A 21 dias do início dos Jogos Olímpicos, o Rio de Janeiro parece estar (quase) pronto para receber atletas e turistas que, de 5 a 21 de Agosto, animarão aquela cujo “cognome” é mundialmente conhecido como a “cidade maravilhosa”. Apesar de todos os megaeventos desportivos serem propícios a contratempos – uns mais gravosos do que outros – a verdade é que, associados às calamidades políticas, sociais e económicas que grassam por todo o Brasil, os problemas que afectaram – e continuam a afectar – estes Jogos parecem fazer parte de uma conspiração por parte dos deuses do Olimpo
POR
HELENA OLIVEIRA

De acordo com um estudo publicado pela escola de negócios da Universidade de Oxford, o orçamento estipulado para os Jogos Olímpicos que terão início, no Rio de Janeiro, a 5 de Agosto próximo, já foi ultrapassado em 1,5 mil milhões de dólares. O que não constitui nenhuma surpresa, não só porque nada no Brasil parece conseguir surpreender ninguém, mas porque, sem excepção, todas as cidades anfitriãs das olimpíadas excederam, até hoje, os seus orçamentos iniciais.

Estimados em cerca de três mil milhões de dólares, os custos vão já em 4,6 mil milhões, o que representa, em termos de percentagem, 51% a mais do que era suposto. Adicionalmente e no mesmo estudo, que analisou 15 edições dos Jogos Olímpicos de Verão e outras 15 de olimpíadas de Inverno, o recorde “estival” de despesas pertence a Londres, em 2012, com 15 mil milhões de dólares investidos, mas nos jogos de Inverno foi a Rússia que, na cidade de Sochi, conseguiu gastar 22 mil milhões de dólares. Ora e comparativamente, e tendo em conta o segundo ano de recessão grave que o Brasil enfrenta, já para não falar na incompreensível confusão política que nele grassa, esta derrapagem orçamental não é, de todo, o maior problema que a cidade do Rio continua a enfrentar, naqueles que já são considerados por muitos como os Jogos Olímpicos mais catastróficos de sempre, na medida em que tudo o que poderia correr mal, parece ter corrido ainda pior.

Mas e para não corrermos nós o risco de injustiças, há que sublinhar que más notícias e parangonas negativas na imprensa não constituem novidade nos períodos que antecedem qualquer que seja o megaprojecto desportivo em causa. Toda a gente se lembra, por exemplo, da atmosfera mais do que poluída que pairou sobre as Olimpíadas de 2008, em Beijing, onde inúmeras fotografias de atletas a chegarem ao aeroporto com máscaras a tapar o nariz e a boca correram mundo, ou dos variados problemas que assolaram também os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, desde falhas graves na segurança à necessidade de se importar neve para que as provas de ski fossem realizadas. Todavia, a miríade de problemas que afecta estes Jogos em particular – sem nos determos nas calamidades políticas, sociais e económicas que afectam todo o Brasil – é suficientemente gravosa para que fique registada nas nossas memórias como os Jogos mais “azarados” de sempre e, mesmo que muitos dos azares tenham “dono”, outros tantos parecem fazer parte de uma conspiração por parte dos deuses do Olimpo.

Uma outra triste realidade consiste no facto de, ao contrário do que acontece em várias cidades anfitriãs de eventos desportivos desta natureza, as quais investem – e mesmo que não cumpram os limites orçamentais – em infra-estruturas ou em outro tipo de iniciativas que possam melhorar a vida dos seus habitantes depois de os Jogos terem terminado, no Rio tudo parece indicar o contrário. Por exemplo, e como afirmam muitos críticos, os muitos milhões de dólares que tinham como objectivo diminuir o crime e “varrer” a pobreza – para debaixo do tapete, pelo menos -, parecem não ter surtido efeito algum, como se verá mais à frente. Aliás, são exactamente os habitantes das favelas que se queixam de terem sido arrancados das suas casas para dar lugar à construção das infra-estruturas olímpicas, o mesmo acontecendo, por exemplo, com o redireccionamento dos transportes públicos, numa forma “simples” de impedir os que lá vivem de se aproximarem das novas “áreas de luxo” construídas para turista ver e para colocar dinheiro fresco nas mãos e nos bolsos de investidores privados e de indivíduos afortunados. Os críticos apontam assim para que qualquer benefício expectável, depois de tantos milhares de milhões gastos, será apenas temporário e que em nada contribuirá para melhorar a vida dos mais pobres habitantes do Rio de Janeiro.

Mas vejamos, com maior detalhe, alguns dos mais complexos problemas que, a pouco menos de um mês da cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpicos de 2016, continuam a assombrar não só a competição, como os “encantos mil” da Cidade Maravilhosa.

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Catástrofes não naturais

Comecemos pela declaração, divulgada a 17 de Junho último, do “estado de calamidade pública”anunciado pelo governador do Rio de Janeiro, o qual afirma que a crise financeira está a evitar que se honrem os compromissos dos Jogos Olímpicos e dos Paralímpicos. E essa crise é tão severa que, como afirmou, poderá resultar até num “colapso total na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental”. Ou, como resultado, as autoridades foram entretanto autorizadas a racionar os serviços públicos essenciais, ficando o estado elegível para beneficiar de fundos de emergência provenientes do governo federal, medidas que são habitualmente utilizadas em caso de catástrofes naturais. Escusado será dizer que, apesar de catastrófica, a situação em causa teve na sua origem mãos humanas, as quais, além de expectáveis, poderiam ter sido evitadas. De qualquer das formas, e três dias mais tarde, a cidade do Rio receberia um “resgate” federal no valor de 900 milhões de dólares, com vista ao pagamento das forças de segurança, as quais, clamam, estavam sem receber horas extra há mais de seis meses e prestes a ficar sem combustível nos seus carros de patrulha e helicópteros. A história ganha ainda contornos mais graves quando algumas esquadras da polícia chegaram ao cúmulo de pedir aos habitantes locais que doassem bens tão básicos como papel higiénico.

A luta das forças de segurança, polícias e bombeiros, do Rio foi amplamente divulgada não só devido à greve das mesmas, mas e principalmente pela ostentação de um cartaz que, em inglês, funciona como o melhor dissuasor para os milhões de turistas que o evento pretende conquistar: “Bem-vindo ao inferno – os polícias e os bombeiros não recebem salário. Quem quer que visite o Rio de Janeiro, não está seguro”.

Adicionalmente, o esforço prometido e anunciado pelas autoridades brasileiras de “pacificar” as favelas do Rio tem-se mostrado mais do que vão. De acordo com vários relatórios e só no mês de Abril, os assassinatos na cidade aumentaram 33%, os roubos e assaltos nas ruas 24% e os roubos de automóveis 21,3%, face ao mesmo período do ano passado. O próprio secretário de estado da segurança, José Beltrame, admitiu esta escalada do crime. Ainda de acordo com o The Washington Times, Beltrame reconheceu a escalada de violência, culpando, contudo, a severa recessão e crise financeira que está a assolar o Brasil. Os habitantes concordam com a ligação entre o aumento de crimes e a recessão económica, já considerada como a pior desde os anos de 1930. Todavia, as autoridades insistem que os Jogos Olímpicos serão seguros para os turistas, anunciando 85 mil agentes de segurança armados para o efeito e que irão patrulhar continuamente as ruas da cidade. Com esta segurança não pôde uma estação televisiva alemã contar: a 1 de Julho último, um camião carregado de equipamento no valor de 400 mil dólares, foi “interceptado” e desviado por assaltantes e, num outro, entre vários casos similares, o material foi recuperado depois de negociações com os próprios… assaltantes. E nem os próprios atletas que já se encontram no Rio escapam à onda de assaltos. O The Wall Street Journal noticiou o assalto com uma faca a dois membros australianos da equipa de vela dos Paralímpicos e a mais três, da equipa espanhola, que sofreram um assalto à mão armada.

Ainda no que respeita a calamidades financeiras, uma outra preocupação prende-se com a péssima situação em que se encontra o “estado de saúde” dos hospitais no Rio, gravemente afectados também pelo “colapso” que está a contagiar todos os serviços públicos. Os médicos, tal como os enfermeiros e pessoal auxiliar queixam-se igualmente de estarem há meses sem receber horas extraordinárias e, ainda mais preocupante, é a falta de equipamento e medicamentos básicos. De acordo com uma reportagem divulgada pela RTP, até as seringas estão em falta, sendo constante a necessidade de se “improvisar”. E nem sequer o pavor do Zika está nesta equação.

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Super-bactérias, poluição e águas contaminadas

Ao contrário do terror que inspirou há uns meses atrás, a ameaça do Zika não é aquela que, actualmente, uma posição mais elevada ocupa na longa lista de problemas afectos a estas Olimpíadas. Depois de se ter disseminado por cerca de 61 países e ter dominado as notícias ao longo de vários meses, e apesar de os comités olímpicos de cada país terem oferecido meios para evitar a disseminação do vírus que não só está associado à microcefalia (malformação no cérebro dos bebés) mas também a outro tipo de doenças neurológicas, foram vários os atletas – sobretudo golfistas – que optaram por não estar presentes nos Jogos. Mas e apesar dos esforços encetados para tentar convencer os atletas – e os visitantes – de que as probabilidades de serem infectados com o vírus são quase inexistentes, as desistências mantêm-se e o medo continua a contagiar potenciais turistas. Já esta semana e para minimizar os receios, o ministro da Saúde brasileiro, Ricardo Barros, divulgou números oficiais relacionados com a Copa do Mundo em 2014, sublinhando que dos 1,4 milhões de estrangeiros que visitaram o Brasil nessa altura, apenas três contraíram o dengue. Adicionalmente e tendo como base probabilidades matemáticas, o responsável pela pasta da saúde assegurou que dos cerca de meio milhão de turistas que se esperam estar presentes nos Jogos, menos de um possa vir a contrair o Zika.

Só que como um problema nunca vem só e, em particular, no caso destes aparentemente aziagos Jogos Olímpicos, as preocupações mudaram de rumo e as atenções dos media viraram-se para a “super-bactéria” presente não só nas mais famosas praias do Rio de Janeiro, como na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde terão lugar as provas de canoagem, velo e remo, por exemplo. A bactéria encontrada, multirresistente, tem sido também protagonista de muitas histórias feias na imprensa, em conjunto com níveis elevados de poluição, onde esgotos se juntam a peixes mortos, lixo e detritos e até… um corpo desmembrado, encontrado perto de Copacabana, o que, sem dúvida, deixa muito a desejar face ao seu estatuto de “princesinha do mar”. Todavia, a coordenadora brasileira do Comité Olímpico Internacional veio esta semana assegurar que os elementos da organização dos Jogos afirmam que a qualidade da água “deve estar” em “condições de alto nível para os atletas”.

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Maus prenúncios

A juntar a todos estes “contratempos”, os Jogos Olímpicos do Rio têm sido também assombrados por algumas situações que, se não fossem graves, poderiam ser caricaturais.

A história da mascote Juma, o jaguar fêmea que participou numa das cerimónias de passagem da tocha olímpica, a 22 de Junho em Manaus, também correu mundo e pelas piores razões. Em primeiro lugar, no que respeita ao simbolismo que, supostamente, este acto deveria transmitir, e que o próprio comité do Rio 2016 viria mais tarde a admitir como tendo sido um enorme erro. Constituindo a tocha olímpica um símbolo de paz e de unidade, utilizar um animal acorrentado e “tranquilizado” – principalmente numa era em que a luta pelos direitos dos animais obedece a um escrutínio permanente – nesta cerimónia foi, no mínimo, uma enorme burrice e, de acordo com a Reuters, a sua presença nem sequer tinha sido autorizada pelo Instituto de Protecção Animal do estado do Amazonas. Segue-se a proeza infeliz de Juma, que conseguiu soltar-se, o que, contudo, lhe iria custar a vida. Depois de tentar atacar um dos soldados presentes na cerimónia, acabou por ser abatida, gerando, como agora se diz todos os dias “uma onda de revolta nas redes sociais”, com vários grupos activistas dos direitos humanos a insurgirem-se contra tamanha estupidez. Como também já vai sendo habitual, a mote de Juma deu origem também a uma petição online para “pedir justiça” por Juma. Pena é que já foi tarde.

Um outro episódio triste esteve também relacionado com um treino para a cerimónia oficial de abertura dos Jogos, a 3 de Julho último, no qual 28 pára-quedistas tentavam recriar os cinco anéis olímpicos no ar, quando dois deles colidiram no ar – pensa-se que os pára-quedas se enrolaram um no outro – e encontraram a morte.

Em Abril, e depois de enormes elogios à “mais bonita ciclovia do mundo” feitos pelo presidente da câmara do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, aquela que estava a ser apresentada como um dos exemplos de boa construção destas Olimpíadas – uma estrutura elevada à beira-mar com cerca de 4 quilómetros – não aguentou com uma “super-onda” e parte dela colapsou, arrastando também para a morte duas pessoas. De acordo com a Associated Press, este é apenas mais um, entre vários exemplos de má construção, um outro problema com raízes mais do que profundas na corrupção brasileira.


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O que correu (mais ou menos) bem

Apesar de todos os percalços, no dia 5 de Agosto, as atenções do mundo estarão viradas para o Rio e para os mais de 10 mil atletas que participarão na primeira edição de uns Jogos Olímpicos realizados na América do Sul (e a segunda vez na América Latina, depois da edição de 1968, que teve lugar no México). E porque nem tudo podem ser más notícias, seguem-se alguns pontos positivos destes até agora muito atribulados preparativos para aquele que é, considerado por muitos, como o mais espectacular evento desportivo do mundo

  • Instalações (quase) prontas

Com as últimas demãos de tinta ainda a serem dadas em alguns locais e os assentos a serem colocados em outros, as 32 “arenas” espalhadas por todo o Rio de Janeiro estão preparadas para receber os atletas. O Velódromo Olímpico, onde decorrerão as provas de ciclismo em pista dos JO e cuja arquitectura com traços modernos deu muito que falar, foi o mais difícil de “terminar”, mas finalmente parece pronto a ser usado. No futuro, a estrutura será utilizada como local de treino para atletas de alto rendimento.

  • As medalhas mais sustentáveis de sempre

Com um design que celebra a relação existente entre a “força” dos heróis olímpicos e as forças da natureza, todas as medalhas do evento – sejam de ouro, prata ou bronze – foram produzidas de acordo com critérios rigorosos de sustentabilidade. Em particular e no que às de ouro diz respeito, os medalhados – e os defensores do ambiente – poderão estar descansados, pois este foi extraído sem qualquer recurso à (normal) utilização de mercúrio. Já as medalhas de prata e bronze contam com 30% de material reciclado e as fitas que as seguram – que geralmente são feitas de plástico – são também originárias de materiais reciclados. Os acabamentos arredondados que circundam as medalhas são feitos de madeira “freijó”, certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC), o organismo criado para identificar florestas bem geridas e que assegurem a produção de madeira de forma responsável. Adicionalmente, os pódios aos quais os vencedores subirão para receber as suas medalhas são integralmente feitos de materiais orgânicos e serão, posteriormente, reutilizados na produção de mobílias. Mais notícias sobre a sustentabilidade do Rio 2016 aqui.

  • Revitalização da área portuária e o Museu do Amanhã

A enorme transformação que sofreu a zona portuária do Rio é considerada como uma das mais bem-sucedidas iniciativas que a cidade carioca empreendeu, mesmo que os seus gigantescos custos tenham sido fortemente criticados. E apesar de não estar directamente ligada com os Jogos Olímpicos, o seu maior símbolo – o Museu do Amanhã – , inaugurado em Dezembro de 2015 ainda por Dilma Rousseff, é já o museu mais visitado de todo o país desde a sua abertura, contando com um sector denominado “Relações Comunitárias”, que se dedica a envolver, na ciência e na sustentabilidade, as comunidades vizinhas, algumas delas provenientes de zonas muito pobres. O museu estabeleceu parcerias com algumas das mais conceituadas universidades e instituições científicas brasileiras e recolhe, em tempo real, dados sobre as alterações climáticas e populacionais, originários de agências espaciais e de vários organismos das Nações Unidas. Junta também o conhecimento de ciências diversas, tendo como consultores astronautas, cientistas sociais e especialistas climáticos. Fazendo parte do projecto de revitalização da área portuária – a zona estava abandonada e absolutamente negligenciada – para os Jogos Olímpicos, teve um custo na ordem dos 60 milhões de dólares, mas supera, sem dúvida, as expectativas dos seus visitantes, ao mesmo tempo que ajuda à inclusão dos próprios habitantes das zonas que o circundam. Adicionalmente, e apesar de não servir para nenhuma prova olímpica, a ideia é que toda a área funcione como uma “zona para os fãs”. De acordo com o The Wall Street Journal e por exemplo, os jogadores da NBA, que ficarão acomodados num navio atracado no porto, têm já agendadas várias “aparições” públicas no local.

  • O Rio que não deixa de ser a “cidade maravilhosa”

Apesar de toda as controvérsias, a cidade do Rio estará pronta para receber os cerca de 500 mil visitantes que a visitarão, pelo menos entre 5 e 21 de Agosto. E com todas as belezas que já a caracterizavam, a verdade é que ganhou mais umas quantas. Mesmo que à custa de muito suor e lágrimas, o que também simboliza o espírito dos atletas que participarão nestas Olimpíadas. De Portugal, quase 100 atletas estarão presentes.

E que comecem os Jogos.


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