No painel “O Impacto da Esperança nas Empresas”, Fátima Carioca (AESE Business School), Guilherme Magalhães (CUF), José Theotónio (Grupo Pestana) e Armindo Monteiro (CIP) — partilharam visões complementares sobre a esperança enquanto força transformadora nas organizações. De experiências pessoais de fé à liderança estratégica, passando por culturas empresariais centradas nas pessoas, todos convergiram numa certeza: a esperança não é um consolo efémero, mas uma competência essencial para inovar, resistir e crescer num mundo marcado pela incerteza
POR HELENA OLIVEIRA
Numa época em que a incerteza se tornou uma constante e os modelos de gestão enfrentam desafios profundos, o painel “O Impacto da Esperança nas Empresas” propôs um olhar diferente: o da esperança como bússola. Ao trazer experiências que vão da espiritualidade vivida ao terreno da decisão empresarial, Fátima Carioca, Guilherme Magalhães, José Theotónio e Armindo Monteiro demonstraram que liderar com esperança é uma escolha consciente — e transformadora. As suas intervenções, feitas de histórias reais e reflexões profundas, foram um convite a reimaginar a empresa como um lugar de confiança, sentido e futuro
FÁTIMA CARIOCA: “Liderar com esperança é equilibrar alma e calma”
Para a Dean da AESE Business School, a esperança, muitas vezes subestimada no mundo corporativo, é um elemento essencial na construção de lideranças fortes e organizações sustentáveis. Não se trata de um conceito abstracto ou de um optimismo ingénuo, mas de uma força transformadora que impulsiona indivíduos e empresas a enfrentar desafios, inovar e crescer.
“Tal como a rega gota a gota que, ao longo do tempo, penetra profundamente no solo”, a esperança deve ser cultivada de maneira contínua e estruturada, diz. No centro dessa reflexão, sublinha, está a definição do Papa Francisco, que descreve a esperança como aquela inquietação interior que nos impulsiona a questionar o nosso propósito e o nosso futuro.
Por outro lado, a história mostra-nos que os grandes marcos da humanidade não são resultados de eventos isolados, mas de processos reiterados ao longo do tempo. Um exemplo simbólico citado pela responsável da AESE Business School é a própria aparição de Nossa Senhora em Fátima: se tivesse ocorrido apenas uma vez, talvez fosse esquecida. No entanto, por ter se repetido, tornou-se num pilar da fé e da espiritualidade de milhões de pessoas.
O mesmo princípio se aplica às organizações, defende. Se a esperança não for promovida de forma consistente, torna-se apenas um discurso vazio. O desafio, portanto, é torná-la parte integrante da cultura empresarial, influenciando a forma como líderes tomam decisões e inspiram as suas equipas.
Para Fátima Carioca, a esperança funciona também como uma ponte entre fé e caridade, conectando a crença em algo maior com a prática do bem no dia-a-dia. É essa conexão que guia líderes a darem o melhor de si, colocando as suas competências e sensibilidades ao serviço das empresas e das pessoas. Mais do que resiliência, explica, trata-se de anti-fragilidade – a capacidade de crescer e se fortalecer mesmo diante dos desafios.
Adicionalmente, outro dos elementos mais importantes para a liderança baseada na esperança é a capacidade de se criar pontes. Como afirma a Dean da AESE Business School, líderes eficazes são aqueles que estabelecem parcerias, promovem a colaboração e incentivam o trabalho em equipa. No mundo actual, os desafios são complexos demais para serem resolvidos por um único indivíduo ou uma única especialidade. É necessário reunir diferentes perspectivas e conhecimentos para encontrar soluções inovadoras.
Um exemplo concreto desse tipo de liderança é a história da Victorinox, empresa suíça com mais de um século de existência, mundialmente conhecida pêlos seus canivetes. Como contou Fátima Carioca, desde a sua fundação, a empresa sempre teve um compromisso profundo com a comunidade local, criando empregos e promovendo o bem-estar social. Esse compromisso foi testado após os atentados de 11 de Setembro de 2001. Como a Victorinox vendia grande parte dos seus produtos em aeroportos, a proibição de canivetes a bordo fez com que a empresa perdesse 30% das suas vendas literalmente do dia para a noite. Diante dessa crise, a liderança da Victorinox adotou uma abordagem inovadora. Em vez de despedir funcionários, estabeleceu parcerias com outras indústrias locais para que 80% dos seus trabalhadores fossem temporariamente realocados. Enquanto isso, os 20% restantes trabalhavam na formulação de uma nova estratégia para a empresa. Seis meses depois, a Victorinox diversificou seu portfólio, expandindo-se para novos segmentos, como mochilas e malas.
Líderes que constroem esperança reconhecem que o futuro se faz no presente, valorizando tanto as novas gerações quanto a paciência necessária para que o crescimento aconteça. Citando o Papa Francisco, “paciência e esperança andam de mãos dadas”, Fátima Carioca concluiu a sua apresentação afirmando que “liderar com esperança é equilibrar alma e calma”, cultivando organizações humanas, inovadoras e resilientes, concluiu.
Nota: A intervenção de Fátima Carioca pode ser acedida na íntegra aqui
Leia também a entrevista realizada à oradora publicada pelo VER.
GUILHERME MAGALHÃES: “É a esperança alicerçada na fé que nos permite ir mais longe, ultrapassar-nos, surpreendermo-nos a nós próprios”
Guilherme Magalhães começou a sua intervenção com uma nota de humildade, reconhecendo que não é um especialista em teorizar sobre a esperança. No entanto, acredita que pode contribuir para a reflexão sobre o tema partilhando a sua própria vivência e as lições que tirou da sua experiência. Embora tenha algum pudor em falar da sua vida pessoal, recentemente aceitou fazê-lo num grupo de reflexão da ACEGE e percebeu o impacto que um testemunho sincero pode ter. Foi com esse espírito que decidiu partilhar um momento marcante da sua vida.
O CFO da CUF relembrou assim um período particularmente difícil que atravessou com a sua família. Nessa fase desafiante, houve momentos em que tudo lhe pareceu negro, como se tivesse sido atingido por uma sucessão de más notícias, tal como as descritas pelo professor João César das Neves (v. Artigo). Sentiu-se vulnerável, abalado e sem forças. Foi então que se voltou para Deus de uma forma ainda mais intensa do que antes. Apesar de ter tido sempre o hábito de conversar com Deus e agradecer, confessou que, naquele momento, precisou de pedir ajuda. Começou a rezar de forma simples, repetindo o Pai Nosso, e, surpreendentemente, percebeu que, ao fim de algumas orações, sentia a esperança a voltar. Algo dentro de si se renovava, uma força interior renascia e tornava-o capaz de enfrentar as dificuldades. Essa experiência consolidou a sua convicção de que a fé é a verdadeira âncora da esperança. A fé, segundo o orador, é o que torna a esperança inabalável e permite não apenas suportar as adversidades, mas também compreendê-las e aceitá-las como parte de uma missão maior.
Para ilustrar a força da fé e da esperança, Guilherme Magalhães partilhou com a audiência duas histórias inspiradoras.
A primeira foi retirada do filme The Blues Brothers. O filme, apesar de ser uma comédia, transmite mensagens profundas. A história começa com dois irmãos que não têm um rumo definido na vida. Depois de um deles sair da prisão, resolvem ambos visitar o orfanato onde cresceram e descobrem que este corre o risco de fechar por falta de dinheiro. Sem saber muito bem como agir, procuram orientação e acabam por assistir a uma celebração numa igreja, onde o reverendo, interpretado pelo célebre James Brown, lidera uma cerimónia cheia de música e alegria. No meio dessa atmosfera vibrante, um dos irmãos é atingido por um raio de luz que entra pelo vitral da igreja e, naquele instante, algo muda dentro dele. A sua expressão séria transforma-se num sorriso e ele grita para o irmão: “I have seen the light!” (“Eu vi a luz!”). De repente, têm a certeza absoluta do que precisam de fazer: salvar o orfanato. A partir daí, embarcam numa série de peripécias para cumprir essa missão, convencidos de que estão “em missão para Deus”.
Guilherme Magalhães usou esta metáfora para questionar como podemos trazer esse espírito de missão para dentro das empresas. Como podemos inspirar colectivos a superarem-se? Como podemos criar ambientes onde as pessoas sintam que têm um propósito maior do que apenas cumprir tarefas do dia-a-dia? Embora seja possível fomentar a esperança dentro das empresas através de objectivos claros e de uma cultura de propósito, Guilherme Magalhães questiona se isso é suficiente para levar cada indivíduo a ultrapassar-se e a aceitar uma verdadeira missão pessoal e colectiva.
Para reforçar este ponto, partilhou uma segunda história sobre um pequeno empresário mexicano chamado Bertoldo. Bertoldo nasceu pobre no México e, desde pequeno, ajudava o pai a vender tapetes na beira da estrada. A vida era difícil e cheia de desafios, mas ele sonhava em ser empresário e conquistar um futuro melhor. Com muito esforço, conseguiu comprar um autocarro velho para trabalhar como guia turístico. Determinado a crescer, começou a organizar passeios para turistas, vendendo viagens a locais emblemáticos.
Num desses passeios, Bertoldo levou um grupo a uma montanha da região. O autocarro, que já era antigo e mecanicamente vulnerável, começou a dar sinais de dificuldade logo no início da subida. Um dos passageiros que estava ao lado de Bertoldo percebeu o esforço do motor e começou a ficar preocupado. Mas Bertoldo, com um sorriso sereno, disse-lhe apenas: “Tranquilo.”
À medida que a estrada se tornava mais íngreme, as dificuldades aumentaram. O motor falhava, a caixa de velocidades arranhava, e o passageiro ao lado começou a mostrar sinais evidentes de inquietação. Bertoldo, imperturbável, repetiu: “Não há com que preocupar-se.”
Mas quando a subida se tornou ainda mais difícil e parecia que o autocarro não aguentaria, Bertoldo olhou para o passageiro e disse com convicção: “Há que ter fé.”
No final, o autocarro não conseguiu chegar até ao topo da montanha e avariou. Mas a fé e a determinação de Bertoldo levaram o grupo alto o suficiente para que todos pudessem completar os últimos metros a pé e chegarem ao destino. Para Guilherme, o “subir ao alto” e esta história tem uma lição poderosa. Nem sempre conseguimos levar os outros exactamente até ao objectivo final, mas podemos inspirá-los, dar-lhes confiança e guiá-los o suficiente para que consigam completar o percurso por si próprios.
Esta reflexão levou o CFO da CUF a pensar no papel da esperança e da fé dentro das empresas. Ou seja, e como afirma, é possível criar um ambiente de motivação e estabelecer metas claras, mas isso só nos leva até certo ponto. O que realmente pode transformar um colectivo é o testemunho individual da fé. Se cada líder e colaborador viver a sua missão com convicção, essa atitude pode contagiar os outros e criar uma cultura de superação genuína.
Guilherme Magalhães concluiu a sua intervenção expressando um desejo pessoal: ser, dentro da sua empresa, um verdadeiro testemunho de fé, capaz de inspirar os seus colegas a descobrirem e assumirem a sua própria missão. Porque, no final, não se trata apenas de alcançar objectivos empresariais, mas de levar cada pessoa a superar-se e a contribuir para um colectivo mais forte e resiliente.
Nota: A intervenção de Guilherme Magalhães pode ser acedida na íntegra aqui
JOSÉ THEOTÓNIO: “Tivemos de ter uma liderança que promoveu a esperança e que deu a oportunidade de melhorar as condições de vida a milhares de pessoas”
A intervenção de José Theotónio, CEO do Pestana Hotel Group, centrou-se na trajectória da família Pestana, desde a partida do patriarca para a África do Sul até à consolidação de um dos maiores grupos hoteleiros portugueses. O pai de Dionísio Pestana emigrou jovem, casando antes de partir. Só conseguiu regularizar a sua situação seis anos depois, quando, com algum dinheiro, trouxe a sua mulher, Caridade, para a África do Sul em 1951. Em 1952 nasce Dionísio Pestana.
Treze anos depois, em 1958, regressa a Portugal pela primeira vez para apresentar o filho à família. A partir daí, inicia uma rede de “bottle stores” que lhe permite prosperar. Chama os seus sete irmãos para o ajudarem no negócio e já com algum capital, consulta especialistas que, face ao contexto do apartheid, o aconselham a investir fora da África do Sul. Adquire então um prédio em Lourenço Marques (actual Maputo) e decide investir na Madeira, construindo um hotel em 1972.
Contudo, a Revolução de 1974 apanha-o numa posição vulnerável: grande parte do investimento tinha sido financiado e as taxas de juro disparam. O hotel fica vazio. Em 1976, a empresa está à beira da falência. É então que Dionísio Pestana, recém-formado em Administração de Empresas, regressa à Madeira para tentar salvar o empreendimento. Como conta, tinha duas possibilidades: “o desespero, que era entregar o hotel ao banco em Lisboa e fazer a sua vida na África do Sul. Ou então, ter a esperança de salvar aquilo que era a empresa”. E é o que faz.
Contra todas as probabilidades, aposta num modelo inovador de “timesharing”, que lhe permite pagar as dívidas e expandir o negócio.
Em 1982, com a inauguração do segundo hotel, marca-se o verdadeiro nascimento do Grupo Pestana. O CEO do Pestana Hotel Group destaca o papel de Dionísio como um “construtor da esperança”, evocando as palavras do patriarca de Lisboa, D. Rui Valério.
O discurso segue com reflexões pessoais do orador, marcadas por datas significativas – nomeadamente o 29 de Setembro [nasceu a 28], que considera o seu “dia da esperança”, por ser a data da sua partida de Beja para Lisboa, do seu casamento, e da mudança para a Madeira, quando decidiu mudar de vida pela família e ingressou no Grupo Pestana.
A segunda parte foca-se no crescimento do Grupo Pestana, hoje com mais de 100 hotéis em 16 países, resorts, campos de golfe e milhares de colaboradores. Enfatizou a valorização das pessoas, os programas internos de formação (como o Growing Together) e mobilidade, e o impacto social positivo gerado pelo grupo.
Durante a pandemia de 2020, todos os hotéis foram encerrados em apenas 15 dias. O grupo não despediu ninguém. Criou mecanismos como os “CEO Lives” para manter os colaboradores informados e unidos, e pagou o subsídio de Natal em Abril para evitar perda de rendimento. Continuaram também os apoios a projectos sociais, como uma creche em São Tomé, mantida integralmente pelo grupo.
Por fim, destacou-se o reforço da cultura empresarial e da esperança como motor de superação. A liderança de Dionísio Pestana e a coesão da equipa foram essenciais para recuperar da pandemia e continuar a crescer.
O testemunho termina com imagens simbólicas: reuniões anuais em Marraquexe (para apoiar o hotel local após o terramoto) e um gesto colectivo dos colaboradores a sinalizar união e vontade de continuar a construir futuro.
Nota: A intervenção de José Theotónio pode ser acedida na íntegra aqui
ARMINDO MONTEIRO: “A esperança não está no presente, mas no futuro, traduzindo-se numa expectativa de que o esforço levará a algo melhor, apesar das dificuldades”
O presidente da CIP começou a sua intervenção por dizer que o impacto da esperança nas empresas é profundo e essencial, especialmente em tempos de incerteza, como os que vivemos actualmente. Mas, sublinhou, e apesar da incerteza ser vista hoje como uma característica única de nosso tempo, a verdade é que ela sempre fez parte da história humana. O que muda, diz, é como ela é percebida, intensificada pela sociedade da informação. E neste contexto, a esperança torna-se um dos pilares fundamentais para a resiliência e para a continuidade das organizações.
Armindo Monteiro optou por fazer uma analogia com o mito de Sísifo, a qual é, a seu ver, bastante significativa. Sísifo, condenado a carregar uma rocha todos os dias até o topo da montanha, onde ela sempre escorregava de volta, simboliza os desafios aparentemente sem fim e os esforços repetitivos que podem surgir no ambiente de trabalho. Quando nos focamos apenas no “peso da pedra”, defende, pode ser difícil manter a esperança. A esperança, então, não está no presente, mas no futuro, traduzindo-se numa expectativa de que o esforço levará a algo melhor, apesar das dificuldades.
Mas o futuro precisa ser encarado com uma visão clara, de luz no fim do túnel. Isso é particularmente relevante num país como Portugal, onde o futuro, por vezes, parece incerto. Mesmo assim, a esperança precisa de estar presente, pois é neste país que queremos criar e educar nossas famílias, construir o nosso futuro e buscar a felicidade.
Para além disso, a esperança é a força que permite viver de forma livre e ousada. Como refere o presidente da CIP, ela não deve ser confundida com um optimismo cego ou como simples resiliência; é antes um caminho, uma motivação contínua que impulsiona os indivíduos a perseverar em direcção aos seus objectivos, mesmo quando as circunstâncias parecem desafiadoras. A esperança deve assim ser alimentada por acções concretas e por um planeamento estruturado, não apenas pela crença de que as coisas vão melhorar por si mesmas.
Numa empresa, a esperança não pode ser uma “fezada” sem fundamento, afirmou também. A visão de um líder deve estar ancorada num plano claro, com objectivos bem definidos, variáveis controláveis e acções a serem tomadas. “Não se deve cair na armadilha de esperar que tudo aconteça sem planeamento, mas também não se deve subestimar a importância das variáveis que estão sob nosso controle”, declarou.
A liderança, nesse contexto, é fundamental. Citando D. José de Tolentino, afirmou que “um dia ser-nos-á perguntado o que fizemos com a nossa esperança”. “E não apenas com a nossa esperança, mas com a esperança daqueles com quem nós caminhamos”, acrescentou. Ou seja, não se trata apenas de ter esperança pessoal, mas de cultivar e transmitir essa esperança para aqueles que caminham connosco, especialmente para os mais vulneráveis.
Os líderes têm uma grande responsabilidade sobre as vidas daqueles que lideram, podendo ser uma força de transformação positiva ou negativa na vida das pessoas, lembrou também,
“Porque, efectivamente, nós líderes, aqui reunidos, nós temos, de facto, a responsabilidade perante os outros”.
O último ponto destacado por Armindo Monteiro é o de que a esperança é a chave para o empreendedorismo. Sem esperança, não há vontade de tentar inovar e empreender. Sem uma atitude empreendedora, não há empresas. E sem empresas, é muito difícil sustentar uma economia dinâmica e próspera.
Portanto e a seu ver, a esperança não é apenas uma emoção passageira, mas uma necessidade vital para enfrentar os desafios do presente e construir um futuro melhor, seja no âmbito pessoal ou empresarial.
Nota: A intervenção de Armindo Monteiro pode ser acedida na íntegra aqui
Foto: Inês Machado. © ACEGE 2025.
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