POR MÁRIA POMBO
Embora este tema já tenha sido debatido vezes e vezes sem conta, a verdade é que os esforços continuam a ser poucos para o muito que ainda é necessário fazer. O envelhecimento da população, verificado a nível mundial, é um problema que não vem só: traz consigo o abandono, a solidão e a dependência, já que o avançar da idade origina a diminuição de faculdades (mentais e motoras) que impedem muitas pessoas de continuar a ter uma vida autónoma.
De acordo com um artigo do Fórum Económico Mundial (FEM), que cita as estatísticas do Bank of America Merrill Lynch sobre os desafios do envelhecimento da população, prevê-se que, em 2050, existirão cerca de 2,1 mil milhões de habitantes com mais de 60 anos (sendo que, em 2015, este número era de cerca de 900 mil). Preocupante é o facto de se esperar que oito em cada 10 cidadãos seniores vivam em países em desenvolvimento, daqui a 33 anos. Também a nível mundial, e segundo revela o FEM, 48% da população reformada vive actualmente sem direito a reforma, e um em cada quatro cidadãos com mais de 65 anos nunca conseguirá a aposentação completa.
Já em Portugal, e de acordo com as previsões do Instituto Nacional de Estatística (INE), a população sénior poderá aumentar de 131 idosos (em 2012) para 307 (em 2060) por cada 100 jovens. O mesmo organismo indica que se espera uma diminuição da população nacional – que poderá passar de 10,5 milhões para 8,5 milhões, dentro de poucas décadas –, mas que a mesma será cada vez mais envelhecida, existindo cada vez menos jovens e cada vez mais idosos.
[quote_center]O Fórum Económico Mundial revela que 48% da população reformada vive actualmente sem direito a reforma[/quote_center]
Na teoria, a idade da reforma deve ser um tempo em que a população pode beneficiar do esforço que fez durante uma vida inteira de trabalho. Mas, na prática, a realidade é bem diferente, revelando ser uma fase triste e depressiva para muitos cidadãos, cujas baixas pensões não permitem ter, no geral, uma qualidade de vida muito elevada. Complementarmente, o isolamento e a solidão chegam mais depressa do que se imagina, e poucas são as respostas que surgem para os combater.
Por outro lado e no pólo oposto, os jovens universitários enfrentam uma realidade bastante diferente: muitos daqueles que tiveram de sair da sua terra natal para entrar no ensino superior convivem essencialmente com outros jovens, igualmente deslocados. Diversos estudantes vivem numa espécie de “bolha”, passando grande parte do tempo com outros jovens de idades semelhantes e esquecendo um pouco o mundo à sua volta. Acresce que muitos deles têm que trabalhar ou recorrer a bolsas de estudo para conseguir fazer face às despesas que o ensino superior acarreta, sendo necessário, mais que as propinas, assegurar o pagamento das rendas dos quartos, as quais são bastante elevadas na maioria das cidades.
O problema – já bastante debatido – continua a consistir no facto de ambos os grupos (idosos e jovens) serem obrigados a pagar por coisas que, caso fossem unidos esforços, poderiam ser gratuitas ou ter custos reduzidos. Alojamento (para os mais novos) e companhia (para os mais velhos) são algumas das necessidades que, regra geral, implicam mais gastos e que podem ser facilmente colmatadas, se ambos os segmentos populacionais estiverem dispostos a ceder um pouco do que têm.
Jovens podem devolver a auto-estima aos idosos
De acordo com um estudo britânico – sobre o qual o The Telegraph escreveu – viver em isolamento aumenta o risco de problemas cardíacos e demência, levando à morte prematura. No mesmo artigo, é explicado também que existe uma relação directa entre os efeitos emocionais do isolamento e o aumento da pressão arterial. Como salienta o jornal britânico, um grupo de investigadores concluiu que ajudar as pessoas a saírem de casa estimula a diminuição da solidão, previne a existência de ataques cardíacos e de doenças como a demência, promove a redução dos níveis de stress e depressão, e permite aumentar a esperança média de vida.
[quote_center]Viver em isolamento aumenta o risco de problemas cardíacos e demência, levando à morte prematura[/quote_center]
E acompanhar idosos não tem que ser uma acção realizada exclusivamente por equipas especializadas. Fazer companhia, conversar e partilhar experiências pode ser uma actividade realizada por qualquer pessoa ou grupo, incluindo jovens, e os seus efeitos podem fazer a diferença na vida dos mais velhos. De acordo com um outro artigo do Fórum Económico Mundial, “o impacto dos estudantes na vida dos idosos parece estar ainda por explorar”. Num testemunho escrito na primeira pessoa, Johanna Harris, professora na Universidade de Exeter, no Reino Unido, revela que, embora não existam estudos que o comprovem, o estreitamento de relações entre os dois segmentos populacionais – promovido, por exemplo, pela universidade a que pertence, através do Exeter Care Homes Reading Project – “dá aos jovens a possibilidade de criarem laços afectivos com as gerações mais velhas”, devolvendo-lhes a auto-estima e o amor-próprio, e incentivando-as a cuidar novamente de si.
No mesmo artigo, e com base nos resultados deste projecto, a docente salienta que o contacto entre os jovens universitários e a população sénior é “tremendamente positivo”, já que os idosos “esperam sempre, com entusiasmo, as visitas dos estudantes”, os quais lhes despertam a criatividade através da poesia, dando-lhes também aulas de informática ou ensinando-lhes, por exemplo, a falar uma língua estrangeira. Este projecto teve início em 2011 e, desde então, tem permitido que cerca de 100 jovens acompanhem, anualmente, diversos idosos. Assinalável é que muitos estudantes continuam a fazer as visitas, de forma voluntária e constante, mesmo após a conclusão dos estudos naquela universidade.
Muitos estudantes universitários já têm “roommates” com mais de 60 anos
Em Portugal, as respostas (gratuitas ou a baixo custo) que existem, por parte do Estado ou de diversas organizações sem fins lucrativos, parecem ser insuficientes para o elevado número de idosos que necessitam de ajuda, sendo inacessíveis principalmente àqueles que vivem em aldeias isoladas do interior do País. E as baixas reformas não permitem a muitos idosos comprar medicamentos essenciais nem, tão pouco, pagar a médicos, enfermeiros e outros cuidadores para os ajudar em tarefas do dia-a-dia que outrora foram simples, ou apenas para lhes fazer companhia.
Pensando no elevado número de estudantes que todos os anos escolhem a cidade Invicta para viver, a Federação Académica do Porto (FAP Social), em Parceria com a Câmara Municipal do Porto (CMP) tem vindo a promover o Programa Aconchego, o qual consiste em alojar jovens universitários em habitações de idosos, durante um ano lectivo. “Quem estuda tem casa, quem tem casa tem companhia” é o lema desta iniciativa, a qual desafia, por um lado os idosos a partilhar a sua casa com estudantes e, por outro, os jovens a oferecer algum do seu tempo aos seus “roommates” de idade avançada.
[quote_center]Diminuir a solidão da população idosa, fazendo também face às despesas dos jovens universitários, é o principal objectivo do Programa Aconchego[/quote_center]
Diminuir a solidão e o isolamento da população idosa do concelho do Porto, fazendo também face às despesas dos jovens universitários que escolheram a cidade para prosseguir estudos, é o principal objectivo deste projecto. A aproximação e a partilha de experiências entre gerações é outra grande vantagem deste programa, o qual promove a melhoria da qualidade de vida destes dois grupos tão distintos mas que podem ter tantas coisas em comum (já que, por exemplo, as saudades da família podem ser colmatadas pela criação de laços afectivos entre uns e outros).
Uma particularidade relevante desta iniciativa é que os estudantes apenas terão de contribuir simbolicamente para despesas relacionadas com alimentação, água, electricidade e gás. Mais que um pagamento simbólico (que pode ser feito em dinheiro ou em géneros), a ideia é que os jovens ofereçam tempo, devendo estar presentes nas habitações ao longo da semana e sendo facultativa a sua estadia durante o fim-de-semana. Já os idosos, que devem ter a idade mínima de 60 anos e podem viver sós ou com os cônjuges, devem ter as condições mínimas para acolher pelo menos um jovem. Para garantir que estas pequenas regras são cumpridas, os envolvidos serão acompanhados pelos técnicos da Fundação Porto Social e da FAP Social (sendo analisadas as condições das habitações e os perfis dos diversos candidatos).
Este programa entrou em vigor em 2004 e, desde então, não tem parado de crescer, tendo sido reconhecido em diversos prémios de inovação social, nomeadamente o “This is European Social Innovation”, atribuído pela Comissão Europeia, em 2010, e o Projecto MIES – Mapa de Inovação de Empreendedorismo Social em Portugal, em 2015. Por todas as vantagens que proporciona, quer aos idosos, quer aos jovens, a iniciativa tem todas as condições para ser adaptada e replicada em outras cidades, promovendo a criação de laços entre os mais jovens e os idosos.
Porque dar “apenas” tempo pode fazer toda a diferença
Já para os idosos que não pretendem partilhar a casa com jovens, ou que não têm condições para tal, existem diversas iniciativas, um pouco por todo o País, através das quais diversas equipas de técnicos ou voluntários visitam aqueles que vivem sozinhos, fazendo-lhes companhia durante algumas horas por semana e combatendo o abandono da população sénior de uma outra forma.
[quote_center]O projecto Amigos Improváveis pretende combater a solidão dos idosos através do tempo que alguns estudantes lhes dedicam, de forma voluntária e regular[/quote_center]
O projecto Amigos Improváveis é uma dessas iniciativas e pretende combater a solidão dos idosos através do tempo que alguns estudantes lhes dedicam, de forma voluntária e regular. Este projecto nasceu em Lisboa, como resultado da vontade de uma jovem, e pretende aproximar pessoas, estimulando a criação de relações de confiança e amizade entre estudantes universitários (sozinhos, em grupo ou em família) e idosos que, vivendo no mesmo bairro, podem conhecer-se e passar algum tempo juntos.
Antes de começarem a fazer visitas, todos os voluntários têm que fazer uma formação para então estabelecer a ligação com os idosos que residem no mesmo bairro, ou em bairros vizinhos, começando desde logo a criar “amizades improváveis”. O formulário de inscrição é bastante simples e existem diversas zonas em Lisboa (e nos arredores) que já estão abertas a receber voluntários e onde existem idosos à espera de um pouco de atenção.
Independentemente de acontecer durante mais ou menos tempo e de um modo mais ou menos formal, tratar dos nossos idosos é (ou deveria ser) um dever transversal a toda a sociedade. Promover a solidariedade entre gerações é essencial para que muitos daqueles que vivem esquecidos e abandonados possam ter um motivo para continuar a lutar pela vida. E informar a população sobre a existência de iniciativas que facilitam a comunicação e a partilha de experiências entre os mais novos e os mais velhos pode fazer a diferença na vida da população sénior, diminuindo os riscos de depressão e permitindo que este frágil segmento populacional tenha uma melhor qualidade de vida.
MERA: o futuro “melhor amigo” da população sénior
Tendo em conta que a população está cada vez mais envelhecida (dado o aumento da esperança média de vida e a diminuição do número de nascimentos), a IBM e a Rice University estão a criar aquele que poderá ser, dentro de algumas décadas, o melhor amigo de qualquer idoso. Chama-se MERA (Multi-Purpose Eldercare Robot Assistant) e é um robot que está a ser desenvolvido com o principal objectivo de permitir que os idosos tenham uma melhor qualidade de vida, preservando a sua independência sem que seja necessária (ou fundamental) a presença contínua de outros seres humanos.
A sua tecnologia permitirá auxiliar os idosos em variadas tarefas do dia-a-dia, como tomar medicamentos, auxiliando-os também a movimentarem-se dentro de casa. Os seus sensores permitem-lhe ainda reconhecer se uma pessoa caiu, ajudando-a a levantar-se, estando até programado para detectar, por exemplo, a ocorrência de ataques cardíacos e para pedir ajuda. Estando equipado com câmaras que conseguem ler expressões faciais, este “roommate” consegue também capturar sinais vitais e reconhecer os diversos pedidos de socorro feitos pelos idosos.
Devido ao facto de este ser um “robot cuidador” e que pretende ajudar um segmento bastante frágil da população, os seus criadores pretendem garantir que o mesmo será comercializado sem falhas, de modo a poder ajudar verdadeiramente aqueles que o adquirirem, tranquilizando os próprios e os familiares. Por esse motivo, estão ainda a ser realizados variados testes, e os seus criadores estão a “fornecer” a esta máquina (que está em fase de protótipo) o máximo de informação possível e adequada às necessidades especiais dos seus utilizadores. Garantir que a mesma, mais do que não representar um perigo, pode ajudar a melhorar a qualidade de vida da população em geral é um dos principais objectivos da equipa da IBM e da Rice University.
Jornalista