Em 2013, os CEOs norte-americanos ganharam, em média, 296 vezes mais do que os trabalhadores comuns. E não foi por isso que se esfalfaram a trabalhar para as empresas que lideram se destacarem em termos de performance. Pelo contrário, e como evidencia um estudo recentemente lançado, quanto mais principescamente pagos foram estes senhores, piores foram os seus resultados

POR HELENA OLIVEIRA

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NOTA PRÉVIA: Se visualizou o vídeo que abre este artigo, vai querer saber, com mais detalhe, o que aconteceu às remunerações dos CEOs ao longo dos últimos trinta anos (v.Caixa). Todavia, e antes de mais, siga o rasto das quantidades astronómicas de dólares que enchem os bolsos dos CEOs mais bem pagos da América e cujo peso de ouro não se traduz em performances tão douradas quanto seria de se esperar.

Larry Ellison é, de acordo com o ranking da revista Forbes para 2014, o 5º homem mais rico do mundo. O co-fundador e CEO da Oracle resolveu, em 2013, recusar o seu bónus de performance e aceitar, ao longo desse mesmo período, um dólar de vencimento. Esta recusa e o humilde salário de um dólar anual não o impediram, de acordo com a lista anual da CNN Money, de ser o CEO mais bem pago do mundo no ano que passou: 78,4 milhões de dólares, na sua esmagadora maioria, provenientes da sua remuneração com base em acções, e detentor de quase o dobro do segundo classificado, o CEO da Disney, Bob Iger, que “apenas” recebeu 34,3 milhões. Mesmo assim, Ellison recebeu, em 2013, menos 18% face ao ano anterior: em 2012, o capitão da Oracle, de quase 70 anos e que não deseja arredar pé do seu cargo – é o CEO com maior “longevidade” no cargo na indústria da tecnologia, ocupando-o desde 1977 e nunca falando em sucessão – encheu os bolsos com cerca de 96 milhões de dólares. As histórias de CEOs e executivos de topo principescamente pagos sempre fizeram correr muita tinta. E, como em todas as histórias, há os que se chocam com os pacotes de benefícios mais do que chorudos que recheiam as contas bancárias desta espécie de trabalhadores “mais do que favorecida” e outros que defendem que a capacidade, experiência e inteligência dos que se encontram à frente de empresas bem-sucedidas devem ser devidamente recompensadas. Adicionalmente, o comum dos mortais sabe que quando uma empresa oferece salários e pacotes de benefícios dignos de uma estrela aos seus gestores de topo e, em particular, aos seus CEOs, é porque essa mesma empresa colhe frutos dourados mais do que suficientes para compensar os milhões despendidos com as ditas celebridades, certo? Bem, na verdade, e de acordo com um novo estudo, denominado “Performance for Pay? The Relation Between CEO Incentive Compensation and Future Stock Price Performance”, não é bem assim. Três professores, Michael J. Cooper, da universidade do Utah, Huseyin Gulende, da universidade de Purdue e P. Raghavendra Rau, da universidade de Cambridge, publicaram um estudo que tem dado que falar e que foi noticiado, em primeira mão, pela revista Forbes.

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De acordo com a Forbes e nas palavras de Michael Cooper, um dos autores do estudo, “quanto mais bem pagos são os CEOs, pior é a performance da empresa nos três anos seguintes, tanto em termos de desempenho bolsista, como financeiro”. Este estudo, que se distingue dos demais face à amostra representativa de 1500 empresas com as melhores capitalizações do mercado, deita por terra a velha crença de que os CEOs tudo fazem em prol da sua empresa quando da sua performance dependem os seus próprios pacotes de benefícios – o que explica(va) igualmente o motivo devido ao qual os mais bem pagos CEOs do mundo recebem a esmagadora maioria da sua remuneração sob a forma de pacotes de incentivos que incluem acções e/ou participação nos lucros. Para realizarem o seu estudo, os autores utilizaram dados do período entre 1994 e 2011, da Execucomp, uma base de dados que lista os salários dos executivos de topo, bónus e acções, sendo que muitas empresas listadas pertencem ou ao ranking da Fortune 500 ou à lista da Standard & Poor’s 1000. Os autores analisaram igualmente as remunerações e a performance das empresas ao longo de três anos face a um período de tempo mais alargado – de 1994 a 2013 – e compararam, como explica a revista Forbes, aquelas cuja performance é considerada como “anómala” relativamente aos rendimentos e lucros das suas congéneres no mesmo campo de actuação. E foi assim que chegou a primeira surpresa: quanto maior foi a remuneração total dos CEOs, pior a performance das suas empresas. E, segunda surpresa, este efeito é particularmente pronunciado nas 150 empresas que oferecem aos seus CEOs as mais chorudas compensações. Dada toda a polémica que envolveu as pesadas e ainda não esquecidas feridas financeiras causadas pela Grande Recessão, a Forbes não deixou passar a oportunidade de recordar que, entre estes gigantes e os seus líderes pagos a peso de ouro, se encontram as super-estrelas da banca como o CEO do JP Morgan Chase, Jamie Dimon (que arrecadou 20 milhões de dólares em 2013) ou Lloyd Blankfein, do Goldman Sachs, que meteu ao bolso 28 milhões de dólares no mesmo ano (apesar de o estudo não revelar resultados individuais). Salvaguardando algumas honrosas excepções, o estudo detalha ainda mais as empresas, enquanto grupo, cujos líderes ficaram nos 10% “superiores” da escala dos mais bem pagos e que tiveram as piores performances. “E quão piores?”, questiona a Forbes. De acordo com o estudo, estas empresas tiveram um retorno para os accionistas 10% inferior face aos seus pares na (mesma) indústria, sendo que quanto mais alto se sobe na escada das remunerações douradas – os CEOS que pertencem ao patamar dos 5% mais bem pagos – pior é a queda da performance das empresas, que pode ascender, em média, aos 15%.

Excesso de confiança e favorecimento

Para os três professores que analisaram estes surpreendentes dados, a razão que mais salta à vista para esta disfunção entre remunerações elevadas e fracas performances empresariais resume-se a um comportamento simples: excesso de confiança. Os CEOs que recebem estes valores, que podem ser considerados verdadeiramente escandalosos principalmente quando comparados aos dos demais trabalhadores (ver Caixa), tendem a ter um pensamento menos crítico face às decisões que tomam ao leme das organizações que comandam. Como explica Cooper à revista Forbes, “eles ignoram a informação que não se coaduna com aquela que lhes ‘dá mais jeito’ e pensam que têm sempre razão”. Esta arrogância de pensamento tende a transformar-se em investimentos excessivos, os quais se traduzem ou em sobre-investimentos ou em investimentos em maus projectos, os quais não produzem retornos positivos para os investidores.

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Com base no estudo, os três investigadores concluíram que 13% dos 150 CEOs “menos” bem pagos da lista em causa levaram a cabo fusões ao longo do último ano, sendo que o retorno médio destas foi de 0,51% negativo. Por seu turno, entre os recordistas das compensações, 19% optaram também por fusões, cujos acordos resultaram numa performance negativa na ordem dos 1,38% ao longo dos três anos subsequentes. De acordo com os três professores, esta correlação negativa deve-se ao facto de as remunerações elevadas induzirem nos CEOs um excesso de confiança e arrogância, o qual acaba por derivar em perdas de riqueza para os accionistas devido a actividades como investimentos excessivos e destruição de valor nas fusões e aquisições.  “Os retornos são cerca de três vezes mais baixos para as empresas que praticam remunerações elevadas comparativamente às suas congéneres que pagam menos”, acrescenta ainda Cooper. Por último, em termos de argumentos que tentam explicar esta discrepância entre elevadas compensações e performances pobres, o estudo identifica ainda um outro factor de significativa importância: quanto mais tempo o CEO se mantém sentado na cadeira do poder, mais negativamente pronunciadas são as performances das empresas. Para o professor da universidade do Utah, tal deve-se ao facto de estes CEOs terem maiores possibilidades de nomearem “amigos aliados” para os conselhos de administração, os quais, por ficarem tão agradecidos ao líder por tal honra, não se atrevem a discordar dele, mesmo que percebam que este pode estar a tomar uma decisão errada. E é aqui que a questão se complexifica ainda mais, com os resultados a serem denominados por Cooper como “loucos”: para os CEOs que auferem maiores rendimentos, que demonstram elevados níveis de confiança e que há mais tempo estão colados à cadeira do poder, “o retorno para os accionistas é 22% pior ao longo dos três anos subsequentes comparativamente aos seus pares da mesma indústria”. E será que este estudo poderá mudar alguma coisa, não só no que respeita às quantias escandalosas pagas a estes líderes, mas também a uma maior exigência de melhores performances nas empresas que gerem? De acordo com a história recente, nem por isso. Mais uma vez, e se a solução costumava ser a de “amarrar” as remunerações dos CEOs a recompensas distantes no tempo como os incentivos relacionados com a performance ou com a valorização bolsista, o pensamento mais lógico, em termos de estratégia, seria esperar que os CEOs se sentissem encorajados a agir no melhor interesse dos accionistas da empresa.

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E, num outro estudo que não este, o efeito oposto não só se confirma, como ainda é mais pronunciado na altura em que estes senhores recebem a sua recheada fatia: ou seja, quando o prazo para receber todos estes incentivos sumarentos está quase a terminar, o interesse dos CEOs na performance de longo prazo da empresa declina para níveis vergonhosamente baixos. No período de um ano antes da data de diferimento das acções que fazem parte do seu pacote de benefícios, os CEOs tendem a gastar menos em investimentos de longo prazo e a concentrarem-se mais nos ganhos de curto prazo, de acordo com um relatório, citado pelo The Washington Post, feito por professores da universidade da Pensilvânia, do Darthmount College  e da London Business School. O mesmo estudo conclui ainda que os investimentos em Investigação & Desenvolvimento baixaram em cerca de um milhão, no ano 2000, nas empresas em que os CEOs estavam a um ano das datas de “vencimento” das suas acções. Para os autores do primeiro estudo, existem pelo menos duas soluções para esta realidade. Uma seria a de aumentar as cargas de impostos para as empresas que são recordistas em remunerações desproporcionais entre executivos de topo e os demais trabalhadores (v. caixa) e a outra seria a de se recorrer a cláusulas nos contratos destes executivos que obrigassem a uma perda dos benefícios se a performance da empresa não fosse a esperada. Mas como nem uma nem outra se assemelham à descoberta da pólvora, se ainda não foram instituídas, é porque não existiu ainda vontade suficiente para as levar para a frente.

Remunerações à prova de bala
O Movimento Occupy [Wall Street], os sindicatos e alguns membros do Congresso norte-americano há muito que têm vindo a tentar que as empresas divulguem mais informações sobre o rácio existente entre os executivos de topo e os demais trabalhadores em termos de remunerações. E se esta cruzada é mais visível nos Estados Unidos da América, tal não significa que nos demais cantos do mundo, a desigualdade obscena que existe entre os que ocupam os cargos cimeiros no topo da pirâmide empresarial e os que se amontoam em cubículos minúsculos não seja também uma realidade.

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Todavia, também é nos Estados Unidos que essa diferença parece ser mais avassaladoramente visível e, por consequência, são também mais os dados existentes que a comprovam. De acordo com o Economic Policy Institute (EPI, na sigla em inglês), um think tank norte-americano cuja missão é informar os cidadãos e, por conseguinte, dar-lhes o poder necessário para procurarem soluções que assegurem que a prosperidade e as oportunidades são justamente partilhadas, em 2013 os CEOs ganharam 296 vezes mais do que os trabalhadores comuns. E esta é apenas uma das conclusões do último relatório realizado pelo EPI e publicado a 12 de Junho último, sobre as compensações dos CEOs. Os últimos 30 anos têm sido prósperos para os executivos de topo norte-americanos, em especial quando a sua prosperidade é comparada – se é que tal é comparável – com a dos comuns dos mortais que pertencem aos 99% da população e até com a de outros profissionais cujas actividades são remuneradas bem acima da média que figura nesta representativa percentagem que se “revoltou” com o remanescente 1% de Wall Street. Para além de dados relativos a 2013, o último relatório do EPI rastreou as remunerações dos abastados CEOs ao longo de várias décadas, para aferir não só os seus rendimentos numa altura de retoma económica, mas também para encontrar evidências – se as houvesse – de que este grupo em particular teria sofrido fortes reveses ao longo da Grande Recessão. Os números que se seguem poderão causar sintomas diversos como incredulidade, raiva, repugnância e outros sentimentos afins. Mas merecem ser divulgados.

Tendências de longo prazo das compensações dos CEOs

Entre 1978 e 2013, as compensações dos CEOs – ajustadas à inflação -, aumentaram 937 por cento, um crescimento maior do que o dobro do crescimento do mercado accionista e substancialmente maior do que o mísero crescimento de 10,2 por cento para os trabalhadores “normais” no mesmo período;

 O rácio de compensação CEO-trabalhador era de 20 para 1 em 1965; de 29,9 para 1 em 1978; de 122,6 para 1 em 1995; na década de 2000, ascendeu a 383,4 para 1 e, em 2013, de 295,9 para 1, ou seja, muito mais elevado do que nos anos de 1960, 1970, 1980 ou 1990;

Se o Facebook – que foi excluído dos dados devido aos seus pacotes de remuneração ainda mais aberrantes do que os que têm sido divulgados – tivesse sido incluído na amostra, a remuneração média do CEO seria de 24,8 milhões em 2013, e o rácio CEO-trabalhador seria de 510,7 para 1;

Compensações dos CEOs relativamente a outros trabalhadores com rendimentos elevados

Ao longo das três últimas décadas, a compensação dos CEOs cresceu muito mais rapidamente comparativamente à de qualquer outro trabalhador com rendimentos substancialmente elevados – aqueles que ganham mais do que os 99,9% dos assalariados. Em 2012, a compensação dos CEOs foi 4.75 vezes superior aos dos restantes que “habitam” no topo do 0,1 por cento dos trabalhadores mais bem pagos;

Também ao longo das três últimas décadas, a compensação dos líderes empresariais teve um aumento muito mais substancial comparativamente a outros trabalhadores altamente remunerados, aumento este muito mais significativo do que aquele que divide os salários dos que têm um curso superior e os outros que apenas completaram o ensino secundário;

Este crescimento das remunerações dos CEOs foi muito mais rápido do que aquele que se verificou nos salários dos restantes que se encontram no patamar do 0,1% dos mais bem pagos, o que indica que o aumento das compensações dos CEOs não só reflecte o crescente valor destes profissionais de elevados rendimentos no denominado “mercado do talento”, como espelha igualmente a presença de rendas substanciais integradas nas remunerações dos executivos (o que significa que estas não reflectem uma maior produtividade dos executivos). Consequentemente, se os CEOs ganhassem menos ou fossem submetidos a uma maior carga fiscal, não existiria nenhum impacto adverso nem nos resultados nem no emprego.

Editora Executiva

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