POR CATARINA NEVES
O que aconteceria se todos os cidadãos europeus recebessem 200 euros por mês a partir de hoje? Esta foi uma das questões que deu o mote para a Conferência Rendimento Básico – Uma Ferramenta para uma Europa Social? que decorreu na Universidade do Minho entre 24 e 26 de Janeiro. Organizada pelo Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS), em parceria com a Escola de Direito da Universidade do Minho, o Centro de Investigação em Justiça e Governação (JUSGOV), a Associação RBI, o Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa, a Universidade do Porto e o Fórum Demos, com o apoio institucional da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, juntou académicos, políticos, estudantes e curiosos, em torno de temas como o Rendimento Básico Universal, a política que propõe dar a todos os cidadãos uma prestação independentemente da idade, da condição profissional e da riqueza.
O contexto era claro: debater de que forma é que o RBI, num contexto como o da União Europeia, poderia contribuir para uma Europa mais social – com mais direitos, maior solidariedade, cidadãos mais emancipados e melhoria no bem-estar e qualidade de vida.
A proposta, trazida por Philippe Van Parijs, professor da Universidade de Louvain, um dos fundadores da Basic Income Earth Network (BIEN) e uma das figuras mais conhecidas quando falamos do RBI, chama-se Euro Dividend e embora o seu valor possa parecer modesto para países com maior rendimento como a Alemanha ou até França, em países como a Bulgária, 200 euros mensais pode possibilitar um incremento em mais de 50% do salário mínimo nacional. Para além do aumento em termos de rendimento, o RBI a nível europeu promete ainda beneficiar os cidadãos em termos da sua emancipação, quer seja pelo aumento do seu poder de decisão e negociação na escolha de um trabalho, quer pela liberdade que providencia, na escolha de trabalhar mais, menos ou de forma diferente.
Para além da presença de Philippe Van Parijs, Jurgen de Wispelaere, Evelyn Forget, Stuart White ou Roberto Merrill, a Universidade do Minho contou ainda com a presença do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva que, numa mesa redonda com Van Parijs, admitiu conhecer o Rendimento Básico e os seus potenciais benefícios, mas expressou algumas das suas preocupações com a medida, nomeadamente o risco de fracturar a sociedade entre os que trabalham e os que subsistem apenas graças à subsidiação do Estado.
[quote_center]O RBI a nível europeu promete beneficiar os cidadãos em termos da sua emancipação, quer seja pelo aumento do seu poder de decisão e negociação na escolha de um trabalho, quer pela liberdade que providencia, na escolha de trabalhar mais, menos ou de forma diferente[/quote_center]
Perante a proposta de um Rendimento Básico a nível europeu, o ministro expressou o seu cepticismo, considerando a medida da seguinte forma: “teria que ser encarada pelo menos à escala ou da Zona Euro ou da União Europeia e levanta-se um problema adicional que é a obtenção de um consenso europeu para esse mecanismo de transferência de rendimentos, coisa que na Europa que temos hoje, em que é tão difícil aumentar o orçamento próprio da União Europeia, me parece uma opção longe de ser concretizável.” Vieira da Silva reforçou ainda o caminho que tem de ser desenvolvido para atingir uma Europa mais social, nomeadamente a obrigatoriedade de garantir que todas as formas de trabalho deverão ver asseguradas direitos a quem as pratica.
Para além da discussão da proposta de Van Parijs, foram ainda debatidas algumas das considerações sobre experiências de Rendimento Básico desenvolvidas até hoje, nomeadamente a experiência finlandesa, actualmente em avaliação dos resultados, ou a recém-terminada experiência no Canadá. Foi ainda apresentado o caso escocês, através da voz de Jamie Cooke, onde actualmente o governo, em conjunto com organizações não-governamentais, encontra-se a desenvolver um modelo para realização de um piloto de Rendimento Básico no País.
No segundo dia, foi ainda possível ouvir a opinião dos Eurodeputados João Pimenta Lopes (Deputado ao Parlamento Europeu, GUE/NGL) e Sofia Ribeiro (Deputada ao Parlamento Europeu, PPE) onde ambos discutiram alguns dos riscos que acreditam que uma política como o RBI poderá acarretar.
O que sugerem as experiências de RBI em desenvolvimento ou já terminadas
Um dos pontos fundamentais discutido durante os três dias da Conferência prendeu-se com a análise sobre as experiências de RBI a serem desenvolvidas actualmente, ou aquelas que já foram desenvolvidas no passado e já terminaram.
A publicação na passada semana dos resultados provisórios da experiência da Finlândia – onde foi atribuído a cerca de dois mil indivíduos desempregados o valor mensal de 560 euros, em vez dos habituais subsídios e apoios no desemprego, e uma prestação que se mantinha mesmo que arranjassem emprego – acalentou mais uma vez o debate sobre 1) o que pode ser medido como sucesso numa política como o RBI e 2) qual o papel que as experiências podem ter na avaliação desse sucesso.
Os resultados publicados indicam, para já, que a prestação atribuída na Finlândia não é mais ou menos eficaz que os habituais subsídios e prestações de desemprego. Podemos dizer que enquanto incentivo ao trabalho, no curto prazo (uma vez que a experiência durou apenas dois anos) o rendimento básico, como foi atribuído, não aparenta ser uma medida mais eficaz.
[quote_center]O que a experiência parece conseguir mostrar é que o RBI é muito mais do que uma medida de incentivo ao trabalho, mas antes uma forma diferente de olhar para a forma como os indivíduos encaram o seu futuro e o seu presente, promovendo um sentimento de conforto e maior segurança[/quote_center]
No entanto, ainda que não faça mal nem bem em termos de incentivos de curto prazo na busca por um trabalho, o que os resultados parecem indicar é que quem recebeu a prestação incondicional sentiu-se mais feliz e com menos stress. Mais do que isso, parece ter contribuído para aumentar a confiança nas decisões e no futuro, nomeadamente no que diz respeito à procura por um trabalho.
Assim, e ainda que sejam resultados provisórios, o que a experiência já nos parece conseguir mostrar, é que uma medida como o RBI é muito mais do que uma medida de incentivo ao trabalho, mas antes uma forma diferente de olhar para a forma como os indivíduos encaram o seu futuro e o seu presente, promovendo um sentimento de conforto e maior segurança e, consequentemente, de menor stress e de um maior potencial de felicidade.
A discussão do caso finlandês consegue, por isso, reflectir muitos daqueles que foram os aspectos mencionados na Conferência, em particular a forma como os objectivos definidos para o sucesso de um piloto podem mascarar aqueles que são os resultados globais de uma experiência, e com isso moldar a nossa perspectiva sobre uma medida como o RBI. Mais ainda, mostra-nos que o RBI não deverá nunca ser uma política isolada, e que os motivos para os fenómenos de desemprego não se cingem apenas aos incentivos individuais a que cada um de nós pode ou não ser exposto ao longo da vida.
A cobertura mediática do evento, que contou com entrevistas a Philippe Van Parijs, artigos de opinião do deputado ao Parlamento Europeu João Pimenta Lopes ou referências à opinião vinculada durante o evento pelo Ministro do Trabalho, sinalizam uma vez mais o crescente interesse sobre o RBI no contexto português, pese embora o cepticismo e até insegurança com a política demonstrada por grande parte dos políticos e partidos em Portugal.
RBI ou a medida que divide a sociedade
A opinião do Ministro Vieira da Silva, que vê o RBI como uma medida que pode eventualmente dividir a sociedade entre “os que tem acesso aos benefícios da civilização através do rendimento do trabalho e outros que teriam uma espécie de prestação social para poderem ser consumidores” tende a ser partilhada por muitos que temem uma medida como esta.
Mas embora este possa ser um risco a considerar, as experiências empíricas não o comprovam, nem a natureza da medida, na forma como foi proposta por Van Parijs. Como o filósofo explicitou na Universidade do Minho, a grande vantagem do RBI é o seu carácter emancipatório, e não uma medida que visa compensar uma potencial redução dos trabalhos disponíveis.
[quote_center]A cobertura mediática do evento sinaliza uma vez mais o crescente interesse sobre o RBI no contexto português, pese embora o cepticismo e até insegurança com a política demonstrada por grande parte dos políticos e partidos em Portugal[/quote_center]
O propósito é a promoção da liberdade de todos, na escolha da qualidade e quantidade de trabalho que querem desenvolver ao longo da sua vida. Importa ainda realçar que para o Professor belga, o RBI não deverá substituir grande parte dos ganhos do Estado Social – como a Educação Universal ou o Serviço Nacional de Saúde – mas antes complementar parte destes benefícios, eliminando outros que deixariam automaticamente de ser necessários – como a prestação de sobrevivência ou o Rendimento Social de Inserção, por exemplo.
A realização de mais uma Conferência Internacional sobre o Rendimento Básico em Portugal é um caminho para a discussão informada sobre o tema, permitindo a apresentação das suas vantagens e do seu potencial emancipatório, mas também daqueles que são os riscos que a adopção de uma medida como esta pode trazer.
É igualmente uma forma de apresentar alguns dos desenvolvimentos que a medida está a ter em diferentes partes do globo, onde a adopção do Rendimento Básico já se encontra a ser debatida a nível governativo. É, por último, uma oportunidade para debatermos alguns dos problemas actuais da sociedade portuguesa e europeia, em particular os crescentes níveis de desigualdade, os fenómenos de precariedade ou os elevados níveis de pobreza, pensando na forma como novas soluções podem contribuir para mitigar e/ou solucionar muitos destes desafios.
No fundo, a discussão em torno do RBI é admitir que para os problemas que são de ontem, talvez devêssemos arriscar implementar soluções que parecem ser de amanhã. Porque as utopias não têm de ser impossíveis de realizar.
NOTA: Catarina Neves é Doutoranda da Universidade do Minho
Doutoranda em Filosofia Política da Universidade do Minho