POR MÁRIA POMBO
O envelhecimento activo tem sido um tema debatido nos últimos anos, um pouco por toda a parte, mas a verdade é que são muitos os idosos que ainda se sentem discriminados, esquecidos e ignorados pelos restantes grupos da sociedade. Exemplo disso mesmo são os testemunhos retratados no relatório “In our own words” da Global Alliance for The Rights of Older People (GAROP) que o VER apresentou recentemente, os quais revelam o tratamento diferenciado, quase sempre pela negativa, “sentido pelos idosos em inúmeros aspectos da sua vida, desde as relações familiares e com colegas de trabalho, à comunidade a que pertencem ou às redes sociais”, não esquecendo as políticas governamentais e a legislação.
A reforma ocupa, actualmente e em média, um quarto da vida da população e implica um conjunto obrigatório de mudanças na vida das pessoas, e para as quais não há uma preparação obrigatória. Entre as mudanças mais comuns contam-se o surgimento de algumas doenças e dores, a diminuição do círculo de pessoas com as quais os reformados convivem, assim como o aumento exponencial do tempo livre. Todos estes factores conjugados conduzem facilmente os idosos ao isolamento e potenciam o sentimento de tristeza e a exclusão social dos mesmos.
Foi a pensar naqueles que vêem diminuídas as suas oportunidades por força da idade que já atingiram, ou estão prestes a atingir, que nasceu o Projecto R. Em poucas palavras, trata-se de um programa de planeamento da transição para a reforma. A ideia é contrariar o sentimento de frustração e de incapacidade, mostrando aos idosos que não são as “sobras” da sociedade e acompanhando-os nesta importante fase da vida.
Desconstruir preconceitos e fomentar uma atitude de aprendizagem na reforma são dois dos principais objectivos desta iniciativa, a qual pretende ainda incentivar uma atitude positiva face ao envelhecimento, valorizando o contributo e o valor dos seniores para a sociedade e aumentando assim o círculo social dos mesmos.
Promover a autonomia descobrindo talentos
O Projecto R é um programa de formação, reflexão e acompanhamento e pressupõe a frequência de três módulos (Informação, Auto-conhecimento e Projecto de vida) que serão abordados em duas fases (Desenvolvimento e Concretização).
A fase do Desenvolvimento tem a duração de cerca de um mês e é uma fase mais teórica e introspectiva. Aqui, os participantes começam por ser incentivados (módulo Informação) a reflectir sobre as mudanças que podem sofrer e as estratégias que podem utilizar para lidar com as mesmas. O módulo do Auto-conhecimento pretende “extrair” dos participantes as motivações, os interesses e as capacidades que têm ou gostariam de desenvolver. Finalmente, serão pensados os objectivos dos participantes para a fase da vida que se aproxima e as actividades a que se podem dedicar (e estamos perante o momento em que é traçado o Projecto de vida).
[pull_quote_left]A ideia é contrariar o sentimento de frustração, mostrando aos idosos que não são as “sobras” da sociedade[/pull_quote_left]
Na fase da Concretização, que se deverá realizar entre o segundo e o quarto meses, os participantes irão, de forma acompanhada e gradual, pôr em prática tudo o que desenvolveram anteriormente, contando com a rede de parceiros deste projecto, a qual permitirá a sua integração em diversas actividades e grupos (de que são exemplo projectos de empreendedorismo, cursos, voluntariado, etc.).
No fim deste processo, os idosos deverão identificar autonomamente as mudanças que possam ocorrer, reconhecendo as melhores formas de resolver os problemas e procurando estratégias que lhes permitam continuar a ter uma vida feliz, preenchida e digna. No fundo, passarão a estar munidos de ferramentas e recursos que lhes vão proporcionar essa continuidade.
A equipa do Projecto R é composta por duas profissionais da área da psicologia, que acreditam na ideia de que todos têm um talento e estão empenhadas em descobri-lo em pessoas com mais de 65 anos, convictas de que este é um período de realização pessoal.
Com base em experiências de outros países, as promotoras desta iniciativa defendem que “planear a transição para a reforma reduz o risco de depressões e auxilia as pessoas a viverem de forma mais activa e com mais qualidade de vida o período da reforma”. No entanto, os benefícios deste planeamento e da actividade sénior não são apenas unilaterais. Ou seja, o facto de um reformado ter um papel activo é benéfico para o próprio, sim, porque lhe permite ter uma maior qualidade de vida durante mais tempo, mas não se esgota nele.
A importância do envelhecimento activo para as empresas tem crescido, em conjunto com a consciência de que desempenham um papel socialmente responsável, aumentando a percepção de que “contribuem para a saúde e bem-estar dos seus colaboradores e reconhecem o trabalho desenvolvido pelos mesmos ao longo da sua carreira”. Por fim, os benefícios recaem sobre a economia, na construção de uma sociedade “mais justa, produtiva e saudável”.
As previsões da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) apontam para um crescimento de cerca de 16% da população que tem entre 55 e 64 anos até 2030, resultado do aumento da esperança média de vida. Sendo este o único grupo etário a revelar uma tendência crescente, as principais consequências estão relacionadas com o aumento das taxas de emprego de trabalhadores mais velhos, as quais não poderão ser acompanhadas de taxas de emprego jovem igualmente crescentes, levando os trabalhadores a suspenderem a sua actividade antes do tempo, por motivos de saúde.
Em Portugal, o cenário será idêntico. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, o índice de envelhecimento entre 2012 e 2060 poderá aumentar de 131 para 307 idosos, por cada cem jovens. Mesmo nos cenários mais optimistas, os quais pressupõem a recuperação de saldos migratórios de negativos para positivos, as tendências apontam para a impossibilidade de estes serem suficientes para travar o envelhecimento da população. O resultado é o aumento de idosos e a diminuição de nascimentos, o que implica a diminuição de jovens a entrar no mercado de trabalho.
[pull_quote_left]Planear a reforma é fundamental para perpetuar o sentimento de felicidade nos idosos e o seu contributo para a economia[/pull_quote_left]
Planear a reforma revela-se, assim, fundamental para perpetuar o sentimento de felicidade nos idosos e o seu grande contributo para a economia. O conceito de Gestão da Idade (GI) no local de trabalho, promovido pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, pretende incutir nas organizações a importância de estas apoiarem os seus trabalhadores em fim de carreira, dando-lhes a oportunidade de desempenharem funções de forma digna e feliz, e promovendo o diálogo inter-geracional e a resolução de problemas de uma forma pró-activa.
Desta forma, e para orientar as organizações, esta entidade da União Europeia definiu os objectivos que devem ser tidos em conta pelas empresas e que, embora não sejam novos, são muitas vezes desconhecidos ou ignorados. O primeiro desses objectivos passa por fomentar uma maior consciencialização acerca do envelhecimento, a qual dá origem à tomada de atitudes mais justas em relação à população sénior. A GI deve, ainda, pertencer ao leque de deveres fundamentais dos gestores, integrando-se na política de recursos humanos das empresas. Promover a capacidade de trabalho e a produtividade, articulando-as com a aprendizagem ao longo da vida, constitui igualmente uma regra a ser tida em conta, segundo o documento em causa.
Finalmente, a UE defende que devem ser promovidas formas de trabalho compatíveis com a idade, originando uma transição segura e digna para a reforma. Uma dessas formas está relacionada com a redefinição de algumas tarefas (como a redução da carga física ou a introdução de pequenos intervalos ao longo do dia), a qual origina o aumento da capacidade de trabalho, assim como da produtividade e do bem-estar dos seus trabalhadores.
Com o aumento da população idosa e a diminuição da população jovem, Portugal assiste a um decréscimo do índice de renovação da população em idade activa (definida pelo INE como “a relação entre a população que potencialmente está a entrar e a que está a sair do mercado de trabalho”). Segundo este índice, em 2001, entravam cerca de 143 jovens no mercado de trabalho, por cada cem pessoas que se reformavam, número que caiu para 94, em 2011. Para 2060, espera-se que por cada cem pessoas que se aposentam, sejam apenas 72 os jovens que ocupam os seus lugares.
O cenário ideal, para Portugal e para a Europa, seria aquele em que às políticas de envelhecimento activo se aliam as medidas de apoio à natalidade e de retenção de talento jovem. Mas como essa aliança tem sido difícil de estabelecer, cabe a cada um fazer o possível por tornar mais digna e feliz a vida dos que ficam. Cabe aos próprios idosos, porque é primeiramente seu o ónus de fazerem os possíveis por ter uma reforma sem sobressaltos, mas cabe também às organizações, as quais usufruíram durante anos das competências dos seus colaboradores.
Por fim, promover a dignidade da população sénior é um direito e um dever da nossa sociedade que, felizmente, tem revelado pretensões de ser justa e saudável. O Projecto R é (apenas) um exemplo de uma boa prática.
Jornalista