Nove em cada dez adolescentes vivem nos países em desenvolvimento. O mais recente relatório da UNICEF revela que existem hoje mais de setenta milhões em idade de frequentarem o ensino secundário que estão em risco de pobreza e sem acesso à educação. O desemprego atingiu, em 2009, 81 milhões de jovens e catorze milhões sofrem de algum distúrbio mental ou comportamental, com metade dos casos a manifestar-se antes dos catorze anos. Anualmente registam-se mais de setenta mil suicídios entre os adolescentes
Mais de setenta milhões de adolescentes em idade de frequentarem o ensino secundário estão em risco de pobreza e não têm acesso à educação. O desemprego atingiu, em 2009, 81 milhões de jovens sendo que, no ano anterior, quase 25 por cento de todos os trabalhadores pobres do mundo eram, precisamente, jovens. Consequentemente ou não, dos setenta milhões que vivem em situação de vulnerabilidade, catorze milhões sofrem de algum distúrbio mental ou comportamental, com metade dos casos a manifestar-se antes dos catorze anos. A depressão é o diagnóstico mais recorrente mas, numa fase de crescimento que é “um ponto de viragem de importância decisiva”, já que “é no decurso da segunda década da vida que as iniquidades e a pobreza se manifestam com maior evidência”, também se registam anualmente mais de setenta mil suicídios entre os adolescentes. Estes são os mais recentes dados da Organização das Nações Unidas para a Infância, que prevê um agravamento dos distúrbios e das situações de risco, a par do crescimento do desemprego entre esta camada da população, na próxima década. Reflectindo a preocupação da UNICEF face a esta conjuntura, o relatório “A Situação da Infância Mundial” apela ao reforço do investimento na adolescência, para combater a pobreza: “investir agora nos 1.2 mil milhões de adolescentes com idades compreendidas entre os dez e os dezanove anos pode quebrar ciclos arreigados de pobreza e iniquidade”, divulga o relatório. Vulnerabilidade no feminino Os jovens esperam “mais acção de todos nós”, como apela Anthony Lake, director executivo da UNICEF, para quem é preciso “dedicar mais atenção ao propósito de alcançar os adolescentes – em especial as raparigas adolescentes –, investindo na educação, na saúde e noutras medidas que os envolvam no processo de melhoria das suas condições de vida.” Note-se que, globalmente, as raparigas continuam a ficar atrás dos rapazes ao nível, por exemplo, do acesso à educação no ensino secundário. E sem educação, os adolescentes “não podem desenvolver os conhecimentos e aptidões de que necessitam para enfrentar os riscos de exploração, abusos e violência que se manifestam com maior evidência na segunda década de vida”, alerta ainda Lake. Os jovens que vivem na pobreza ou marginalizados têm menos probabilidades de fazer a transição para o ensino secundário durante a adolescência, e mais probabilidades de serem alvo de exploração, abusos e violência, constata a UNICEF. Servidão doméstica e casamento na infância são facturas pagas principalmente pelas raparigas, senão veja-se: nos países em desenvolvimento (excluindo a China), as raparigas adolescentes mais pobres têm aproximadamente três vezes mais probabilidades de se casarem antes dos dezoito anos de idade que as raparigas nascidas nos vinte por cento das famílias mais ricas. As raparigas que casam mais cedo correm, consequentemente, maiores riscos de sofrer uma gravidez prematura, elevadas taxas de mortalidade materna e subnutrição infantil. E, pior ainda, as raparigas enfrentam taxas mais elevadas de violência doméstica e/ou sexual que os rapazes, e são mais susceptíveis ao risco da infecção por VIH, aponta a agência das Nações Unidas no relatório de 2011. Pôr o foco na equidade O relatório Situação Mundial da Infância 2011 ecoa, segundo o director executivo da UNICEF, essa “percepção fundamental, e desenvolve-se a partir dela”. Existem actualmente 1,2 mil milhões de adolescentes que vivem “a desafiadora encruzilhada entre a infância e o mundo adulto”. Nove em cada dez desses jovens vivem no mundo em desenvolvimento e enfrentam problemas particularmente graves, que vão desde as dificuldades no acesso a educação básica até ao próprio risco de sobrevivência. Como sublinha Anthony Lake, estes desafios agravam-se ainda mais no caso de meninas e mulheres jovens.
Contudo, “é possível alcançar progressos sustentáveis”, acredita, com base nas pesquisas recentes e exemplos concretos contidos no relatório, o qual demonstra que é possível atingir esses progressos “ mais rapidamente e de maneira mais produtiva, em termos financeiros, se nos concentrarmos nas crianças mais pobres que vivem nas localidades mais difíceis de penetrar. Um “foco na equidade” que ajudará todas as crianças, incluindo os adolescentes. Afinal, a grande maioria dos actuais adolescentes (88 por cento) vive nos países em desenvolvimento e muitos desses jovens enfrentam um conjunto ímpar de desafios pois, embora sejam “genericamente mais saudáveis do que no passado”, correm diariamente vários riscos, quer de saúde quer a nível de distúrbios alimentares, abuso de substâncias e perturbações a nível mental. Tanto assim o é que se estima, como já referido, que um em cada cinco adolescentes, aproximadamente, sofra de algum problema de saúde mental ou comportamental. Com 81 milhões de jovens sem trabalho no mundo em 2009, o desemprego juvenil continua a ser uma preocupação acrescida, em quase todos os países. A UNICEF defende que um mercado de trabalho cada vez mais tecnológico exige aptidões que muitos jovens não possuem, o que resulta no desperdício dos talentos dos jovens, com repercussões para as comunidades onde vivem: “em muitos países as vastas populações de jovens constituem um trunfo demográfico único que é muitas vezes subestimado”, lê-se no relatório. Ao investir na educação e formação de jovens, os países podem “colher uma importante e produtiva força de trabalho, contribuindo significativamente para o crescimento das economias nacionais”, adianta o mesmo. Paralelamente, os adolescentes têm hoje pela frente numerosos desafios globais com implicações no seu futuro: o actual agravamento da agitação económica, as alterações climáticas e a degradação ambiental, uma urbanização e migração explosivas, o envelhecimento das sociedades, os custos crescentes dos cuidados de saúde, e a escalada das crises humanitárias. Para que os adolescentes possam lidar com estes desafios de uma maneira eficaz, a UNICEF defende o reforço de investimentos direccionados para algumas áreas-chave: • Melhorar a recolha de dados para aumentar a compreensão da situação dos adolescentes e ir ao encontro da realização dos seus direitos; • Investir na educação e formação para que os adolescentes tenham os meios para se resgatarem da pobreza e contribuir para as suas economias nacionais; • Expandir oportunidades para os jovens participarem e expressarem as suas opiniões, por exemplo em conselhos nacionais de juventude, fóruns de jovens, iniciativas de serviço comunitário, activismo on-line e outros canais que permitem aos adolescentes fazer ouvir a sua voz; • Promover leis, políticas e programas que protejam os direitos dos adolescentes e lhes permitam ultrapassar as barreiras de acesso aos serviços essenciais; • Incrementar o combate à pobreza e à iniquidade através de programas sensíveis às crianças a fim de evitar que os adolescentes sejam catapultados prematuramente para a idade adulta. Vinte anos depois da Convenção Em concreto, o número anual de mortes de crianças menores de cinco anos diminuiu de 12.5 milhões em 1990 para menos de nove milhões em 2008; as mortes devidas ao sarampo baixaram 74 por cento desde 2000, e o tratamento de crianças menores de quinze anos portadoras de VIH aumentou significativamente, sobretudo na África subsariana. Mas, por outro lado, 101 milhões de crianças continuam a não frequentar o ensino primário; cerca de 150 milhões de crianças entre os cinco e os catorze anos estão envolvidas em trabalho infantil; e, estima-se que entre quinhentas e um milhão e meio de crianças sejam anualmente vítimas de violência. “Muitas das crianças no mundo não sabem o que é uma sala de aula, e milhões de crianças não estão protegidas contra a violência, os abusos, a exploração, a discriminação e a negligência”, referiu a propósito destes inquietantes resultados Ann Veneman, directora executiva da UNICEF à data do relatório “Situação Mundial da Infância – Celebrando 20 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança”. E, se é “inaceitável que crianças continuem a morrer de causas evitáveis”, como a pneumonia, a malária, o sarampo e a má nutrição, o grande desafio para os próximos vinte anos “será o de conseguirmos posicionar o interesse superior da criança no coração de todas as actividades humanas: temos a responsabilidade colectiva de assegurar os direitos de todas as crianças à sobrevivência, ao desenvolvimento, à protecção e à participação”, concluiu Veneman.
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Jornalista