemplos por parte das suas congéneres que já o fazem, podendo ajustar diferentes modelos e estruturas às exigências da sua própria dimensão e sector e construindo um conjunto de ferramentas de boas práticas e tácticas que podem ser utilizadas por muitas organizações. 

Os benefícios de uma semana de trabalho mais curta sem haver redução salarial são agora bem conhecidos: os empregados são mais felizes e saudáveis, as organizações para as quais trabalham são frequentemente mais produtivas e eficientes e a atracção e retenção dos empregados melhoraram consideravelmente.

O projecto-piloto do Reino Unido acrescenta assim uma riqueza de conhecimentos “no terreno” para que a próxima vaga de adoptantes possam transformar a semana de 4 dias numa realidade.

Editora Executiva

1 COMENTÁRIO

  1. “Os benefícios de uma semana de trabalho mais curta sem haver redução salarial são agora bem conhecidos”

    Com um aumento do salário/hora de 25% não haveriam de estar satisfeitos nos 6 meses seguintes…

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