São 60 os países analisados no que respeita à sua capacidade de desenvolver, atrair e reter talentos no recém-publicado índice de talento global realizado pela Economist Intelligence Unit e pela Heidrick & Struggles. No topo da tabela, reinam os Estados Unidos e o norte da Europa. E, no topo das preocupações dos executivos entrevistados, a ausência de criatividade dos trabalhadores em lidar com a mudança. O relatório revela ainda que, mesmo perante a abundância de trabalhadores qualificados, há competências críticas que estão a escassear. Saiba quais
POR HELENA OLIVEIRA

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Há pouco mais de três anos, quando o mundo se viu a braços com aquela que viria a ser chamada Grande Recessão, era assumido que as empresas sedeadas no mundo desenvolvido enfrentavam um fosso crescente entre as suas necessidades de contratação e as pools de talento disponíveis. A chegada à idade de reforma de muitos “baby boomers” e as grandes questões demográficas – nomeadamente o envelhecimento da população e as reduzidas taxas de natalidade – iriam, para muitos líderes de negócio e decisores políticos, continuar a remover os trabalhadores da força de trabalho a um ritmo muito mais rápido do que a sua capacidade para os substituir. Contudo, em pleno 2011 e com os níveis de desemprego elevado a persistirem, a quantidade de talento disponível continua a ser muito superior à procura. Mas e mesmo assim, as empresas sedeadas nos países desenvolvidos continuam a queixar-se de uma escassez de competências criticas mesmo quando a força de talento é abundante.

Esta é uma das conclusões do Global Talent Index Report: the Outlook to 2015, um índice criado em 2007 pela Economist Intelligence Unit e em parceria com a consultora Heidrick & Struggles. Com o propósito de comparar países no que respeita à sua capacidade de desenvolver, atrair e reter talentos aborda, de forma complementar e através de um inquérito, executivos de topo de todo o mundo como forma de “sentir o pulso” dos desafios que as suas organizações enfrentam nesta matéria. O recém-publicado GTI 2011-2015 engloba 60 países (até agora eram apenas 30) e contou com 441 entrevistas realizadas a executivos seniores, metade dos quais a ocuparem função de gestão de recursos humanos.

O que revela então este Índice de Talento Global não só no que respeita aos países que dele fazem parte, como também às preocupações manifestadas pelos executivos entrevistados? O VER resume as principais conclusões.

As estrelas da(s) companhia(s)
Apesar de não constituir uma grande surpresa, são os Estados Unidos que lideram, isolados, o ranking dos 60 países representados no índice. No top 10, quatro países nórdicos (3 dos quais no top 5) exibem a sua capacidade para produzir e reter talento, sendo de destacar igualmente a boa performance de Singapura (5ª posição), da Austrália (6ª) e de Hong Kong (8º lugar) e a de Israel e da Holanda, que partilham o 10º lugar. Portugal aparece na 26ª posição.

No que respeita aos Estados Unidos, as razões para a liderança são claras: a elevada qualidade da sua força de trabalho, em termos de adaptabilidade e inovação e o seu ambiente de meritocracia, relativamente desimpedido por leis de trabalho intervencionistas, liberaliza o talento e encoraja-o a florescer. De sublinhar igualmente a excelência do seu ensino superior: quase uma em cada três universidades posicionadas no ranking das 500 melhores do mundo está sedeada nos Estados Unidos, o que resulta numa “produção” de talentos muito bem equipados com o rigor intelectual necessário para prosperarem nesta economia do conhecimento extremamente competitiva.

Já os países nórdicos apresentam como grande impulsionador dos seus óptimos resultados o facto de disponibilizarem um elevado orçamento governamental, enquanto percentagem do PIB, em todos os níveis de educação – do pré-escolar até à universidade – o que explica, em grande parte, os melhores resultados alcançados face a outros rivais proeminentes também presentes no ranking. De referir que as competências técnicas e linguísticas da sua população activa são particularmente fortes. Para 2015, o índice prevê que seja a Suécia a dar um salto maior (neste momento posiciona-se em 7º lugar) devido a uma maior flexibilização das suas leis laborais e com a adopção prevista de práticas remuneratórias mais flexíveis que resultarão numa oferta mais equitativa em termos de recompensas pela excelência demonstrada.

De acordo com o relatório, existe uma certeza: o talento floresce nos países desenvolvidos com economias saudáveis (mesmo que sofram algumas perturbações pontuais) e que apresentam sistemas políticos democráticos, o que não é de todo uma novidade. A Europa ocidental poderá até ser a região que maiores fraquezas demográficas ostenta mas, em conjunto com os Estados Unidos, posiciona-se confortavelmente no índice em causa.

Existem, contudo, algumas disparidades regionais para as quais o relatório alerta. A título de exemplo, a performance da Ásia é estimulada por algumas regiões, como é o caso de Singapura, Hong Kong e Taiwan e, de forma similar, o Médio Oriente está muito bem representado por Israel.  Já na Europa, todos os países do norte e do centro apresentam resultados significativamente superiores aos atingidos pela Espanha, Grécia, Itália e Portugal. Na América latina, sobressaem os bons resultados da Argentina e do Chile e, países do leste europeu, como a República Checa, a Polónia, a Hungria e a Eslováquia estão à frente dos seus “homólogos” na antiga União Soviética. Resta ainda falar de África que, neste índice, lista a África do Sul como detentor de algumas melhorias consideráveis, nomeadamente uma maior aposta na educação e, no final da tabela, a Nigéria, apesar de um crescimento rápido na sua população.

Falta de criatividade para lidar com a mudança preocupa empresas
Como já foi anteriormente referido, para além da perspectiva internacional dos ambientes de talento nos diversos países representados, o GTI aborda igualmente o “pensamento organizacional” global com base em entrevistas feitas a 441 executivos seniores, realizadas entre Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011 e em múltiplos sectores.

Apesar de a maioria dos executivos auscultados ter afirmado possuir um grau de confiança aceitável no que respeita à capacidade das suas empresas atraírem e reterem talentos nos próximos dois anos, para além de não terem demonstrado sinais de pessimismo no que respeita à economia, acreditando nas perspectivas de crescimento para o mesmo período, foram reveladas algumas preocupações de natureza diferente.

Enquanto dois terços dos respondentes afirmaram estar satisfeitos com a qualidade das contratações efectuadas nos últimos dois anos, quase um terço afirma não sentir essa satisfação, número esse que ascende aos 37% na Ásia. Por outro lado, 29% dos inquiridos afirmaram também que não estão confiantes relativamente à possibilidade de atrair e reter o talento necessário nos próximos tempos, valor que, mais uma vez, é superior na Ásia (32%).

De acordo com Martin Walker, director sénior na consultora A T Kearney, “existe uma escassez, e de uma forma mais notória, de pessoas que possuam competências de negócio internacionalizadas o suficiente para que possam fazer um bom trabalho ao nível da gestão sénior em empresas globais”.

Uma outra causa de preocupação organizacional revelada pelo inquérito prende-se com a escassez de competências “soft”. E quando questionados sobre a principal limitação dos seus recrutados seniores, “a ausência de criatividade na superação de obstáculos” aparece no topo da lista. Para Karl-Heinz Oehler, vice-presidente da Hertz Corporation, “os mais raros traços de personalidade em todo o mundo são a resiliência, a adaptabilidade, a agilidade intelectual e a versatilidade. Ou, por outras palavras, a capacidade de lidar com uma situação desafiadora e não ficar paralisado por ela”.

A preocupação com a inexistência de criatividade é particularmente aguçada na Ásia e na América Latina, o que indica que os trabalhadores destas regiões em particular são condicionados para pensar “em linha recta” e pouco dispostos a se adaptarem a circunstâncias de mudança. Para a Economist Intelligence Unit, é possível especular que, na questão da ausência de criatividade, não é a capacidade de executar os conteúdos básicos da posição que está em causa, mas antes uma preocupação de que muitos candidatos não possuam ainda a compreensão e sensibilidade necessárias para navegar nas intrincadas ondas que caracterizam as politicas internas de uma organização global e, por outro lado, não consigam lidar com os backgrounds culturais extremamente diversificados que compõem a força de trabalho da actualidade.

O caso da China
Nas conclusões do Índice de Talento Global, a Economist Intelligence Unit e a Heidrick & Struggles revelam que as empresas estão muito mais dispostas a enviar expatriados para a Ásia do que para qualquer outra região emergente, com a China a figurar como o país de destino eleito. E se o inquérito feito aos executivos demonstra que uma minoria substancial em todo o mundo tem algumas reservas sobre a qualidade existente nas suas contratações recentes ou no que respeita às perspectivas de contratarem as pessoas certas num futuro próximo, o mesmo confirma igualmente que a Ásia representa um desafio particular: ou seja, os trabalhadores locais qualificados disponíveis não conseguem simplesmente acompanhar o ritmo do crescimento desenfreado da economia.

De acordo com o relatório, é muito difícil divisar a forma como as multinacionais serão capazes de evitar uma guerra disruptiva, e crescentemente dispendiosa, em torno dos melhores trabalhadores nos países emergentes e, particularmente, na China. É que o mundo empresarial já percebeu que o envio contínuo de expatriados não é, por ser tão caro, o ideal. É cada vez mais necessário produzir-se o talento localmente de forma a desenvolver os negócios e tornar as suas operações mais sustentáveis. Todavia, para as multinacionais a operarem na China, este objectivo racional não será facilmente exequível.
Em suma e de acordo com o GTI, a qualidade geral da força de trabalho tem ainda muito espaço para ser melhorada e as alterações demográficas irão precipitar uma queda significativa no número de novos activos no mercado laboral. E, por último, as empresas locais são agora concorrentes mais realistas no que respeita à formação de talentos.

 

Editora Executiva