POR MÁRIA POMBO
A ACEGE Next é um núcleo da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), que se formou recentemente com o objectivo de representar as gerações mais novas de empresários e gestores, procurando respostas para as suas inquietações, mas também aprofundando o cristianismo no mundo do trabalho e procurando transmitir uma mensagem inspiradora e que permita a cada membro transformar e servir a sociedade.
No âmbito do seu primeiro Encontro, realizado no dia 25 de Março, em Lisboa, abordou-se “a coragem de fazer a diferença”. Coerência e unidade de vida, conciliação de vida pessoal e profissional, e justiça intergeracional e modelo empresarial sustentável para todos foram os principais eixos em torno dos quais girou o evento, e que foram abordados, respectivamente por Teresa Souto Moura, médica, Bernardo Vasconcelos, gestor, e Joana Cordovil Cardoso, professora e investigadora.
Se na primeira parte da conferência os oradores apresentaram as suas ideias acerca dos três principais temas (e cujas intervenções apresentamos nesta newsletter, em formato “Ted Talks”), a segunda parte foi preenchida por um debate, moderado pela jornalista Laurinda Alves e com espaço para diversas perguntas da plateia, onde se aprofundaram diversos tópicos.
O debate teve início com uma votação na sala, por parte dos participantes, onde se questionou que valor é mais difícil de pôr em prática em contexto profissional. Entre a verdade, a humanidade e a esperança, o primeiro foi o mais votado (com 37%) e foi a partir dele que a discussão se desenvolveu. Para Teresa Souto Moura, não existem dúvidas: “a verdade é uma coisa diária” mas “a dificuldade é enorme porque dá mil vezes mais trabalho cumprir as regras todas”.
A este respeito, Laurinda Alves comentou que “é difícil a verdade com Deus” e questionou os três oradores acerca da “verdade connosco próprios”, procurando compreender se esta é mais ou é menos difícil que a primeira. Complementarmente, perguntou como é que a verdade pode ser “menos difícil”. Neste contexto, Bernardo Vasconcelos respondeu que, para si, “ao vivermos na verdade conseguimos estar a 100% em todas as áreas da nossa vida”. Por seu turno, Joana Cordovil Cardoso considera que “cada pessoa deve ter a coragem de se reconhecer com as suas limitações” e que “não há nada de errado nisso”.
[quote_center]“A verdade é uma coisa diária mas a dificuldade é enorme porque dá mil vezes mais trabalho cumprir as regras todas” – Teresa Souto Moura[/quote_center]
Sendo a geração millennial reconhecida como aquela que está sempre disponível e aberta a novas experiências, e cujos “membros” revelam interesse em trabalhar dentro e fora da sua área de formação (nomeadamente por falta de oportunidades nas áreas que mais gostam), existe o risco de a esperança se perder entre tantas actividades. Mantê-la viva é, portanto, um autêntico desafio. Como podemos então, alimentá-la em nós e nos outros? De acordo com Joana Cordovil Cardoso, “um bocadinho de loucura não faz mal nenhum”, mas “é preciso perceber em que cesto pomos os ovos”. Ou seja, “se ponho esperança no trabalho e se o trabalho desaparece, perco a esperança”. O grande desafio é, então, escolher bem onde e com quem depositamos esperança.
Já para Teresa Souto Moura, “a alegria está em Deus, mas na prática as coisas ficam mais complicadas”. Enquanto médica, explicou que não promete curar os seus doentes mas sim “fazer tudo o que conseguir para isso”, o que, no fundo, se traduz numa não-desistência dos seus pacientes. Concordando com esta ideia, Bernardo Vasconcelos garantiu que “cada um tem que fazer a sua parte”, sublinhando que não devemos depositar a esperança numa única coisa, sob pena de a perdermos se, por algum motivo, essa “coisa” deixar de existir.
A importância de utilizar todo o tempo disponível
A capacidade (ou necessidade) de assumirmos que nem sempre temos tempo e que existem alturas que nos obrigam a dizer a alguém que não lhe podemos, naquele momento, dedicar o nosso tempo foi uma das muitas questões colocadas pelo público. Como é que se resolve então a questão do tempo (ou da falta dele)?
Para Bernardo Vasconcelos, é tudo uma questão de “gestão de tempo”. O gestor explicou que “às vezes não temos tempo para ajudar os outros”, mas que “temos tempos mortos durante o dia que podem ser aproveitados”, dando a viagem entre casa e o trabalho como exemplo. Já a estratégia de Teresa Souto Moura é explicar que não consegue ter tempo, preferindo “ser franca e combinar uma altura que seja possível”.
A ideia anterior é a ponte perfeita para o tema seguinte, lançado por Laurinda Alves, e que está relacionado com o significado de humanizar. Para a jornalista, “humanizar é ir ao encontro do outro, é comunicar e é não desistir”, referindo-se particularmente às pessoas difíceis, já que estas “têm um poder incalculável na nossa vida porque exigem muito de nós”. Por seu turno, Joana Cordovil Cardoso explicou que, para si, humanizar é “procurar tratar as pessoas como pessoas e esperar delas a compreensão de que nem sempre temos disponibilidade”. Reforçando esta ideia, Bernardo Vasconcelos entende que “ao desbloquear as outras pessoas, conseguimos levar melhor a água ao moinho”, acreditando que procurar compreender essas pessoas melhora a nossa relação com elas.
[quote_center]“Os millennials são capazes de tomar conta de muitas coisas ao mesmo tempo mas acabam por encher pouco cada copo” – Bernardo Vasconcelos[/quote_center]
Uma questão que, na plateia, suscitou grande interesse está relacionada com as dificuldades e os desafios que Bernardo Vasconcelos teve que enfrentar quando, numa fase da sua vida, se viu sem tempo para a família devido às exigências profissionais, uma situação que o obrigou a mudar algumas coisas na sua rotina. Acordar de madrugada para poder ter tempo para si e para a família foi a estratégia que encontrou e ainda segue. Como o próprio explicou no evento, “percebi que não conseguia sair mais cedo do trabalho mas conseguia acordar mais cedo”, encarando esta nova atitude como uma forma de se libertar e de encontrar o equilíbrio entre a vida familiar e a profissional. Uma outra estratégia que segue é acrescentar frases motivadoras aos alarmes, de modo a acordar com mais ânimo e a sentir-se feliz logo de manhã.
Por outro lado, e tendo em conta que passa cerca de 1h30 por dia no carro, a estratégia de Joana Cordovil Cardoso é aproveitar esse tempo para dedicar aos filhos de um e três anos. A professora admite que o “automóvel não é o local ideal, não é um jardim” mas que tempo é tempo e não o quer desperdiçar, optando por “conversar e contar histórias, e não ouvir notícias nem mexer no telefone”. Já a estratégia adoptada por Teresa Souto Moura é “levar almoço de casa, comer a correr e depois ter tempo para ir buscar os filhos à escola”.
Em jeito de balanço e citando uma frase de José Tolentino Mendonça – “que as minhas palavras não sirvam só para enunciar os meus cansaços” – a moderadora apelou, então, à reflexão sobre “a relação que temos connosco próprios e o modo como usamos o nosso tempo interior”.
Millennials são “a geração do sim”
A conciliação entre a família e o trabalho foi outro tema aprofundado no debate da ACEGE Next. ‘Eu consigo’ (que se refere a quem acredita que consegue suportar tudo mas que vai deixando cair algumas coisas), ‘Sempre disponível’ (que é a imagem de quem atende todos os telefonemas e consegue estar em vários locais ao mesmo tempo), ‘Vida dupla’ (sobre quem faz uma clara distinção entre o que é pessoal e profissional e não mistura as duas “vidas”), e ‘Focado na complementaridade’ (referente a quem consegue alcançar um equilíbrio) foram os quatro modelos sugeridos por Bernardo Vasconcelos e a partir dos quais é possível compreender que “tipo de pessoa” somos e que tipo gostaríamos de ser, em termos de equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Com base nestes modelos, a plateia foi convidada a votar, em tempo real, no perfil com que mais se identifica, tendo ganho o modelo ‘Eu consigo’ (com 33%).
Revelando-se agradada com o resultado, Laurinda Alves comentou que “só se podem pedir coisas a quem está ocupado, porque esses têm sempre tempo”, referindo-se aos participantes como “a geração do sim”. Tanto Teresa Souto Moura como Joana Cordovil Cardoso se identificam também com esta escolha. A médica, por um lado, considera que “ajuda ter pessoas que chamem à razão”, explicando que “as coisas não têm que ter todas o mesmo peso e se é para caírem algumas, que caiam as menos importantes”. Por seu turno, a professora opta por encarar esta situação “com humor”, acreditando que “qualquer pessoa deve ter a capacidade de se rir também do que não consegue fazer”. Complementarmente, Bernardo Vasconcelos entende que “os millennials são capazes de tomar conta de muitas coisas ao mesmo tempo mas acabam por encher pouco cada copo”, o que, para si, constitui “o risco de estar sempre presente”.
[quote_center]“Qualquer pessoa deve ter a capacidade de se rir também do que não consegue fazer” – Joana Cordovil Cardoso[/quote_center]
Numa perspectiva realista, o síndrome de burnout foi referido na plateia, por parte de uma psiquiatra que, sublinhando que muitos dos seus pacientes são “pessoas de 40 anos habituadas a ser super-homens e super-mulheres”, explicou que este é comum nas pessoas que dizem constantemente “eu consigo”. A sua experiência diz-lhe que “também é importante preguiçar e dizer ‘eu não consigo’”, acreditando que pode ser necessário “substituir o ‘eu consigo’ pelo ‘nós conseguimos’” e acrescentando ao debate a reflexão acerca da “importância de parar”.
Neste sentido, levantou-se uma outra questão, desta feita relacionada com o facto de “parecer mal não estar sempre disponível”. Sobre este tema, é unânime por parte do painel de convidados que a diferença entre parecer bem ou parecer mal é uma questão de coerência. Ou seja, “se fizermos bem o nosso trabalho, se cumprirmos o que nos é exigido e se comunicarmos, dizer ‘eu não consigo’ pode ser positivo e até inspirador”, como reforça Laurinda Alves.
Por fim, entre o Estado, as empresas, os sindicatos e a sociedade civil (onde cabem as associações, fundações e os cidadãos), o público foi convidado a votar na opção que considera ter mais capacidades para propor um modelo empresarial sustentável e justo para todos. Com 52%, a sociedade civil foi considerada a mais capaz. Em jeito de remate, Bernardo, Teresa e Joana não têm dúvidas de que “está nas nossas mãos o poder de fazer a diferença e mudar as coisas que não estão bem”. Esta consciência é, aliás, uma das características mais marcantes da geração millennial.
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