É conhecido como o Estudo de Harvard, ao mesmo tempo que é também considerado como a mais longa análise sobre desenvolvimento humano da História. Com início em 1938, tem como objectivo descobrir o que realmente contribui para uma vida (mais) feliz, acompanhando ao longo dos últimos 85 anos, as vidas de mais de duas mil pessoas, cobrindo três gerações. E é para continuar. Os resultados obtidos até agora foram publicados em livro pelos actuais responsáveis do estudo que asseguram que “são as relações fortes que no mantêm mais felizes e saudáveis, e ponto final”
POR HELENA OLIVEIRA
Chama-se Harvard Study of Adult Development , teve início em 1938, chegou aos dias de hoje e a ideia é continuar. Ao longo de mais de 80 anos, o Estudo de Harvard tem vindo a rastrear os mesmos indivíduos e respectivas famílias, fazendo milhares de perguntas e centenas de avaliações – desde exames ao cérebro a análises hematológicas – com o objectivo de descobrir o que realmente contribui para uma vida (mais) feliz. Até nota em contrário, este é o estudo sobre desenvolvimento humano mais longo da história, na medida em que, ao longo dos últimos 85 anos, acompanhou as mesmas pessoas, cobrindo até agora três gerações. O objectivo: tentar encontrar dados científicos que “expliquem” o que mais feliz faz as pessoas. Dado que a maioria dos participantes já morreu, como afirma o seu actual director Robert Waldinger numa TED Talk [de acesso limitado], os dados que continuam a ser recolhidos são os dos filhos destes que são hoje Baby Boomers.
É, assim, uma aventura científica extraordinária, liderada pela Harvard Business School e o Massachusetts General Hospital, que tem vindo a estudar as vidas de mais de duas mil pessoas neste projecto de pesquisa longitudinal, o qual começou em Boston, em 1938, com dois grupos, ou estudos, em que um não fazia ideia da existência do outro e vice-versa.
As histórias pessoais dos participantes no Estudo de Harvard e os seus principais frutos são reforçados pelos resultados de investigação de muitos outros estudos longitudinais e que, de uma maneira geral, concluem que são as relações, em todas as suas formas – amizades, parcerias românticas, famílias, colegas de trabalho, parceiros de ténis, membros de clubes de leitura, etc. – que mais contribuem para uma vida mais feliz e mais saudável.
O actual director do programa (o quarto desde o seu início), Robert Waldinger, Psiquiatra, em conjunto Mark Schulz, consultor científico e director associado, lançaram, em Janeiro último, o livro The Good Life: Lessons From the World’s Longest Scientific Study of Happiness, no qual apresentam vários dos resultados obtidos ao longo destas oito décadas, partilhando igualmente o que os participantes mais felizes (e mais infelizes) têm/tiveram a dizer sobre o lugar da felicidade ou infelicidade nas suas vidas, e como colocar boas lições em prática, pois ser feliz não obedece a nenhuma faixa etária em particular.
Para os autores, e ao longo de todos os anos de estudo destas vidas, o que mais se destaca pelo seu impacto na saúde física, saúde mental, e longevidade são as relações fortes. Ou, como resumem Waldinger e Schulz: “Boas relações mantêm-nos mais felizes e mais saudáveis. Ponto final”.
O problema deste estudo é que, tendo tido início em 1938, e numa cidade como Boston, com 97,4% de caucasianos, não incluiu, ao longo de muitos anos, nem negros nem mulheres. Apesar de politicamente incorrecto, e passado algum tempo, este foi-se expandido para incluir igualmente um equilíbrio de género, mas novamente sem a participação de negros, pois o início do estudo realmente começou com os caucasianos de Boston, os quais continuam a ser estudados. Contudo e paralelamente, Waldinger e Schulz incorporaram resultados de outros estudos que são mais diversificados para garantir que o que apresentam neste livro não é específico da população branca de Boston, com as demais análises a chegarem a resultados muito similares ao Estudo de Harvard, em grupos mais diversificados de pessoas.
Num excerto do livro, os autores escrevem que todos os estudos longitudinais, bem como o de Harvard, testemunham a importância das ligações humanas. Mostram que as pessoas que estão mais ligadas à família, aos amigos e à comunidade são mais felizes e fisicamente mais saudáveis do que as pessoas que não têm relacionamentos fortes. Em contrapartida, as pessoas que se sentem mais isoladas, vêem a sua saúde diminuir mais cedo do que as pessoas que se sentem ligadas aos outros. As pessoas solitárias também têm vidas mais curtas. Infelizmente, e como afirmam, este sentimento de desconexão em relação aos outros está a crescer em todo o mundo. Cerca de um em cada quatro americanos relatam sentir-se solitários, o que se traduz em mais de sessenta milhões de pessoas. Na China, a solidão entre os adultos mais velhos aumentou acentuadamente nos últimos anos, e a Grã-Bretanha nomeou, já há alguns anos, um ministro da solidão para enfrentar o que se tornou um enorme desafio de saúde pública. Existem inúmeras razões sociais, económicas e tecnológicas para tal, mas independentemente das causas, os dados não poderiam ser mais claros: a sombra da solidão e da desconexão social paira sobre o nosso mundo moderno “sempre ligado”.
Num entrevista à McKinsey no âmbito da publicação recente do livro cima enunciado, a seguinte questão foi colocada a Waldinger: “como é possível separar as relações das questões económicas, da boa ou má sorte, de uma infância difícil, ou de qualquer outra circunstância importante que afecte o que sentimos no dia-a-dia? É realmente possível responder à pergunta: o que faz uma boa vida?”
Para Waldinger, e depois de estudar centenas de vidas “inteiras”, é possível confirmar o que todos nós já sabemos: que uma enorme variedade de factores contribui para a felicidade de uma pessoas e que o delicado equilíbrio das questões económicas, sociais, psicológicas e de saúde é muito complexo e está em constante mudança. Raramente se pode dizer, com absoluta confiança, que um único factor contribui para qualquer que seja resultado. Mas dito isto, o director do Estudo de Harvard assegura que há realmente respostas para esta pergunta. “Se olharmos para os mesmos tipos de dados repetidamente ao longo do tempo, através de um grande número de pessoas e estudos, os padrões começam a emergir e tudo se torna mais claro. Entre os muitos elementos de saúde e felicidade, desde uma boa dieta ao exercício físico até ao nível de rendimento auferido, uma vida de relações boas destaca-se pelo seu poder e consistência”.
Nunca é tarde de mais
A partir das suas pesquisas, os autores garantem que nunca é demasiado tarde para se ser feliz, estado que não deixa de ser efémero, mas que pode ser cultivado e transformar-se, no geral, na “boa vida” que qualquer ser humano procura.
É verdade, afirmam os autores no livro, que os genes e as experiências moldam a forma como se olha para o mundo, a maneira como se interage com outras pessoas e como se responde a sentimentos negativos. E é igualmente verdade que as oportunidades de progresso económico e de dignidade humana básica não são equitativamente distribuídas para todos, e são muitas as pessoas que nascem em posições de desvantagem significativa. Todavia, e como defendem, as diferentes formas de estar no mundo “não estão gravadas na pedra, mas sim fixadas na areia”. Ou seja o que Waldinger e Schulz querem dizer é que uma má infância não tem de ser o destino de quem a viveu, bem como a disposição natural ou o bairro em que se nasceu, apesar de em muitos casos estes factos marcarem negativamente a vida de milhares de milhões de pessoas.
E garantem que a sua pesquisa corrobora estas descobertas. Nada de mau que aconteça na vida de uma pessoa a impede de se ligar aos outros, de prosperar e de ser feliz. O problema, afirmam, é que as pessoas pensam que quando chegam à idade adulta a sua existência e o modo de vida que têm estão já definidos. Mas o que os autores descobriram ao olhar para a totalidade da investigação sobre este “desenvolvimento humano” é que esta premissa é falsa e que é sempre possível uma mudança significativa na vida.
Os autores não deixam contudo de falar sobe o problema da solidão, que realmente afecta tanto o estado de espírito como a saúde física e “que muitas pessoas estão mais isoladas do que realmente gostariam”. Waldinger e Schulz dizem que usam esta fase por uma razão: a solidão não é apenas a separação física dos outros. O número de pessoas que se conhece não determina necessariamente experiências de ligação ou de solidão e pode-se estar só no meio de uma multidão. O mesmo pode acontecer num casamento ou numa relação amorosa. “De facto, sabemos que casamentos com demasiados conflitos e com pouco afecto podem ser piores para a saúde do que um divórcio”.
Em vez disso, insistem, o que importa é a qualidade das relações. Em termos simples, viver no meio de relações calorosas protege tanto a mente como o corpo.
Os autores que estudaram milhares de pessoas – e cujas histórias são contadas no livro – declaram, e sem surpresas, que não existem vidas sem voltas, reviravoltas e desafios. Mas insistem que nunca é tarde de mais para que coisas boas aconteçam. Como escrevem e a título de exemplo, “as pessoas podem encontrar o amor aos 70 ou aos 80 anos, ou quando menos esperam”. E a nota que querem deixar aos leitores é que, e de acordo com os múltiplos dados que têm vindo a recolher, se uma pessoa pensa que sabe que é demasiado tarde para si encontrar significado na vida, deve pensar duas vezes: a verdade é que nunca se sabe.
As cinco lições e ilações retiradas desta experiência quase centenária
- As relações mantêm-nos mais felizes e saudáveis durante toda a nossa vida, ao mesmo tempo que a solidão corrói a nossa saúde mental e física
Se recuarmos e olharmos para os 84 anos do Estudo de Harvard e reduzirmos as conclusões a um único princípio de vida, ou a um investimento na vida que é apoiado por conclusões semelhantes numa grande variedade de outros estudos, é o seguinte: boas relações mantêm-nos mais saudáveis e mais felizes, sem qualquer sombra de dúvida.
A ciência também nos mostra que a ausência de boas relações diminui a nossa saúde e bem-estar. As pessoas que estão mais isoladas são mais propensas a ter problemas de saúde do que as pessoas que se sentem ligadas aos outros. As pessoas solitárias têm também vidas mais curtas. A solidão crónica – e que está a crescer em todo o mundo – aumenta as probabilidades de morte de uma pessoa em 26%. Assim, e como diz a ciência, cultivar relações calorosas é a resposta para uma vida saudável e mais feliz.
- As relações não “cuidam” de si mesmas e requerem manutenção e renovação activas
Temos tendência a pensar que uma vez estabelecidas as amizades e as relações íntimas, elas “cuidarão” de si próprias. Mas, tal como os músculos, as relações negligenciadas atrofiam.
Quando os participantes do Estudo de Harvard atingiram os seus 70/80 anos, foi-lhes perguntado se sentiam algum arrependimento por algo que tivessem ou não feito durante as suas vidas. E foram muitos os disseram que lamentavam não ter tido mais cuidado com as suas relações. Falaram de amigos com quem perderam contacto e familiares próximos com os quais desejavam ter passado mais tempo, como por exemplo, Lydia, com 78 anos a afirmar “quem me dera ter passado muito mais tempo com os meus filhos e menos tempo no trabalho”. Já nas camadas mais jovens que estão a ser estudadas, Waldinger e Schulz afirmam que é comum ouvir pessoas na casa dos 20 anos (e mais velhas) a declarar; “é demasiado tarde para mim porque eu não sou bom a construir relações. Nunca me irá acontecer e por isso, desisto”. E foram várias as pessoas no Estudo de Harvard que realmente desistiram, e quando menos separavam, algo de bom lhes aconteceu.
Os autores chamam também a atenção para o facto de que saber como melhorar as nossas ligações sociais – a nossa aptidão social – não é fácil, o mesmo acontecendo com a avaliação que se faz da mesma, requerendo uma auto-reflexão sustentada.
Ou seja, tal significa que nos devemos afastar das distracções da vida moderna, fazer um balanço das nossas relações, e ser honesto connosco próprios em que é que estamos a dedicar o nosso tempo e se estamos a cuidar das ligações que nos ajudam a prosperar. Significa também perguntarmo-nos o que achamos mais problemático nas relações e começarmos a empenhar-nos para fazer melhor.
- As relações de todos os tipos são importantes, mas todas têm desafios complexos
Não é preciso estar casado ou ter um companheiro/a para colher os benefícios das relações e levar uma boa vida. Uma parceria íntima pode trazer grande alegria, mas obtemos benefícios de todos os tipos de relações. Podemos beneficiar de amizades próximas, ligações com familiares – pais, tias, primos, crianças – pessoas com quem trabalhamos, e até de relações casuais como a pessoa que vemos no autocarro a caminho do trabalho ou a pessoa que entrega o nosso correio.
O facto é que as relações servem tantas funções que é muito pouco provável, e também pouco saudável, que consigamos tudo o que precisamos numa só pessoa.
Embora seja evidente que as relações são críticas para o nosso bem-estar, muitos de nós lutamos com “detalhes” nas relações. Isto não é assim tão surpreendente, uma vez que as relações são frequentemente confusas e desafiadoras, para além de imprevisíveis. As diferenças de opinião ou de preferências são quase inevitáveis nas relações, assim como os sentimentos de desilusão ou vulnerabilidade.
As relações, tal como a própria vida, são complicadas. Podem ser envoltas em alegria ou amor, mas também em dor. É quase impossível ter uma sem a outra. Uma boa vida, de facto, é forjada precisamente a partir das coisas que a tornam difícil. Os desafios são oportunidades de crescimento e há que saber lidar com os mesmos para melhorar os relacionamentos.
- A nossa atenção é o nosso recurso mais precioso
Como devemos gastar o nosso tempo e atenção? Por causa da brevidade e incerteza da vida, esta é uma questão que tem profundas implicações na nossa saúde e felicidade. Os autores citam um adágio budista que diz: “Se apenas a morte é certa e a hora da morte é incerta, então o que devo fazer”?
Waldinger e Schulz sugerem que paremos um minuto a pensar num amigo ou parente que apreciemos, mas com o qual não passamos tanto tempo como gostaríamos. Pense agora na frequência com que vê essa pessoa. Todas as semanas? Uma vez por mês? Uma vez por ano? Pode fazer as contas e projectar quantas horas num único ano pensa que passa com essa pessoa. Seja qual for esse número, contraste com a quantidade de tempo que a pessoa média gasta hoje em dia nos ecrãs.
Só em 2018, e segundo os autores, os americanos passaram onze horas todos os dias a interagir com os meios de comunicação, desde a televisão à rádio até aos smartphones e redes sociais. Dos 40 aos 80 anos de idade, este tempo traduz-se em dezoito anos de vida acordada.
A sugestão é decidir a quem e ao que damos a nossa atenção, conferindo prioridade às relações e escolher estar com as pessoas que importam. Desenvolvendo a nossa curiosidade e estendendo a mão aos outros – familiares, entes queridos, colegas de trabalho, amigos, conhecidos ou mesmo estranhos – com uma pergunta ponderada de cada vez a par de um momento de atenção dedicada e autêntica, reforça os alicerces da “boa vida”.
- Nunca é demasiado tarde para melhorar as nossas relações com os outros
Uma das histórias do livro conta a vida de Andrew Dearing, a qual é descrita como a mais difícil e isolada comparativamente à de qualquer participante no estudo. Quando era criança, a família de Andrew mudou de residência muitas vezes, o que se traduziu na falta de envolvimento com amigos duradouros. As suas lutas com ligações significativas continuaram mesmo depois de ter casado na casa dos 30 anos. Quando lhe foi pedido, em meados dos anos 60, para descrever os seus amigos mais próximos na vida e o que significaram para ele, Andrew escreveu simplesmente “ninguém”.
Quando Andrew tinha 67 anos e atacado por problemas de saúde, foi forçado a reformar-se de um emprego que era uma das poucas fontes de prazer e ligação na sua vida. Por volta dessa mesma altura, decidiu terminar o seu casamento. Estava mais solitário do que nunca. E foi quando decidiu começar a frequentar um ginásio perto da sua casa. Três meses mais tarde, Andrew conhecia toda a gente que frequentava esse mesmo ginásio, tendo descoberto também que alguns deles partilhavam o amor por filmes antigos, começando a juntarem-se para ver filmes. Quando o autores falaram com Andrew nos seus 80 anos, foi-lhe perguntado com que frequência saía de casa para ver outras pessoas ou se as pessoas o visitavam. Ele respondeu, “diariamente”, o que foi uma grande mudança em relação à sua resposta anterior.
Vivemos num mundo que anseia por uma maior ligação humana. Por vezes podemos sentir que estamos à deriva na vida, que estamos sozinhos e que já passámos o ponto em que podemos fazer qualquer coisa para mudar isso. Andrew tinha-se sentido assim, mas estava errado. Não era demasiado tarde. Porque a verdade é que nunca é tarde de mais.
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