O envelhecimento continua a ser um flagelo crescente em Portugal, e particularmente em Lisboa, onde cerca de 85 mil pessoas acima dos 65 anos vivem em solidão. Com vista a sinalizar as necessidades destes idosos, para detectar precocemente situações de risco e agilizar uma intervenção ajustada a cada caso, a Santa Casa da Misericórdia e a Câmara Municipal de Lisboa lançaram esta semana o Radar, projecto que quer pôr todos os lisboetas em alerta, relativamente ao dia a dia dos idosos que conhecem ou que vivem perto de si
POR GABRIELA COSTA

O envelhecimento continua a ser um flagelo crescente em Portugal, com consequências devastadoras não só para a demografia, mas a nível social. Só em Lisboa cerca de 85 mil pessoas acima dos 65 anos vivem actualmente numa situação de isolamento, absolutamente sozinhas ou acompanhadas por alguém da mesma faixa etária.

A maior dificuldade que se prende com o necessário apoio a esta população é identificar cada caso e, a pensar nessa problemática, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Câmara Municipal de Lisboa (CML), lançaram oficialmente, a 7 de Janeiro, uma iniciativa para pôr todos os cidadãos em alerta, de modo a sinalizar as necessidades dos idosos para detectar precocemente situações de risco e agilizar uma intervenção ajustada a cada situação.

Apresentado a 19 de Dezembro depois de um protocolo estabelecido em Setembro entre a Santa Casa e a CML, em colaboração com o Instituto de Segurança Social, a Polícia de Segurança Pública, várias entidades sociais e de saúde, como a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e as Comissões Sociais de Freguesias, e as Juntas de Freguesia, o projecto Radar visa construir uma rede de voluntariado na cidade, dedicada à disseminação de ‘radares’ na comunidade, cujos protagonistas podem ser os vizinhos, o comércio local, voluntários ou organizações de cariz social.

[quote_center]Entre os habitantes de Lisboa, 24% são idosos com mais de 65 anos[/quote_center]

Este programacomunitário pioneiro em Portugal que tem por objectivo contrariar o isolamento e o sentimento de solidão, apoiando a população da cidade com mais de 65 anos (24% do total, isto é, cerca de 131 mil pessoas, segundo dados do INE de 2011), quer sinalizar mais de 30 mil pessoas isoladas na cidade de Lisboa, arrancando, nesta primeira fase, com uma experiência piloto emtrês freguesias da capital: Olivais, Ajuda e Areeiro, sendo as duas primeiras as mais envelhecidas, respectivamente com 30% e 29,5% da população com 65 ou mais anos. A ideia é alargar o projecto às restantes freguesias lisboetas, nomeadamente a Benfica, Alvalade e Alcântara, onde 29% do total da sua população são idosos. 


“Falar, escutar e cuidar”

Segundo os dados do INE, 15% das habitações em Lisboa são ocupadas por seniores que vivem sós (cerca de 35 mil pessoas). De acordo com os oitoPrincípios básicos da OMS e os Eixos de actuação para uma Estratégia de Cidade para todas as idades, esta população com mais de 65 anos precisa de uma “cidade amiga da idade”, onde possa realizar uma vida autónoma, a nível de Transportes, Habitação e Espaço público; mas também nas áreas da Informação e comunicação, Participação cidadã e emprego e Cultura, lazer e desporto (vida activa); e nas de Dignificação e inclusão social e Suporte comunitário e serviços de saúde (vida apoiada).

Partindo destes três eixos estratégicos, o programa Radar pretende construir sistemas de base comunitária de integração social, através da sinalização da população 65+ e da agilização de processos capazes de identificar e encaminhar, dentro da mesma, as situações de risco. E o mais curioso é que todos os lisboetas são chamados a participar nesta ‘cruzada’ pela terceira idade: “qualquer pessoa pode ser um radar”, como sublinha o provedor da SCML, Edmundo Martinho.

[quote_center]O Radar quer sinalizar mais de 30 mil pessoas isoladas na cidade, arrancando com uma experiência-piloto nas freguesias dos Olivais, Ajuda e Areeiro[/quote_center]

A ideia é pôr todos os cidadãos em alerta relativamente ao dia a dia dos idosos que conhecem ou que vivem perto de si. Há simples indícios a que todos podemos (e devemos) estar atentos, como uma mudança radical na rotina e na aparência ou uma ausência prolongada dos locais que essa pessoa habitualmente frequentava. E todos nós podemos agora entrar em contacto com os radares (voluntários e comércio local) destacados e devidamente identificados, ou com a linha de apoio do projecto (213 263 000), disponível entre as 9h00 e as 18h00 e/ou o email [email protected], se detectarmos que algo não está bem com algum familiar, vizinho ou conhecido com 65 anos ou mais.

Como explicou na apresentação do projecto Edmundo Martinho, “esta iniciativa representa um novo paradigma para a cidade. Passámos de um modelo em que eram as pessoas que vinham às instituições, para um novo modelo mais integrador em que as instituições assumem a iniciativa na identificação, sinalização e intervenção do público mais vulnerável”. E, para que isto seja uma realidade “a proximidade entre os vários agentes sociais, como vizinhos, responsáveis pelo comércio local, voluntários e entidades de cariz social é fundamental”, defendeu o provedor, concluindo que “o projecto irá estruturar-se em três aspectos fundamentais: falar, escutar e cuidar”.

Em resumo, numa sociedade cada vez mais individualista e cosmopolita, “este é um projecto que se quer comunitário e que será desenvolvido com e para a comunidade, agregando todos os parceiros envolvidos para um bem comum de combater o isolamento”, como referiu, na ocasião, o vereador da Educação e dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Grilo.

[quote_center]Todos os lisboetas são chamados a participar nesta ‘cruzada’ pela terceira idade, podendo entrar em contacto com os radares (voluntários e comércio local) destacados ou com as linhas de apoio do projecto[/quote_center]

Para tanto, o Radar permitirá facilitar intervenções ajustadas às necessidades e situação de risco dos idosos, “com a ajuda de todos”, como também sublinhou Edmundo Martinho. Neste contexto, a base deste programa de economia social é mesmo construir vários radares na comunidade, para que “possamos não apenas sinalizar problemas que possam existir e intervir mas, e fundamentalmente, conhecermos bem a cidade e podermos garantir a cada uma das pessoas segurança na forma como vive a sua vida, segurança na forma como vive a sua autonomia e, sobretudo, a certeza de que há uma rede de serviços e instituições a apoiar”, conclui Edmundo Martinho.

Para sinalizar os idosos que vivem isolados, e como adiantou, por seu turno, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, o projecto “mobilizará toda a rede social, através da PSP, dos Bombeiros, das Juntas de Freguesia”. E para cada caso será definido um programa de acompanhamento, que “poderá passar por obras de reabilitação, por apoio domiciliário no fornecimento de alimentação e de apoio médico ao domicílio ou até pelo encaminhamento para uma resposta de institucionalização, se tal for necessário”.

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Uma cidade amiga da idade

Inspirado no programa com o mesmo nome existente em Barcelona, e incluído no programa “Lisboa, cidade de todas as idades“, que foi assinado entre a SCML e a CML em Fevereiro de 2018, com o intuito de diminuir o isolamento social dos idosos que vivem em Lisboa (e que constituem praticamente um quarto da população da cidade, como referido), o Radar está a ser operacionalizado através de 17 Grupos de Trabalho sobre envelhecimento, nas 18 Comissões Sociais de Freguesia de Lisboa, que estão a avaliar a heterogeneidade do processo de envelhecimento nas várias freguesias da capital, valorizando a longevidade e tornando prioritários os casos de isolamento social e solidão entre a população de idade avançada.

[quote_center]A proximidade entre os vários agentes sociais, como vizinhos, responsáveis pelo comércio local, voluntários e entidades sociais é fundamental[/quote_center]

Identificados os constrangimentos a uma resposta integrada para esta problemática -inexistência de um protocolo único de identificação individual para a Rede Social de Lisboa; inexistência de uma plataforma tecnológica para centralizar toda a informação sobre a população com 65 ou mais anos que permita gerir as respostas às privações; inexistência de um levantamento exaustivo das situações de vulnerabilidade que permita, a nível das freguesias, um acompanhamento garante de uma vida autónoma; e inexistência de um modelo de cooperação entre a comunidade e as instituições que valorize e aproveite a disponibilidade existente na vizinhança – o projecto assume como objectivos gerais criar condições para a promoção do prolongamento da vida autónoma da população de idade avançada; criar comunidades de vizinhança, solidárias e intergeracionais, atentas aos riscos e privações da população de idade avançada; sinalizar a população com 65 ou mais anos de idade que apresente, ou corre risco de apresentar, um índice de isolamento severo e solidão, identificando as suas expectativas/privações, de forma abrangente e equitativa territorialmente; e estabelecer um registo base estimado em 30 mil pessoas que vivem sozinhas.

Concretamente, a SCML e demais parceiros envolvidos neste programa visam criar um protocolo de sinalização único para a Rede Social de Lisboa; criar uma plataforma tecnológica para centralizar toda a informação sobre a população com 65 ou mais anos; criar um mecanismo de parceria entre trabalho comunitário e as instituições no âmbito do envelhecimento activo; planear de forma sustentada a intervenção social em função dos perfis identificados nos diferentes contextos territoriais; e melhorar os serviços prestados através de uma resposta integrada.

[quote_center]Para cada caso será definido um programa de acompanhamento, que poderá passar por obras de reabilitação, apoio domiciliário através de alimentos ou apoio médico ou até pelo encaminhamento para uma resposta de institucionalização[/quote_center]

De destacar que a iniciativa fortalece o trabalho desenvolvido com a população mais velha através da criação da “Plataforma Digital Projecto RADAR”, que deverá ser capaz de assumir a sinalização, a avaliação e encaminhamento, o acompanhamento e a monitorização. A primeira é efectuada por equipas de rua, incluindo voluntários, devidamente formados pelo Serviço de Voluntariado da SCML e da CML. Até ao momento, e de acordo com o provedor da Santa Casa, foi dada “formação a dez técnicos, licenciados, que vão andar nas ruas a sinalizar as pessoas e a dar-lhes a possibilidade de se identificarem, no âmbito do projecto”.

“Há muitas situações de solidão e isolamento, com carências ao nível da saúde, alimentação e higiene, que têm de ser acompanhadas”, e por isso, após a identificação pelas equipas e inserção dos dados na plataforma digital é feito o encaminhamento para avaliação. Posteriormente é realizada uma visita ao domicílio do participante, no sentido de avaliar o eventual encaminhamento para os parceiros do Radar. Este acompanhamento é realizado pelas Equipas de Apoio a Idosos (EAIs), das Unidades de Desenvolvimento e Intervenção de Proximidade (UDIPs) e de outras entidades parceiras do projecto. Por último, a monitorização consiste num processo de sinalização e de acompanhamento, da responsabilidade da Unidade de Missão da Santa Casa, que assumirá o acompanhamento das EAIs, das UDIPs e dos parceiros.

[quote_center]Até ao momento foi dada formação a dez técnicos, licenciados, que vão andar nas ruas a sinalizar as pessoas[/quote_center]

Para além da plataforma de recolha de informação está a ser ultimada uma aplicação para smartphones. E, atendendo às estimativas do INE sobre o envelhecimento da população na cidade de Lisboa, todos os esforços para disseminar ‘radares comunitários’ que sinalizem situações de risco entre os idosos serão poucos: o organismo oficial de estatísticas calcula que, se em 2011 existiam em Lisboa cerca de 69 mil pessoas com mais de 75 anos (entre uma população total de quase 548 mil indivíduos), em 2026 serão mais de 98500 os idosos com esta idade, entre uma população que deverá diminuir para menos de 493 mil habitantes.

Jornalista