A ideia de que a confiança pode levar anos a ser construída e minutos a ser destruída nunca foi tão verdadeira como na era da transparência em que vivemos. E para as empresas, de forma crescente, a confiança tornou-se num activo que tem de fazer parte da estratégia corporativa, sob pena de ter um impacto significativamente negativo nos seus resultados. Um estudo realizado pela consultora Accenture explica por que motivo a quebra de confiança representa um risco cada vez maior para a saúde financeira das empresas
POR HELENA OLIVEIRA

“Num passado não muito distante, a confiança era considerada como um assunto ‘soft’ no mundo corporativo”. A sua relação com o valor da empresa estava presente, mas não era claro. Mas já não é assim”.

De acordo com um estudo da Accenture, uma diminuição na confiança dos stakeholders pode ter um impacto substancial na competitividade das empresas. Dados do Accenture Competitive Agility Index indicam que 54% das empresas analisadas sofreram uma queda no grau de confiança, o equivalente à perda de 180 mil milhões de dólares de potenciais receitas.

O relatório, intitulado “The Bottom Line of Trust” da Accenture Strategy quantifica o impacto da confiança nos resultados da empresa com base na análise de mais de sete mil organizações, em 20 sectores e em várias dimensões interdependentes como crescimento, rentabilidade, sustentabilidade e confiança. E é sobre este declínio no activo “confiança”, que entretanto deixou de ser “soft”, que se baseia este relatório e sobre o qual damos conta dos principais resultados.

É sabido que o tópico da “confiança” está por todo o lado. O relatório da Accenture começa por dar como exemplo a China e o seu Sistema de Crédito Social (sobre o qual o VER já escreveu), o qual pontua os cidadãos de acordo com o seu bom ou mau comportamento, ou melhor, tendo em conta se o cidadão e as suas acções “são de confiança ou não”, e que estará em pleno funcionamento já no próximo ano. Tudo, até os dispositivos que usamos ou os websites que visitamos, são pontuados de acordo com a confiança que transmitem. E o mesmo acontece inevitavelmente com as empresas, com várias delas a incluir já avaliações de confiança nos pacotes de compensações dos executivos, como também realça o estudo da Accenture. Se combinarmos tudo isto com as notícias sobre alimentos contaminados, violações dos dados dos consumidores, a incidentes e fraudes cibernéticos, a verdade é que a confiança – ou a falta dela – parece estar no centro do complexo palco em que nos movemos.

[quote_center]O aumento da transparência veiculado pelo mundo digital significa que a confiança consiste numa preocupação cada vez mais presente e a sua gestão não pode ser encarada como um factor secundário[/quote_center]

Adicionalmente, e para além da sua intensidade, os incidentes de confiança são cada vez mais visíveis para o público em geral. O aumento da transparência veiculado pelo mundo digital significa que esta consiste numa preocupação cada vez mais presente e a sua gestão não pode ser encarada como um factor secundário e apenas ser endereçado pelos departamentos de Relações Públicas quando surge um problema. Pelo contrário, sublinha a Accenture, as empresas precisam de criar, de forma intencional, uma cultura que construa, mantenha e preserve a confiança, integrando-a no seu ADN, estratégia e dia-a-dia. A confiança precisa igualmente de permear os relacionamentos com todos os stakeholders e é preciso ter em mente que na era da transparência, o como uma empresa faz as coisas adquiriu a mesma importância do porquê que as faz. Desta forma, e para ser competitiva no ambiente da actualidade, a empresa precisa de executar uma estratégia equilibrada que dê a mesma prioridade à confiança do que aquela que confere ao crescimento e à rentabilidade.

[quote_center]A confiança precisa igualmente de permear os relacionamentos com todos os stakeholders[/quote_center]

Ainda voltando ao Índice de Agilidade Competitiva e apesar do declínio da confiança ter impactos diferentes de acordo com a indústria em causa, uma empresa de retalho no valor de 30 mil milhões de dólares, por exemplo, e que acuse uma queda na sua confiança poderá habilitar-se a perder quatro mil milhões de dólares nas suas receitas futuras. Ou seja, e apesar de os números falarem por si mesmos (veja aqui a infografia), a verdade é que as empresas têm de perceber que a capacidade de gerir e avaliar a confiança como parte da estratégia empresarial é, crescentemente, uma vantagem competitiva.

A confiança aos olhos dos stakeholders

© DR

A Accenture Strategy define “confiança” como uma experiência consistente de competência, integridade, honestidade, transparência, compromisso, propósito e familiaridade. A confiança não só define a qualidade e sustentabilidade do relacionamento da empresa com os seus stakeholders, como também cria valor partilhado. E um “incidente de confiança” é definido pela Accenture como qualquer acontecimento ou circunstância que resulte numa perda real ou percepcionada da confiança na empresa. Por outro lado, o Índice de Agilidade Competitiva avalia-a a partir da perspectiva de seis grupos de stakeholders: clientes, empregados, fornecedores, media, analistas e investidores. Vejamos a sua relação com cada um deles.

[quote_center]Mais do que nunca, os clientes estão dispostos a falar (mal), a organizarem-se e a boicotarem empresas ou produtos quando as suas expectativas não são satisfeitas[/quote_center]

Como sabemos, os clientes da actualidade têm mais escolha do que nunca e procuram afirmar os seus próprios valores quando elegem as empresas com as quais desejam interagir. Quando a qualidade dos produtos e serviços correspondem à promessa da marca, as empresas criam melhores experiências com os seus clientes, o que contribui para aumentar o seu valor reputacional e, é claro, o seu nível de confiança. Por seu turno, as que não conseguem fazê-lo, perdem a confiança por parte dos consumidores e, consequentemente, o seu próprio negócio. Um estudo igualmente desenvolvido pela Accenture, que entrevistou 25 mil consumidores globais, concluiu que de todos os que “abandonaram” empresas com as quais interagiam, 46% fê-lo devido à perda de confiança na empresa em causa. E “abandonar” não se traduz no custo total deste descrédito: mais do que nunca, os clientes estão dispostos a falar (mal), a organizarem-se e a boicotarem empresas ou produtos quando as suas expectativas não são satisfeitas.

Por se turno, para os empregados a confiança é crucial na guerra pelo talento na medida em que a reputação e as acções das empresas se tornam crescentemente importantes para os candidatos à procura de emprego. Os empregados, mais do que nunca, procuram saber se as acções quotidianas das empresas vão ao encontro dos seus valores, existindo uma probabilidade significativamente maior de mudarem de empresa caso sintam um desfasamento entre os mesmos. A força de trabalho do futuro deseja sentir empatia com o seu local de trabalho e funcionar como um representante dos seus valores de negócio. E quando a “correspondência” existe, os níveis de compromisso e produtividade são mais elevados. Numa outra pesquisa levada a cabo recentemente pela Accenture Strategy, mais de um terço dos trabalhadores entrevistados posicionaram a reputação no top 3 da motivação para trabalharem para o seu actual empregador.

[quote_center]A força de trabalho do futuro deseja sentir empatia com o seu local de trabalho e funcionar como um representante dos seus valores de negócio[/quote_center]

Os fornecedores e outros parceiros de confiança são igualmente players por excelência na cadeia de valor das empresas, na medida em que são capazes de viabilizar ciclos de inovação mais rápidos e mais flexíveis. Uma outra pesquisa da Accenture Strategy sublinha que 84% dos executivos da cadeia de fornecimento afirmam vir a utilizar redes de produção distribuídas (mais entidades terceiras) para ir ao encontro das necessidades dos clientes. Ao mesmo tempo, as cadeias de fornecimento globais estão a forçar as empresas, de forma crescente, a desenvolver uma compreensão mais profunda sobre as origens dos produtos e sobre os riscos da cadeia de fornecimento. Os reguladores estão a apertar as regras no que respeita aos direitos dos trabalhadores, aos organismos geneticamente modificados e à desflorestação. Estão igualmente a desafiar os limites da confiança e da responsabilidade à medida que a “culpabilidade” se pode estender a todo um ecossistema.

Adicionalmente, as opiniões do público têm, como seria de esperar, um enorme impacto na confiança, em particular desde que são proferidas em tempo real através de todos os tipos de media. As empresas precisam de uma visão “omnichannel” (em todos os canais) no que respeita aos sentimentos veiculados pelos media sociais, às avaliações online dos produtos e da empresa, à cobertura feita pelos media no geral e aos canais de media emergentes para gerira confiança de forma rigorosa,  influenciar as percepções e limitar os danos que os sentimentos virais negativos causam.

[quote_center]Os analistas e os investidores estão crescentemente interessados numa perspectiva alargada de confiança empresarial, o que inclui não só a performance financeira, mas a que transcende a mesma, de que são exemplo as métricas de impacto social e ambiental[/quote_center]

Por último, mas não menos importante, sem crédito no mercado e, consequentemente, sem financiamento, a maioria dos negócios perde a sua licença para crescer e para competir. Os analistas e os investidores estão crescentemente interessados numa perspectiva alargada de confiança empresarial, o que inclui não só a performance financeira, mas a que transcende a mesma, de que são exemplo as métricas de impacto social e ambiental. Por exemplo, um relatório conjunto feito com o Global Compact das Nações Unidas concluiu que 88% dos investidores vêem a sustentabilidade como o caminho certo a trilhar para a vantagem competitiva. Assim, as empresas precisam de ir ao encontro da procura crescente de investimentos sustentáveis e da transparência extra-financeira para reter a confiança dos analistas e investidores.

O impacto da confiança nos resultados da empresa

Como sublinha o estudo em causa, a confiança tornou-se num “bem material”, sendo esta materialidade definida por qualquer coisa que possa alterar o valor percepcionado de uma empresa. E a verdade é que, seguindo a tendência de anos anteriores, dados de 2017 confirmam que a confiança declinou em dez de 15 sectores da indústria, o que explica a necessidade de as empresas aumentarem a sua resiliência face aos seus “incidentes de confiança”. Para ilustrar a perda de receitas proveniente desde declínio, a Accenture publicou alguns casos reais que demonstram a relação existente entre confiança e a competitividade. De realçar igualmente que as empresas que pontuam melhor no Índice de Agilidade Competitiva  apresentam-se como muito mais resilientes quando existe uma queda na sua confiança, com um impacto geral menor na sua competitividade.

Como se pode ler no relatório, quando ocorre uma perda de confiança, as empresas sofrem, geralmente, uma queda no crescimento das suas receitas receita e do EBITDA (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O impacto varia consoante o sector, como é visível nos dois exemplos abaixo:

  • Uma empresa B2C promoveu um evento orientado para a publicidade da sua sustentabilidade, tendo-lhe “saído o tiro pela culatra”, pois não existiu uma consulta prévia a especialistas em questões ambientais, o que provocou a perda de confiança dos seus stakeholders. A publicidade viral negativa resultante fez com que a sua pontuação de confiança caísse 8% em apenas um trimestre, com a pontuação no Índice de Agilidade Competitiva anual a cair 1,4%. As suas receitas diminuíram em 400 milhões de dólares, enquanto o EBITDA diminuiu em 200 milhões de dólares.
  • Uma empresa B2B viu-se envolvida em alegações de branqueamento de capitais. Em apenas um trimestre, a sua pontuação em termos de confiança caiu 9%. No ano seguinte, as receitas diminuíram em quase 34%, o equivalente a 1,8 mil milhões de dólares, com o EBITDA a apresentar uma queda acentuada de 61%, a qual se traduziu em 700 milhões de dólares.

Equilibrar para não ter de remediar

© DR

Mesmo com a melhor das intenções, é quase impossível uma empresa não ser alvo de um incidente de confiança. Todavia, e como afirma o estudo da Accenture, as empresas podem-se preparar se optarem por uma estratégia que equilibre o crescimento, o lucro, a sustentabilidade e a confiança. Desta forma, se existir um incidente de confiança, esta estratégia de equilíbrio ajuda a minimizar o seu impacto.

Uma das formas de o fazer é saber avaliar o nível de confiança da sua empresa. Para além do Índice de Agilidade Competitiva da Accenture, existem outras métricas no mercado que o ajudam nesta avaliação e que conferem veracidade ao velho ditado “se não é possível medir, não é possível gerir”.

[quote_center]As empresas que pontuam melhor no Índice de Agilidade Competitiva  apresentam-se como muito mais resilientes quando existe uma queda na sua confiança, com um impacto geral menor na sua competitividade[/quote_center]

Como seria igualmente de esperar, a equipa de liderança tem de abraçar, legitimamente, a confiança como um elemento central da sua estratégia. Todas as equipas – e, na verdade, a todos os níveis – têm de agir em conformidade com os níveis de confiança que a empresa pretende transmitir e todas as escolhas feitas no seu quotidiano têm de encarar a confiança como um aspecto crucial da estratégia de negócio.

Há que ter igualmente em atenção que várias empresas optam pela redução de custos ou pelo aumento da rentabilidade sem considerarem que, ao fazê-lo, podem estar a colocar em risco os seus índices de confiança. O problema é que, no médio e longo prazo, irão sempre precisar da confiança, junto de todos os seus stakeholders, para trilharem o caminho do crescimento. Desde as áreas adjacentes ao negócio à entrada em novos mercados, a confiança é um activo que não pode ser menosprezado. E sem o apoio dos grupos de stakeholders, qualquer empresa enfrentará uma enorme desvantagem face aos seus concorrentes.

Actualmente, e voltando ao início do artigo, a confiança nada tem a ver com um “tópico corporativo ‘soft’”. Faz, sim, parte de uma estratégia interdependente que influencia significativamente os seus resultados e a sua competitividade. E saber o quanto está em jogo quando se fala em confiança empresarial – aplicando as métricas necessárias para a avaliar – está a tornar-se o “novo normal”.

Os comportamentos e as acções têm de corresponder aos valores declarados pela empresa e aos olhos de todos os grupos de stakeholders. Assim, e se a sua empresa pretende manter-se no complexo jogo da competitividade, a confiança tem mesmo de fazer parte da sua estratégia.

Editora Executiva