Uma equipa do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou a 18 de Janeiro um relatório sobre Portugal no qual a conclusão essencial é que “mais crescimento é um assunto de urgência” e onde apresenta quatro cenários de longo prazo até 2030 em função do impacto do que designa por reformas estruturais
POR JORGE NASCIMENTO RODRIGUES*

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O relatório foi publicado num “Selected Issues Paper” do FMI (Country Report 13/19), autorizado pelo Departamento Europeu do Fundo, mas responsabiliza apenas a equipa que o produziu composta por Manuela Goretti, Huidan Lin, Stephane Roudet, Marcos Souto, Ivanna Vladkova Hollar, Andrea Lemgruber, Mauricio Soto e Alvaro Piris. Coincidiu com a publicação pelo FMI do documento final sobre a 6ª revisão regular do programa de resgate pela troika e do relatório sobre a Consulta ao abrigo do Artigo IV (Country Report 13/18), mas tratam-se de documentos distintos.

Neste artigo, apenas, abordamos a primeira parte do relatório que se intitula “How Fast Can Portugal Grow”.

Três indicadores fulcrais
O relatório do FMI, na sua primeira parte, coloca o crescimento como “assunto de urgência” depois de uma crise ainda em curso (com uma contracção acumulada do PIB de 2008 a 2012 de mais de 5,5%) e depois de um período de crescimento “anémico” de 2000 a 2007 (com um crescimento médio de 1,5% ao ano), após a adesão ao euro. A inversão deste curso advirá da implementação das designadas reformas estruturais, segundo esta equipa do FMI.

Três indicadores fulcrais são sublinhados no estudo: o comportamento do hiato do produto (mede a diferença entre o PIB efectivo e o PIB potencial em % deste último); a evolução do índice de produtividade total dos factores (conhecido pelo acrónimo em inglês FTP, e que mede a quantidade de produto que se obtêm com uma unidade ponderada de todos os factores de produção) que dá uma ideia da produtividade de uma economia; e a trajectória do desemprego estrutural (que engloba todos os que não realizam qualquer actividade, devido à falta de emprego que advém de mudanças estruturais da economia, não sendo, por isso, uma situação da responsabilidade directa dos indivíduos).

O hiato negativo do produto (ou seja, abaixo do potencial) subiu para 4% em 2012, um nível similar a 2009. Segundo as previsões do FMI, no “World Economic Outlook” de Outubro passado, este hiato negativo deverá ampliar-se para 4,6% em 2013. O hiato do produto só deverá aproximar-se do potencial em 2017, segundo o estudo que estamos a analisar. O desemprego estrutural está em 13% (ou seja, mais de 80% do desemprego total) e o crescimento da FTP é negativo (ou seja, decresceu), situação que se vive desde o ano 2000.

O período de crescimento mais alto da produtividade da nossa economia foi entre 1986 e 1992, com este índice a subir 2,25%, em média anual. Mas exceptuando essa fase depois da adesão à CEE, a FTP decresceu entre 1974 e 1979 (no período politicamente conturbado a seguir à Revolução do 25 de Abril), atingiu o ponto mais baixo em 1984 (com um decréscimo de 4%), e continuou a decrescer a partir de 2000.

O relatório aponta para um desemprego estrutural de 14% da população activa em 2016 (que será praticamente todo o desemprego).

Desajustamento estrutural da economia portuguesa
A equipa do FMI detectou o desajustamento estrutural do tecido económico em relação à vaga de globalização dos anos 1990 (emergência da China e alargamento da União Europeia a leste, abrindo uma nova fronteira de investimento) e ao processo crescente de desmaterialização de muitas actividades económicas. O que caracterizaria uma “segunda fase” da evolução da economia portuguesa desde os anos 1990, já depois da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.

A essas tendências globais, de fundo, juntaram-se aspectos induzidos durante os períodos de pré-adesão após a adesão à moeda única. Segundo esta equipa do FMI manteve-se um “mercado laboral inflexível” (afectando sobretudo os sectores de bens transaccionáveis, ou seja os que podem ser vendidos nos mercados internacionais), uma falta de concorrência no sector de bens não transaccionáveis, uma tendência para o sobreendividamento e a alavancagem financeira que beneficiou o crescimento em certos sectores da economia (construção, imobiliário e retalho) em detrimento de outros e com prejuízo para o investimento (cujo crescimento anual declina desde 1997 e se contraiu desde o início da Grande Recessão mundial), bem como “uma política orçamental pró-cíclica”.

No entanto, muitos destes aspectos, como a relação entre a alavancagem financeira e a quebra de investimento durante o período da “bolha” financeira anterior ao rebentar da Grande Recessão, ou as políticas pró-cíclicas de resposta à crise financeira recente não foram uma originalidade portuguesa. Mas sim a tónica dominante em todo o mundo desenvolvido.

Em suma, o relatório sublinha que o enquadramento institucional e as respostas das políticas públicas em Portugal “foram inadequadas para absorver os vários choques sofridos pela economia neste período”, o que foi agravado por um fosso amplo no campo do capital humano que “impediu o país de subir na cadeia de valor acrescentado global”.

Incertezas que permanecem
Há que juntar aspectos específicos do actual período da crise das dívidas soberanas e de abrandamento da economia mundial – a equipa do FMI sublinha a “incerteza” sobre a possibilidade de diminuir nos próximos anos o hiato do produto face à desalavancagem que prossegue no sector privado e público, aos processos de ajustamento orçamental simultâneos na zona euro, e à revisão em baixa do crescimento mundial e de muitos países que são destino das exportações portuguesas. As “razões de optimismo” que a equipa do FMI aponta requerem a inversão desta situação conjuntural.

As exportações têm contribuído em 50% para o ajustamento rápido do défice externo que caiu a pique de 12,5% do PIB em 2008 para 2,87% em 2012, segundo as estimativas do “World Economic Forum” (WEF), e poderá descer ainda mais, em 2013, para 1,696%, segundo as previsões do WEF. A robustez da procura externa, bem como a capacidade de diversificação do tecido exportador português são, por isso, questões sensíveis, para mais numa economia que é moderadamente aberta, onde as exportações ainda só pesavam 36% do PIB em 2011 (no caso da Irlanda pesavam 107% do PIB). A questão que se debate é se esta correcção agora conseguida, em circunstâncias extraordinárias, é durável, numa situação em que 40% é derivada da compressão brutal das importações, em virtude da contracção do mercado interno e do investimento no quadro da recessão e desalavancagem em curso. A equipa do FMI, na segunda parte deste relatório onde se avalia a competitividade portuguesa, inclina-se para responder que sim, que será durável, ainda que admitindo que “é demasiado cedo para tirar conclusões definitivas”.

Um dos problemas que permanece, mesmo em relação às empresas mais produtivas e dinâmicas no mercado externo, é “o risco de uma redução abrupta generalizada da disponibilidade de crédito, um risco que permanece elevado”, o que implica “a necessidade de apoio continuado de liquidez”, para contrabalançar a necessidade de desalavancagem por parte da banca portuguesa, como é referido na terceira parte deste relatório sobre a desalavancagem do sector empresarial português.

Quatro cenários de longo prazo
A simulação realizada por esta equipa do FMI apresenta quatro cenários até 2030:

  • O cenário base aponta para um crescimento do PIB anual em média de 2% e o crescimento da FTP de 1%, fruto da implementação integral das reformas estruturais em curso num horizonte de cinco anos que terão efeitos positivos no longo prazo, “ainda que em menor extensão do que a literatura [académica, revista neste estudo] sugere”. O estudo considera-o um “objectivo realista”, apesar de, no curto prazo, existirem “fortes ventos contrários oriundos da desalavancagem do sector privado e público” e das dificuldades de acesso aos mercados financeiros. Neste cenário, o desemprego estrutural ficaria nos 11 a 12% da população activa no longo prazo. Este cenário pressupõe, ainda, que haverá um crescimento médio de 1,5% entre 2014 e 2017, terminando a contracção em curso, e que o hiato negativo do produto desaparece em 2017.
  • O cenário “optimista” revê em alta o crescimento anual para 2,75% e o crescimento da FTP para 1,5%. O desemprego estrutural desceria abaixo de 10% da população activa. Mesmo, neste cenário optimista, em 2030, a produtividade do trabalho português seria apenas de 60% do nível do grupo da União Europeia de melhor performance (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Suécia e Reino Unido). A produtividade da economia portuguesa (produtividade total dos factores) atingiria os 80%. Uma convergência limitada.
  • O cenário “moderadamente pessimista” comporta um crescimento “anémico” de 1,2% e um crescimento da FTP de 0,5%. As reformas estruturais não terão produzido os resultados esperados, mas houve efeitos positivos do redireccionamento da economia portuguesa para um maior peso das exportações e/ou de sectores com mais alta produtividade no crescimento. Assiste-se a um processo de divergência.
  • O cenário “pessimista” aponta para um crescimento quase estagnado, de 0,6% ao ano, e um crescimento da FTP nulo. As reformas estruturais não teriam tido qualquer impacto. A produtividade do trabalho desceria para menos de 45% do nível atingido nos 9 países da União Europeia referidos e a da economia para 60%. O processo de divergência acentuar-se-ia.

A leitura deste relatório permite algumas conclusões provisórias:

  • Um retorno à tendência de crescimento anual médio dos anos 1970 a 1990, próxima de 3,5%, não é previsível nos próximos 20 anos
  • Um desemprego estrutural elevado veio para ficar, o que deve ser adicionado ao problema da tendência para o envelhecimento populacional (em que o rácio de dependência dos cidadãos com mais de 65 anos em relação aos em idade de trabalhar vai subir de 26,9% para 38,3% no espaço de vinte anos)
  • Mesmo no cenário “optimista”, a produtividade total da economia não crescerá em média sequer ao mesmo nível do período logo a seguir à adesão de Portugal à CEE
  • Há um problema no capital humano que se reflecte na produtividade do trabalho (e na própria capacidade de gestão, de que esta parte do relatório não fala), apesar da nova geração ter um nível educacional comparável ao dos países desenvolvidos; o fosso nesta área com a média da OCDE é mais importante do que as deficiências no mercado laboral e no mercado de bens e serviços; a manter-se uma trajectória de aumento da emigração este problema estrutural poderá agravar-se

*Jorge Nascimento Rodrigues é editor de www.gurusonline.tv, www.janelanaweb.com e geoscopio.tv. É igualmente Editor Executivo da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão e colaborador do semanário Expresso.

Artigo originalmente publicado no Expresso Online. Republicado com permissão.

 

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