POR MÁRIA POMBO
Actualmente, na Europa, respira-se ar menos poluído, consome-se água mais limpa e envia-se menos lixo para os aterros sanitários; no entanto, está ainda distante a realização do objectivo “viver bem, dentro dos limites do planeta” consagrado no sétimo Programa de Acção em Matéria de Ambiente da UE. Estas são algumas das principais conclusões do relatório “O Ambiente e a Europa – estado e perspectivas 2015”, publicado recentemente pela Agência Europeia do Ambiente, o qual avalia o estado, as tendências e as previsões em matéria de temáticas ambientais no Velho Continente, com base em dados globais e regionais e com recurso à comparação entre países.
A implementação de medidas e políticas que visam melhorar o funcionamento dos ecossistemas europeus está a ter consequências muito positivas, nomeadamente ao nível da qualidade de vida e da protecção da natureza. No entanto, os seus benefícios extravasam as questões ligadas à fauna e à flora: a indústria ambiental foi um dos poucos sectores económicos nos quais se registou crescimento, desde o início da crise financeira de 2008, registando um aumento de receitas e de postos de trabalho e um saldo igualmente positivo, do ponto de vista económico.
Apesar de várias conclusões positivas, o relatório alerta para a necessidade de se elevar a ambição destas políticas, considerando os enormes desafios que a Europa enfrenta, nomeadamente referentes ao capital natural (definido como o conjunto dos recursos naturais com valor económico), à eficiência dos recursos e aos riscos ambientais para a saúde, motivados pela alteração dos padrões de consumo.
De acordo com o sétimo Programa de Acção em Matéria de Ambiente, a perda de funções dos solos, a degradação dos terrenos e as alterações climáticas colocam em risco este mesmo capital. Estes factores ameaçam os fluxos de bens e serviços que sustentam toda a actividade económica, do ponto de vista ambiental, e comprometem os avanços feitos ao nível da melhoria significativa da qualidade do ar e da água.
Desta forma, o relatório conclui que o capital natural não está a ser devidamente protegido e conservado, nem tão pouco melhorado. O mesmo indica, inclusivamente, que é desfavorável o estado de conservação de 60% das espécies protegidas e de 77% dos tipos de habitats existentes, situação que implica uma perda considerável da biodiversidade, à qual a Europa não está a conseguir dar resposta.
Todavia, importa salientar que a meta da redução das emissões de carbono está a ser alcançada, registando-se um decréscimo de 19% das emissões de gases poluentes, desde 1990. A diminuição do uso de combustíveis fósseis e de emissões de poluentes, quer no sector dos transportes, quer na indústria, em conjunto com a melhoria das taxas de reciclagem, tem como resultado o decréscimo dos resíduos que são produzidos.
Poluição atmosférica e sonora causa morte prematura
Os riscos ambientais para a saúde foram igualmente considerados neste estudo. Apesar da melhoria significativa da qualidade da água e do ar, a poluição atmosférica e sonora continua a ser uma grande ameaça à saúde das populações, com principal enfoque nas zonas urbanas, e uma das principais causas de morte prematura, em toda a Europa. O estudo revela que, em 2011, cerca de 430 mil cidadãos europeus morreram precocemente devido às partículas finas existentes na atmosfera [as partículas em suspensão têm origem em diversas fontes – combustão, industriais, naturais -, e diferem na sua composição química, física, e no tamanho. Contudo, as que representam um risco para a saúde humana estão associadas às emissões antropogénicas], e que a exposição ao ruído contribui para pelo menos 10 mil mortes, consequência de doenças coronárias e AVC, todos os anos. Adicionalmente, regista-se um aumento de perturbações endócrinas em seres humanos, associadas ao uso mais excessivo de químicos em produtos de consumo.
Estes dados indicam que, apesar de as políticas ambientais registarem alguns resultados positivos, a Europa não pode abrandar a sua ambição de, até 2050, reduzir as emissões de gazes poluentes em cerca de 80% a 95%. Os riscos e danos para a saúde, decorrentes desta situação, são ainda incalculáveis e espera-se que as melhorias da qualidade do ar não sejam suficientes para os impedir (ou diminuir). Uma outra conclusão do relatório prende-se exatamente com esta questão: a perspectiva a longo prazo adivinha-se menos positiva do que aquilo que estas recentes tendências podem sugerir.
O facto de os combustíveis fósseis continuarem a representar três quartos do fornecimento de energia da União Europeia indica que o fim da sua utilização ainda está distante. Para além disso, há sempre um atraso temporal entre o início das reduções de emissões e o impacto – positivo – deste processo no ambiente.
Os retornos, as interdependências ou o chamado “efeito ricochete” justificam igualmente o atraso dos esforços ambientais e do seu impacto. Se, por um lado, a produção e o consumo contribuem para a insustentabilidade dos sistemas, por outro e como é sabido, na sua ausência, não existiria emprego nem desenvolvimento económico. Gizar estratégias e/ou adaptar as políticas para que a economia possa ser desenvolvida sem comprometer a sustentabilidade do ambiente continua a ser o maior desafio a ser enfrentado pelos decisores políticos, tanto a nível nacional, como global.
O presente relatório, em conjunto com o de 2010 sobre a mesma temática, sugere que têm de ser feitas alterações profundas nos sistemas de produção e consumo, bem como no próprio estilo de vida dos europeus, para que seja atingida a meta de 2050 relativa ao “viver bem dentro dos limites do planeta”. O mesmo estudo indica que as políticas ambientais estão a ser insuficientes para a desejável e urgente transição para uma economia verde.
No que respeita ao domínio ambiental e climático, o relatório traça um conjunto de abordagens políticas que, se implementadas em conjunto e de forma coerente, poderão contribuir eficazmente para esta tão necessária transição: mitigar os impactos já conhecidos em termos de saúde humana e dos ecossistemas criando, em simultâneo, oportunidades socioeconómicas através de inovações tecnológicas eficientes em termos de recursos; tendo em conta os efeitos esperados relacionados com as alterações climáticas, antecipar, com planeamento, uma maior resiliência, especialmente no que às cidades diz respeito; levar a cabo acções preventivas e precaucionais que contribuam para diminuir efeitos ambientais potencialmente gravosos para a saúde, considerando os alertas e as recomendações cientificamente comprovadas; e, por último, mas não menos importante, “restaurar” a resiliência dos ecossistemas e da sociedade através da “melhoria” dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento económico e abordando as desigualdades sociais.
O sucesso de uma economia verde na Europa dependerá, segundo o estudo, da forma como será alcançado o equilíbrio entre estas quatro abordagens. A reconfiguração dos sistemas de produção e consumo só será alcançada quando forem reconhecidas as relações entre a eficiência dos recursos, a resistência dos ecossistemas e o bem-estar da população. Adicionalmente, urge reconhecer a importância dos cidadãos, das empresas e das organizações não-governamentais para o sucesso desta operação.
É necessário tomar (mais) medidas urgentes e ambiciosas
Para além das abordagens citadas, o estudo apresenta ainda um conjunto de “linhas orientadoras” adicionais, especificamente concebidas para os sistemas de produção e consumo insustentáveis. A integração, implementação e coerência da política ambiental e climática em áreas como a energia, a agricultura os transportes, o turismo e a indústria é a “orientação” prioritária, na medida em que só desta forma será possível alcançar as melhorias ambicionadas, tanto a curto como a longo prazo, na saúde, na economia e no próprio ambiente.
Outra questão está relacionada com os sistemas de produção e consumo que respondem a necessidades básicas como a alimentação, a energia ou a habitação, os quais, por serem dispendiosos e essenciais, merecem investimentos de longo prazo, com espaço à inovação e sem hipótese de se tornarem obsoletos e desadequados.
Apoiar a inovação e a difusão de ideias é outra linha apresentada, a qual pode assumir formas tão variadas quantas as necessidades que existem. Como exemplo, são sugeridas ferramentas financeiras como as denominadas ‘obrigações verdes’ e os pagamentos por ‘serviços de ecossistemas’, sem esquecer as abordagens integradas na gestão de recursos. O relatório sublinha ainda a importância da inovação social, traduzida pelo “prosumerism” – ou seja, uma fusão entre o papel dos consumidores e produtores no desenvolvimento e fornecimento da energia, alimentação e serviços de mobilidade.
Por fim, é crucial que se aperfeiçoe a base de conhecimento, considerando a distância entre os indicadores de monitorização disponíveis e a informação que é imprescindível para apoiar as transições para uma Europa mais verde. Para isso, é necessário compreender os sistemas, a informação e os riscos a eles associados, bem como as interdependências existentes entre o ambiente, as alterações climáticas e o bem-estar humano.
Contrariamente ao que se poderia esperar, e ao invés de reduzir as preocupações ecológicas, a crise financeira contribuiu para uma maior consciencialização de que a protecção do ambiente consiste num investimento seguro – e obrigatório – para o planeta, indispensável para o crescimento económico e essencial para a saúde e o bem-estar humano.
De acordo com o relatório, a Comissão Europeia vai lançar, ainda este ano, um pacote de medidas que tem como objectivo transformar o Velho Continente numa economia mais competitiva e eficiente na utilização dos seus recursos. O compromisso de proporcionar às gerações vindouras uma sociedade de baixo carbono exige a tomada de medidas urgentes e ambiciosas, e o presente documento demonstra que os resultados já alcançados são importantes mas ainda insuficientes.
Jornalista